Após ter assistido ao show do veterano Paul McCartney em Porto Alegre, em novembro de 2010, e ter compartilhado toda a experiência com o TMDQA!, o músico Eduardo Paulo Costa agarrou com unhas e dentes a oportunidade de conferir ao vivo, novamente, Macca e companhia.
Abaixo, confira na íntegra o relato (bastante pessoal) e fotos do show realizado em Florianópolis, na última quarta-feira (25 de abril).
O material foi concedido com exclusividade ao TMDQA!.
“ONE! TWO! THREE! FOUR!”
Com o show de Sir James Paul McCartney em Porto Alegre em 7 de novembro de 2010, aprendi que passo por três estágios de ansiedade precedentes a um show de um ex-beatle: a primeira ansiedade vem quando da confirmação do show, motivada pela incredulidade; a segunda vem na véspera da compra do ingresso, na pilha pra comprar rápido, antes que esgote; e a terceira vem pela metade da semana que antecede o show – mas para na manhã do dia do evento. Não foi diferente em 2012, com o show dele em Florianópolis.
Nascido e criado em Florianópolis e na cidade adjacente, São José, me parecia uma realidade distante um show de dimensões respeitáveis na capital catarinense. Florianópolis tem pouco mais de 400 mil habitantes, São José passa os 200 mil, e mesmo somando Palhoça (ao sul) e Biguaçu (ao norte) não chegamos a um milhão de pessoas nas proximidades mais imediatas. Trazer o Paul McCartney a Santa Catarina parecia apenas um boato absurdo e extremamente sem-graça difundido internet afora pelas redes sociais.
Acontece que, depois da transformação de boato em realidade que aconteceu em 2010, eu desenvolvi um faro muito bom pra sacar quando um rumor tinha fundo de verdade – e a coisa começou a cheirar bem no começo de março de 2012, quando se falava bastante da possibilidade de shows de McCartney em Recife e, quem sabe, em Florianópolis. A mera menção do assunto acelerava meu coração. Alerta ao meu instinto, comecei a me preparar para a notícia. Por volta da metade de março o show já era um rumor praticamente confirmado, mas só me dei por satisfeito quando, durante uma aula de inglês na faculdade, li a notícia da confirmação: Paul McCartney tocaria no estádio da Ressacada, casa do Avaí Futebol Clube. Não era mais boato. O cara que toda a vida eu admirei, que me inspirou no fazer musical criativo e mecânico e que já tinha provado sua grandeza diante dos meus olhos no estado vizinho ia tocar na minha terra, no lugar que eu conheço e que identifico como lar, no lugar em que a minha vida havia se desenrolado: Floripa. Ele completaria o grand slam do sul do país: Curitiba em 1993, Porto Alegre em 2010, Florianópolis em 2012. Se a palavra “surreal” carecesse de uma definição mais precisa, neste momento ela a havia conquistado.
Ainda assim eu não entendia o porquê de um show deste tamanho ser realizado na Ressacada. Apesar de eu ser avaiano e corintiano, o futebol perdeu a graça pra mim depois que perdi meus avôs há dez anos; não fazia sentido eu comemorar que o show seria na Ressacada só porque é a casa do Avaí. Eu realmente preferiria um show no Scarpelli: maior, mais bem-localizado, perto da casa da minha vó e da casa do meu pai. A Ressacada fica no bairro Carianos (o que inspirou um amigo a dizer que eu deveria gravar o show e lançar um bootleg chamado “Live At Faceass”), longe demais de qualquer bom ponto de referência (não conto o aeroporto porque, como é bem sabido pelos manezinhos, a rodoviária daqui é maior que o aeroporto), além de ser de dificílimo acesso. Minha namorada, cujo pai é policial, explicou que o show só não foi no Scarpelli porque o Figueirense se recusou a tirar o alambrado. Respeito a decisão da empresa, mas infelizmente o reflexo dessa decisão foi grande (detalhes mais à frente).
Comprei o ingresso assim que liberaram o site para venda. A dor da compra de um ingresso de gramado premium é enorme. Facada. Mas fã que é fã sabe que a dor é compensada. Quando o meu pai disse que me daria o ingresso de presente de aniversário (dia 9 de maio, galera, aceito presentes!) aí o corte aliviou. Minha conta bancária pôde descansar em paz, segura de que não seria mais violentada.
