Mesmo sem se vender como tal, as Vespas Mandarinas são uma espécie de supergrupo do rock underground nacional. Formada em São Paulo há poucos anos, a banda tem na formação quatro figuras conhecidas de quem acompanha o rock paulistano com mais atenção; além de Flávio Guarnieri, ex-baixista do Sugar Kane, e André Dea – atual baterista do mesmo grupo – as Vespas ainda contam com os guitarristas e vocalistas Thadeu Meneghini, ex-Banzé, e Chuck Hipolitho, ex-Forgotten Boys, produtor musical e VJ da MTV.
O quarteto estreou bem com os EPs Da Doo Ron Ron (2010) e Sasha Grey (2011), e está de volta com o primeiro full-length do currículo: Animal Nacional, álbum lançado pela Deckdisc no último dia 9, e disponibilizado em streaming gratuito no site oficial da banda. Oficialmente, as Vespas Mandarinas evitam rotular o próprio som, optando por uma classificação simples e objetiva: Vespas Mandarinas é uma banda de “rock brasileiro”.
Classificação simples, mas cheia de significados nas entrelinhas. Afinal de contas, a maior referência do grupo é o rock nacional da década de oitenta, geração cujo sucesso comercial e influência artística não foram igualados nem pela prolífica e bem-sucedida geração da década seguinte. Dentro desse contexto, fica mais fácil compreender Animal Nacional, um álbum direto, acessível, mas ambicioso.
Animal Nacional alterna bons momentos com outros nem tanto. Alguns melhoram com novas audições, outros permanecem estranhos. Todos eles, no entanto, emulam e traduzem as diversas vertentes do rock da geração oitenta para uma roupagem contemporânea, e o maior pecado do álbum, por mais bem-sucedido que ele seja, é tentar abranger personalidades tão distintas dentro de uma mesma sonoridade, transformando um álbum teoricamente simples em um conjunto heterogêneo demais de canções.
O disco começa com “Cobra de Vidro”, um dos destaques de Animal Nacional. A música é uma versão da original lançada pelo Banzé em 2008, e agrada apesar de não ter a dinâmica da primeira, que possui timbres mais crus e um refrão ainda mais grandioso. A nova “Cobra de Vidro” fica aquém inclusive da primeira gravação do Vespas Mandarinas, lançada em Da Doo Ron Ron, mas se sustenta por ser naturalmente uma ótima composição.
Na sequência, outra versão: “Não Sei O Que Fazer Comigo”, adaptada de “Ya No Sé Qué Hacer Comigo”, do grupo uruguaio El Cuarteto de Nos. Não é a primeira vez que Chuck recria uma faixa do rock latino – em Sasha Grey, foi “Antes de Que Cuente Diez”, do Fito y Fitipaldis – e a música é outro destaque do álbum, com uma levada dançante nos versos e uma letra bem interessante. A banda tira o pé do acelerador nas duas faixas seguintes: “Santa Sampa”, com guitarras transportadas direto de 1985, e “O Amor e o Ocaso”, uma balada bonita, mas prejudicada mais uma vez pela falta de dinâmica, que ofusca o belo trabalho de guitarras.
“O Vício e O Verso” traz Animal Nacional de volta aos trilhos – e aos temas oitentistas – mas a sonoridade pop desanima. O refrão clama por guitarras mais pesadas e urgentes, que nunca chegam. “A Prova” é um dos momentos mais pop do disco, e as letras simples de Arnaldo Antunes, letrista convidado, se encaixam bem na levada simples de violão.
Mas é de “Só Poesia” em diante que a banda explora seu potencial máximo, com melodias mais sombrias e guitarras mais fortes e sujas. “O Inimigo” pega o embalo da anterior e exala influência dos Titãs na trilogia Cabeça Dinossauro (1986), Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas (1987) e Õ Blésq Blom (1989). “Um Homem Sem Qualidades”, outra composta por Meneghini na época do Banzé, é quase hardcore, e outro ponto alto do disco.
A melodia de “Rir No Final” lembra canções do Ira!, e volta a mostrar o lado pop das Vespas. A canção não chega a desagradar, mas fica apagada entre a ótima canção anterior e bela “Distraídos Venceremos”, que lembra faixas mais lentas do Red Hot Chili Peppers. O disco termina com a bem-humorada “O Herói Devolvido”, uma das melhores músicas do álbum. O único revés é que a música soa isolada demais no fim do álbum, e talvez coubesse melhor em outro momento do tracklist.
A versatilidade e o ecletismo de Animal Nacional mostra um grupo com desejo de explorar várias frentes ao mesmo tempo. Isso tudo somado à habilidade de escrever – ou adaptar, ou colaborar em – boas letras tem um saldo interessante, mas ao mesmo tempo evidencia que as Vespas Mandarinas têm qualidades suficientes para serem muito mais do que são. Nesse sentido, Animal Nacional decepciona, mas funciona como deixa para que a banda filtre melhor tantas influências no futuro para aí sim encontrar a própria voz.
Nota: 7/10
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