Resenha: <b>Incendiall</b>, Plastic Fire e <b>Dead Fish</b> no Rio de Janeiro (19/04/12)

Uma das bandas mais influentes do hardcore nacional, Dead Fish, tocou na íntegra os discos <b><i>Sonho Médio</b></i> e <b><i>Afasia</b></i> em show cuja abertura foi feita por Incendiall e Plastic Fire.

O influente grupo capixaba de hardcore, Dead Fish, voltou ao Rio de Janeiro após 5 meses desde a gravação do DVD no Circo Voador, que celebrou seus 20 anos de carreira, para realizar um show especialíssimo e inesquecível.

Em uma realização da C.H.C Produções Independentes e com apoio do Tenho Mais Discos Que Amigos!, o grupo apresentou na íntegra os seus 2 discos mais clássicos: Sonho Médio (de 1998) e Afasia (de 2001), além de um setlist especial e surpresa, na quinta-feira (19/04), no Espaço Acústica.

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A festa, que foi “como nos velhos tempos”, também contou com shows de Plastic Fire, que vem se consolidando cada vez mais na cena underground do Brasil, e Incendiall, que lançou há poucas semanas o seu ótimo registro de estreia, agradando fãs de Comeback Kid, principalmente.

 

Fotos por I Hate Flash
Resenha por Allex Machado

O local do evento era o Espaço Acústica, na Praça Tiradentes. Era uma quinta-feira, o dia seguinte não era feriado, “perto” dali acontecia o show do Roberto Carlos (o cantor mais honesto do Brasil), e a banda que tocaria era o Dead Fish, a mais “é o último show deles que eu vou”. Ou seja, a dúvida acerca do público presente no evento era grande. Mesmo assim, apesar do vento contra, a casa encheu para ver os capixabas, pela primeira vez no Rio fazendo seu show “Como nos velhos tempos”, que consiste na execução na íntegra dos álbuns Sonho Médio (1999) e Afasia (2001), unanimidades como opera magna do hardcore nacional.

E lindo foi ver que já às 19h, quando a bilheteria da casa ainda abria, o número de pessoas que iam mais uma vez ao “último show do Dead Fish de suas vidas” era grande. Mais lindo ainda foi ver a fila para entrar, com a casa ainda fechada e as bandas ainda passando o som. Gratificante pra caramba ver gente de boa na fila, esperando a casa abrir pra entrar, pra ver todas as bandas. Sinal ótimo de que, diferentemente de outros tempos, a galera tem dado atenção para as bandas locais. Nada mais justo às bandas, aliás, que também fazem por merecer, e não é de hoje. Sempre bom dizer.

Incendiall

Falando nas bandas, às 21h a primeira da noite, o quarteto da Incendiall, subiu ao palco para seu segundo show. Tocaram as músicas de seu recentemente lançado EP, Sobre Status, Cartões e Cheques, muito bem gravado e bem produzido por Gabriel Zander. E, pra você ver como os dias na cidade são outros, a banda de abertura, em seu segundo show, tem suas músicas cantadas fortemente por uma boa galera da plateia, já com mais da metade do povo dentro da casa. E, como uma coisa leva à outra, um frenesi danado na pista: mosh rolando bonitinho e gente em cima de gentes.

Sem dúvida uma espetacular surpresa o show da Incendiall. Tanto pela sonoridade da banda, que tira um barulho bem específico, com influências de Comeback Kid, Colligere, e Shai Hulud, entre outros, quanto pela técnica, presença de palco e pressão de som na execução das canções. Uma maturidade tamanha que ninguém diria que era o segundo show dos caras. Rolou até participação especial de Madão, baixista da Plastic Fire, que subiu ao palco com sua cervejinha, a convite do vocalista Thiaguinho Tim, para cantar “Diferenças tão Comuns” junto com a banda, que mostrou com seu show que o hardcore carioca ainda tem muita lenha pra queimar.

Plastic Fire

Após a saideira da Incendiall, que começa a conquistar seu espaço, subia ao palco a Plastic Fire, que já está em outra realidade; já é uma realidade. Se por muitas vezes se disse que a Plastic Fire era a banda que mais crescia no Rio de Janeiro, hoje a mesma representa muito mais para a cena carioca, tanto que o principal responsável pelo evento foi o guitarrista da banda, Daniel Avelar.