A semana que precedeu o show foi das mais interessantes: dois shows de McCartney no Recife e alguns pela América Latina davam o gostinho do que o set list traria; pessoas eram chamadas ao palco, o que me dava alguma esperança de passar pela mesma experiência; e finalmente em SC, ele se hospedou num resort em… Governador Celso Ramos. Não ficou no Costão do Santinho, não ficou em nenhum dos “grandes” hotéis da capital, e sim num resort de luxo, localizado em uma cidade ao norte. Era engraçado, sendo eu o manezinho que sou, que o meu ídolo estivesse em Governador Celso Ramos. Isso significava que ele tinha passado de carro pelas mesmas ruas que eu passo, e que havia passado a SEIS QUADRAS do prédio em que moro, em São José (sim! Paul McCartney já esteve no Kobrasol!), novamente dando significado à palavra “surreal”. Ao mesmo tempo, eliminava qualquer possibilidade de tietagem. Tudo bem, o que me interessava era o show, mesmo.
Nesse ínterim entre a confirmação do show e o dia do evento eu havia convidado três pessoas para ir comigo: minha mãe, Adriana; meu pai, Clayton; e minha namorada, Cristiane. Todos foram obrigados a recusar, motivados pela longa espera na fila e os gastos com o ingresso. Compreendi, mas sabia o que isso significava: só tinha a cara e a coragem para me acompanhar na ida à Ressacada. Ah, e o meu celular Nokia também: pé duro, tinha me acompanhado no show em PoA e era o titular há dois anos até que o substituí recentemente por um Samsung Galaxy S II. Não queria levar o caro S II para o que era previsto como um dia de muita chuva, então optei pelo velho guerreiro.
Chega o dia do show: acordo 6h15, pego um táxi 6h45 e chego na Ressacada às 7h15, acompanhado do celular, carteira com apenas o necessário e sacola com Club Social, Passatempo sem recheio e água, além de dois cartazes que, através de piadas auto-depreciativas, deveriam persuadir Sir Paul a me chamar ao palco e assinar meu braço para que eu fizesse uma tatuagem. Por que fui tão cedo? Não só por um lugar bom: como os bairros próximos à Ressacada (Carianos e Tapera) têm apenas UM acesso, um esquema de trânsito foi montado para que, a partir das 9h, todos tivessem que parar ao longo da via expressa sul de ônibus, carro ou táxi e então pegar o transporte coletivo oficial para a Ressacada. Foi essa a solução encontrada pelos organizadores – solução que foi perfeita para a ida, mas que fiz questão de driblar.
Lá encontro um colega de sala, o João, que infelizmente não veria o show na mesma seção que eu. Eu não conhecia a Ressacada (mesmo avaiano, jamais tinha ido a um jogo da equipe, tendo apenas ido a jogos do Figueirense no Scarpelli, pois meu pai e meus irmãos torcem pelo time), mas logo encontro a fila inicial, do lado do CT do Avaí. Somos conduzidos ao nosso portão, devidamente relacionados para evitar furos e desorganização, e 7h30 nos estabelecemos na fila definitiva. Uma espera de 14 horas nos aguardava.
O clima de fila quando se está sozinho é chato: em Porto Alegre eu estava com uma conhecida e fiz “amizade” com outras pessoas da fila que ela também conhecia; em Floripa, ironicamente, eu não conhecia absolutamente ninguém – ou pelo menos não conhecia ninguém com quem eu estivesse disposto a dividir alguma intimidade. Vi uma ou outra cara familiar da internet, alguns de origens bizarras demais para estarem ali, mas fiquei na minha. Fiquei entre um casalzinho pacífico e apaixonado, com quem troquei uma ou outra palavra – apenas o estritamente necessário – e um grupo de fãs enjoadas de Minas Gerais. Nada contra o digníssimo povo mineiro – só aquelas meninas que eram chatas pra caramba mesmo, daquelas fãs que falam o tempo todo da banda de apoio e se acham amigas dos músicos.
Ao longo do dia, na fila, vi cenas irritantes, peculiares e bacanas: o homem do tempo da RBS TV, Leandro Puchalski, apareceu cedo e ouviu de fãs “Porra Puchalski, tu disse que não ia chover! Tu errou, Puchalski!” (durante o dia inteiro até o show só choveu no início da manhã, bem de leve); os helicópteros das polícias militar e civil e o da RBS TV sobrevoavam os arredores; um sósia de Paul McCartney que, com a ajuda de uma guria, vendia fotos com os fãs para poder comprar ingresso; hare krishnas dançaram e cantaram em volta do estádio; os fãs mais tietes distribuíam corações (para serem levantados em “My Valentine”, o que levou um garoto mais piadista a gritar “Heather Mills! Heather Mills!”) e fotos de John Lennon (para serem levantadas em “Here Today”). Não vou dizer que as horas passaram rápido, mas até que tinha bastante coisa pra se ver e acompanhar nesse meio tempo.
