Fotos por Néstor J. Beremblum/T4F
“Sou macaco velho, tô com 46 anos. Perdi a conta de quantos shows eu já vi. Mas este aqui com certeza vai ser o show da minha vida”. Esse foi o desabafo espontâneo de um carioca anônimo, adornado por camisa preta de gola alta e cruz de prata no pescoço, antes de acender um baseado e urrar pelo início do show do Black Sabbath no Rio de Janeiro no último domingo, o terceiro da turnê da banda pelo Brasil. O fã desapareceu antes de ser identificado pela reportagem do Tenho Mais Discos Que Amigos!, engolido pela massa hipnotizada pelo início da apresentação, mas retrata com fidelidade o espírito das 35 mil pessoas que lotaram a Praça da Apoteose: a disposição para viver uma celebração atemporal e com ares de peregrinação messiânica.
Foi um domingo 13 de 2013, no qual o Black Sabbath divulgou a celebrada reunião de três dos quatro integrantes originais e o lançamento de 13, primeiro álbum do grupo com Ozzy Osbourne desde Never Say Die! (1978). Mas antes de receber os pais do heavy metal, o palco montado em um dos extremos da Marquês de Sapucaí abrigou o Megadeth, que não está em turnê do álbum Thirteen (!), de 2011, mas de Super Collider, álbum lançado este ano.
A banda de Dave Mustaine subiu ao palco no horário previsto, exatamente às 18h45. O público sofreu no início do show com o som errático; além da voz abafada de Mustaine, as frequências graves eram excessivamente altas e sem definição, o que transformou a primeira metade do show em um grande bolo sonoro. Isso não impediu a plateia carioca de receber bem o grupo, que privilegiou músicas mais conhecidas no set de aproximadamente uma hora – “Kingmaker” foi a única do novo álbum do quarteto a ser executada. Antes de uma sequência de clássicos encerrada com “Holy Wars” no bis, Mustaine dedicou “Tornado of Souls” ao Rio de Janeiro, por ter sido a primeira cidade da América do Sul onde a banda tocou na carreira, em um hoje distante 1992.
O Black Sabbath subiu ao palco meia hora depois, escondido por um pano negro à frente do palco e recolhido no início de “War Pigs”. Imediatamente foi possível perceber o bom humor natural de Ozzy Osbourne, genuinamente feliz por estar pela primeira vez no Brasil com o grupo que lhe deu fama. Logo na faixa seguinte, a explosiva “Into The Void”, Ozzy fez questão de abraçar o baixista Geezer Butler e o guitarrista Tony Iommi, com um sorriso estampado no rosto. Apesar da persona caricata popularizada pelo reality show The Osbournes, que retratava de maneira cômica o cotidiano da família de Ozzy, o vocalista se mostrou lúcido, brincalhão e com a voz supreendentemente em forma – muito melhor que na última passagem solo de Ozzy por aqui, em 2011.
O setlist destacou os primeiros quatro álbuns da banda: a estreia homônima de 1970, Paranoid (1970), Master of Reality (1971) e Vol. 4 (1972). Apenas “Dirty Women”, de Technical Ecstasy (1976), e três faixas de 13 fugiram à regra. Apesar do frescor do novo álbum, a banda mostrou mais entrosamento nas canções com mais de quatro décadas de existência como “N.I.B.” – durante a qual Ozzy mordeu a cabeça de um morcego de plástico atirado por um fã – “Fairies Wear Boots”, “Snowblind” e “Black Sabbath”, uma das mais comemoradas pelo público. Ao final da canção Ozzy deu um conselho que se espera de alguém como ele, apesar das juras recentes de sobriedade: “Eu sou louco pra ca***ho. É bom ficar louco de vez em quando. Fodam-se as regras, fiquem loucos”.
Mas o show não foi apenas do carisma de Osbourne. Além da precisão admirável de Geezer Butler, outra performance louvável foi a de Tony Iommi. Em batalha constante contra um linfoma diagnosticado em 2011, o pai-de-todos-os-riffs-do-metal foi sublime ao revisitar alguns dos solos mais populares da história do rock. Como de praxe, o guitarrista mostrou-se contido e promoveu interações discretas com o público, mas agradeceu várias vezes os aplausos dos cariocas. O próprio Ozzy se rendeu ao talento do companheiro, e em vários momentos pedia palmas para Iommi e chegou a se ajoelhar para reverenciar o guitarrista durante o solo de “Dirty Women”.
O Sabbath de 2013 tem na bateria Tommy Clufetos, integrante da banda de apoio de Ozzy. Clufetos exibiu técnica e virtuosismo sem desrespeito às incomparáveis levadas cruas de Bill Ward, afastado da reunião por diferentes razões dependendo de qual lado se escolhe ouvir, o dele ou o da banda. Clufetos também é mais técnico que Brad Wilk (Rage Against The Machine), responsável pela gravação de 13, o que ficou nítido no solo de “Rat Salad” e que fez a ponte para o início de “Iron Man”. Apesar de cumprir muito bem o papel designado a ele, falta a Clufetos o estilo relaxado do blues, que serviu como base para o desenvolvimento sonoro do Black Sabbath e fica evidente nas performances de Butler e Iommi. Mas o público pareceu não se importar, e aplaudiu Clufetos como se ele pertencesse ao quarteto desde sempre.
Antes de convocar o grupo de volta ao palco para o encerramento do show, Ozzy pediu à plateia que gritasse o mais alto possível para convencer a banda a tocar não apenas mais uma, mas duas músicas extras. Obviamente, tudo estava previamente arranjado, e assim como nos outros shows pela América Latina o Sabbath terminou a festa ocultista com “Children of the Grave” e “Paranoid”, com direito à citação do riff inicial de “Sabbath Bloody Sabbath” entre as duas. Na saída, os comentários gerais não deixaram dúvidas: foi o show da vida não só do fã alucinado do início, mas de muitos – “macacos velhos” ou não.
Setlists:
Megadeth
01 – Hangar 18
02 – Wake Up Dead
03 – In My Darkest Hour
04 – Kingmaker
05 – Sweating Bullets
06 – Tornado of Souls
07 – She-Wolf
08 – Symphony of Destruction
09 – Peace Sells
10 – Holy Wars… The Punishment Due
Black Sabbath
01 – War Pigs
02 – Into the Void
03 – Under the Sun/Every Day Comes and Goes
04 – Snowblind
05 – Age of Reason
06 – Black Sabbath
07 – Behind the Wall of Sleep
08 – N.I.B.
09 – End of the Beginning
10 – Fairies Wear Boots
11 – Rat Salad
12 – Iron Man
13 – God Is Dead?
14 – Dirty Women
15 – Children of the Grave
16 – Paranoid