E em cima do palco os caras comprovam seu status. Abrindo com “9006” e com a mesma energia de sempre, principalmente do vocalista Reynaldo Cruz, que merece um texto, ou melhor, um livro só para ele, a banda começou sua ode ao movimento, com um público tão entregue à banda e uma casa já tão cheia que daria pra apostar – sem ver o flyer do evento – que a banda da noite era o Plastic Fire. Isso porque as músicas da set dos caras foram cantadas intensamente, de coração e salteado. E quem não sabia cantar, pogava – muito, no caso do Plastic Fire. Mesmo as músicas mais recentes, “Segundos” (versão feita pela banda de “Seconds“, do Bullet Bane) e “Fugaz“, ambas do recentemente lançado split Chumbo, eram cantadas como hinos de anos e anos, com olhos fechadinhos que nem os das velhinhas no show do Roberto Carlos supracitado.

Esgrima“, “M.A.S.“, “Há o Amanhã?“, “Contra o Tempo“, “A Última Cidade Livre“, todas foram tocadas, mas não deram conta. Plastic Fire já é banda que deixa música faltando, que sempre gera gritos de “toca aquela!”. E dessa vez a música foi “Negativo“, pedida em uníssono por todo o Espaço Acústica, mas não tocada, apesar dos esforços empreendidos, já que Daniel, em sua dupla função de organizador e guitarrista, acabou prezando pela organização cronológica do evento. Mas nada que tirasse o mérito da apresentação da banda, diga-se de passagem. São os ossos do ofício. Primeiro o trabalho e depois o samba – ou o hardcore, se preferir.

Dead Fish

Às 23h, a maior concentração de mochilas por metro cúbico em um show de hardcore dos últimos anos se espremia toda à espera da certeza da não-surpresa dos primeiros riffs do show. “Escapando“, primeira faixa do Sonho Médio, deu largada ao rebu na pista. A partir daí, o som de naftalina infestou o ambiente e o armário bagunçou de vez. “Sobre a Violência“, “Modificar“, “Paz Verde“, “Mulheres Negras“… O Sonho Médio inteiro, na ordem certinha, foi tocado pela banda, e cantado e coreografado por todos, com moshes e stages ferozes (sem os pés pra baixo e sem gente no hospital. Olha que bonito!).

Aliás, destrinchemos: show do Dead Fish sem surpresas é um show surpreendente. Mesmo quando tão já explanado como este, em que já se sabia exatamente as músicas que seriam tocadas. O ponto é que os shows do Dead Fish transcendem a lógica natural dos fatos de forma que não é surpreendente se surpreender. Surpreende ver que mais uma vez os caras, apesar de já terem tocado 50 vezes no Rio de Janeiro, ainda conseguem fazer shows com a mesma energia. Mas isso já se espera. Já se espera se surpreender. Paradoxal; como o “é o último show do Dead Fish que eu vou”. Mas enfim.

Um ponto interessante do show foi a nostalgia nas apresentações das canções, por Rodrigo, vocalista da banda, que inseria as músicas no contexto da época em que foram criadas e falava sobre todo o processo de produção delas, além de contar histórias como a de seu pai sendo preso na época da ditadura na rua da Carioca, rua da esquina onde fica o Espaço Acústica. Isso sem falar na volta da polêmica sobre o episódio dos “peitinhos de chocolate”, que é melhor até deixar de lado.

Ao fim do Sonho Médio, começaram as músicas do Afasia, disco mais “cadenciado”, se comparado ao anterior, mas não menos nostálgico. O destaque ficou por conta das músicas que dificilmente seriam tocadas não fosse a proposta do show: “Revólver“,  “A Cura“, “Por Paz“, “Sua Bandeira“, “Damn’lie“, “Lost Soul“, “Perfect Party“, “Hoje“, “No Chão“, todas essas “lado B” valeram demais o ingresso daqueles que sempre sonharam em cantá-las bem alto junto com a banda, mas achavam que nunca poderiam por terem nascido no ano errado.

Após a execução de “Perfect Party“, última faixa do Afasia, era a hora das “surpresas” prometidas na divulgação do show. Especulou-se que tocariam alguma cover, alguma música nova, ou alguma coisa do projeto Peixe Morto (banda de uns caras parecidos com uns caras que tocam e tocavam no Dead Fish), mas o que rolou foi que além dos dois discos prometidos, o barulho que se ouviu foi o dos acordes de “Rei de Açúcar“, “Molotov” e “Venceremos“, pra fechar o show. E a única cover que rolou foi um pedacinho de uma música do Kenny G (uma dessas que todo mundo conhece, mas quase ninguém não sabe o nome – e eu também não sei) entre uma música e outra no meio do show.

E depois de mais um show do Dead Fish, depois de tantas formações da banda, depois de tantas vezes indo e voltando, ouvindo as mesmas letras, vendo as mesmas caras cantando as mesmas músicas com os mesmos pulmões em cada apresentação, não me resta outra conclusão senão a de que o show do Dead Fish já ultrapassou o status de show e agora já se consolida como um ritual que vai muito além dos 60 minutos de liberdade.

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