Localizados na entrada logo ao lado do palco, ouvimos claramente a passagem de som, iniciada com atraso às 17h. Clássicos como “Honey Hush”, “Twenty Flight Rock”, “Ebony And Ivory”, “Birthday”, “C Moon”, “Yesterday” e “Bluebird” (além de algumas músicas irreconhecíveis) arrancaram aplausos da minha fila, e provavelmente faziam a alegria de quem tinha se disposto a pagar salgados US$ 1500 pelo pacote Hot Sound (que inclui a passagem de som). Infelizmente o atraso da passagem de som gerou atraso também na abertura dos portões, prevista para as 17h30 e que aconteceu apenas uma hora depois.
Abertos os portões, corremos para pegar o melhor lugar. Fiquei ainda mais perto do palco que no show de Porto Alegre, desta vez a cerca de um metro e meio da grade. Como proibiram a entrada com cartazes, escolhi um (dos dois que tinha feito) e escondi na calça. Deu certo. Sentei no chão para relaxar as pernas e contemplar a grandeza do palco. Ao mesmo tempo prestava atenção às pessoas à minha volta: muitas figurinhas repetidas do show de PoA, um ano e meio atrás; muitos que já estavam lá desde a passagem de som; muitos donos de câmeras caras, iPhones e com experiência em passagens de som do beatle – ou seja, gente com bala na agulha. Isso me deixou seguro, pois significava que ninguém ia querer me assaltar. De longe vi a Helô, menina de Itajaí que viu o show de 2010 comigo, mas infelizmente não pude estabelecer contato melhor que um aceno de longe. Apesar de o show se aproximar, o tempo parecia correr mais lentamente, com um DJ fazendo agradáveis remixes de sucessos dos Beatles para manter a plateia ocupada.
Quando o DJ saiu do palco, o tradicional vídeo que antecede os shows de Sir Paul começou a ser mostrado nos telões. É chato, mas valeu ter visto a cara do Chevy Chase sendo mostrada a todos no estádio umas duas ou três vezes (o ator estava no vídeo porque Paul fez a música tema do filme Spies Like Us, com Chase e Dan Aykroyd). Ao fim do vídeo, os níveis de gelo seco no palco aumentaram, e aí entrou Sir James Paul McCartney.
A cena foi idêntica à do show de Porto Alegre, mudando apenas a cor do paletó: a lenda se aproximou da beira do palco, lambeu o dedo, “encostou” na plateia e sentiu queimar de tanta euforia que emanávamos. A bateria deu o tempo e, antes de começar a música, eu já sabia que o que vinha era “Magical Mystery Tour” – brilhante começo! O estádio gritava tanto que mal se ouvia a banda e, menos ainda, a voz de Paul. O garotinho de 69 anos (adolescência é só aos 73, né?) tirava graves absurdos do Hofnerzinho vintage e se mexia sem parar, extremamente feliz.
Depois veio “Junior’s Farm”, excelente rock and roll dos Wings, que deu pra ouvir melhor, já que boa parte do público não conhecia. Ao fim da canção, Paul se dirigiu à plateia: “Boa noite, manezinhos! Oioió, Floripa!”. Quase tive um orgasmo na sua primeira demonstração de manezês (conjunto de expressões e marcas fonológicas que caracterizam o falar do habitante tradicional de Florianópolis). Aí emendou com “All My Loving”. E eu chorei.
As lágrimas eram mistas: a música que eu ouvia quando pequeno; o fato de ser ele, ali, na minha cara, tocando; a ausência da minha namorada ao meu lado naquele momento (falta que eu sentiria em outros momentos do show).
“Jet”, uma das minhas preferidas, não podia ficar de fora, e a execução foi perfeita. Uma pequena decepção veio com “Drive My Car”: eu esperava ansiosamente por “Got To Get You Into My Life”, mas no fim das contas, não importa muito. Só o Paul McCartney consegue gerar decepção trocando uma música fantástica por outra.
Neste momento, mais uma demonstração engraçada de português: ele diz que “é muito bom estar pela primeira vez em Santa Catarina” e avisa: “Esta noite vou falar um bocadinho de português… Mas vou falar mais inglês, tá ligado?”. Ah, Paul, seu manezinho… Dás um banho!
Single do duo The Fireman (formado por Macca e Youth), “Sing The Changes” foi uma bela adição ao set list. Foi sucedida por uma das novidades dessa turnê: “The Night Before”, canção que os Beatles gravaram e que soou excelente com Paul e sua banda. Foi neste momento que começou a chover de verdade, encharcando todos no estádio e me deixando com frio… Que, novamente, não importava.
Paul deixou o baixo e pegou a Les Paul decorada para “Let Me Roll It”, tendo depois trocado pela lendária Epiphone Casino em “Paperback Writer”, duas das minhas músicas preferidas também. O baixo, durante uma boa parte do show, ficou a encargo de Brian Ray, cruzamento bizarro de Steven Tyler e Gary Busey que é um brilhante músico por si só. Deixando a guitarra de lado, Paul foi ao piano Yamaha e perguntou à plateia: “Tudo bem? Tudo ótimo? Tudo MASSA?”. Eu estava certo de que, até aí, ele já tinha cobrido uma parte enorme do meu vocabulário.
O belo e brilhante piano preto foi o lar do qual saíram “The Long And Winding Road” (coisa linda, puta que o pariu) e “1985” (que Paul dedicou aos fãs de Wings, fazendo o símbolo da banda com as mãos). Ainda no piano, o beatle introduziu a canção seguinte, “My Valentine”, como uma homenagem à esposa, Nancy Shevell, ainda pedindo que víssemos no telão os vídeos, lado a lado, com Natalie Portman e Johnny Depp. Belíssima canção e belíssima apresentação da mesma, que me levou às lágrimas.
A realização de um sonho e mais lágrimas vieram a seguir, quando Paul tocou o clássico “Maybe I’m Amazed”, que eu jurava que, não importa quantos shows dele eu fosse ver, jamais ouviria. Dedicada a Linda McCartney, foi a segunda música consecutiva na qual só pensava na minha namorada. Amor é uma coisa bacana, né?
A terceira música consecutiva que me proporcionou esse sentimento aconteceu na saída de Paul do piano, quando pegou um violão e tocou “I’ve Just Seen A Face”. A música, alegrinha, me fez chorar feito bebê, e então deu lugar a uma surpresa: Macca anuncia que vai tocar certa música pela primeira vez no Brasil. Ganhamos “Hope Of Deliverance” com o brilhante baterista Abe no baixo. Deve ser difícil tocar baixo quando se tem um tal de Paul McCartney do teu lado, mas Abe pode: é filho do lendário baixista Abraham Laboriel, e se não aprendeu nada com o pai, aprendeu em 12 anos na estrada com McCartney. Tocou muito bem e não duvido que seja um ás do instrumento. Um pequeno parêntese: Paul foi provavelmente traído pela memória e contou uma mentira deslavada. “Hope Of Deliverance” foi tocada na tour do disco Off The Ground, que passou por Curitiba e São Paulo em 1993.
“And I Love Her”, melosa demais até para mim, que sou fã hardcore, conquistou coraçõezinhos por todo o estádio. “Blackbird” e “Here Today” (que foi apresentada por Paul como “uma música para o meu irmão John”) me levaram novamente às lágrimas, com saudades dos meus falecidos avôs. Durante a última, Paul também ficou com os olhos vermelhos e marejados – culpa das fotos de Lennon que a plateia ergueu, e não do forte odor de cannabis que inundava o gramado premium.
Uma escolha acertada foi colocar o combo “Dance Tonight” (que teve, como atração à parte, a dancinha de Abe) e “Mrs. Vandebilt” no repertório, já que o povo molhado resolveu pular pra se esquentar. A banda, genuinamente feliz e animada, também pulava, com o guitarrista Rusty Anderson fazendo uma dança cossaca durante o fim da segunda canção. A alegria deu então lugar à tristeza de “Eleanor Rigby”, com um belíssimo vídeo no telão ao fundo.
O ukulele vem ao palco, o que significa que é hora de “Something”. No entanto, Paul vê um cartaz pedindo “Ram On”, e toca esta antes do tributo ao amigo George. Emocionante, a performance de “Something” termina de maneira belíssima, com Paul se virando de frente ao telão e abrindo os braços, olhando para uma foto de um jovem George Harrison. A plateia então pede algo para Ringo, e a banda improvisa um verso e o refrão de “Yellow Submarine”.
A obra-prima “Band On The Run” vem em seguida, com Paul berrando as notas altas a todo vapor. O show de luzes foi brilhante, representando as barras de uma prisão nas duas primeiras seções da canção e então mudando o desenho com a fuga dos prisioneiros. Ao fim desta, Macca pede à plateia que interaja e ajude com a canção seguinte, “Ob-La-Di, Ob-La-Da” – não sem antes testar-nos, pedindo que repetíssemos sons engraçados que ele emitia. Foi mais um momento transcendental para mim, que sou músico, pois a primeira canção que aprendi no violão foi esta.
“Back In The USSR” repetiu o feito de Porto Alegre e fez com que todo mundo cantasse a harmonia do refrão. Ao fim da canção ainda cantávamos a harmonia, e Paul entrou na brincadeira. Logo após cansar disso, mandou “I’ve Got A Feeling” (quem falar em Black Eyed Peas leva na cara, beleza?), e deu mais uma amostra de manezês dizendo “Coisa mais querida!”. “A Day In The Life” e “Give Peace A Chance” vieram depois e se juntaram em uma só num coro fantástico e lindo.
Minha canção preferida, “Let It Be”, ficou ainda mais bonita com a chuva, e me fez pensar nos meus pais e avós. Neste momento soltei o cartaz que pretendia usar para ir ao palco, pois percebi que havia magia o bastante na música: Paul toca essa canção com extrema facilidade, mas com a mesma emoção de sempre. Ainda bem, pois precisávamos estar totalmente mansos para um fenômeno chamado “Live And Let Die”.
A memória olfativa foi atiçada pelo cheiro de pólvora que vinha das explosões, jatos de fogo e fogos de artifício. O show visual foi ainda maior que em Porto Alegre, e exigiu toda a energia possível da banda. Excelente performance. Paul então se dirigiu ao piano psicodélico (o mesmo utilizado nas gravações dos Beatles) e disse “Eu estou na ilha da magia!”. Enquanto o público delirava, ele começou “Hey Jude” – como sempre, o ponto alto do espetáculo. Durante o “na na na na”, Paul se dirigiu aos homens como “istepôs”. Aí eu ganhei a noite. Paul McCartney falou a palavra “istepô”, provavelmente o maior ícone linguístico da cultura manezinha!
O fim da canção marcou o fim do set principal. O povo chamava Paul de volta cantando “Get Back”, e ele logo voltou. Segurando uma bandeira brasileira (com Wix, o genial tecladista da banda, segurando a bandeira britânica), Paul fez uma linda saudação à nação brasileira e emendou três porradas: “Lady Madonna” (numa homenagem belíssima às mulheres), “Day Tripper” (imediatamente proibindo moralmente todas as bandas cover de rock do Brasil de tocarem esta faixa, pois jamais soarão como ele) e “Get Back”.
Então veio o segundo bis. Paul pegou o Epiphone Texan e tocou “Yesterday”, sua obra prima, com o estádio cantando em uníssono. Eu estava em transe e sabia o que esperar: “Helter Skelter” e a tradicional tríade “Golden Slumbers/Carry That Weight/The End”. Mas não foi bem assim.
A primeira surpresa foi quando ele anunciou que um dos membros da equipe dele tinha virado pai na noite anterior, e que tocaria uma música em homenagem à filhinha recém-nascida do cara. Como eu sei que essa era a hora de “Helter Skelter” ou “I Saw Her Standing There”, fiquei em dúvida, pois nenhuma das duas se encaixava no contexto. E entra “Birthday”! “BIRTHDAY”! Eu jamais achei que fosse vê-lo tocando essa música ao vivo, e é uma das minhas preferidas! Que surpresa excelente!
Ao fim da canção, Abe dava na bateria o tempo de “Helter Skelter”. Paul contraria o baterista e grita “ONE! TWO! THREE! FOUR!”. “I Saw Her Standing There”, outra que eu jamais achei que fosse ver ao vivo, entra no repertório! Eu não poderia estar mais feliz. Como a minha versão favorita da música é a do álbum ao vivo mais recente do Macca, em que ele divide os vocais com meu outro ídolo, Billy Joel, fiz questão de cantar da plateia as partes de Joel.
Depois disso era previsível: veio o trio final de “Abbey Road”. Quando ele tocou essas músicas nos Grammys desse ano e na tour ano passado, achei que jamais fosse ter a oportunidade de ver ao vivo. Comemorei a possibilidade e a aproveitei ao máximo.
O show chegara ao fim, com Paul dizendo “Até a próxima!”. Espero que tenha uma próxima… Mas não na Ressacada.
Por que?
Porque a volta pra casa foi UMA MERDA. Fica aqui a minha denúncia à falta de planejamento das polícias e da RBS, que fez mais de 30 mil pessoas dependerem de ônibus para voltar aos seus carros, táxis e ônibus. Um mar de dezenas de milhares de pessoas tomou o entorno do estádio à procura da saída dos ônibus, e uma fila mal-formada e extremamente populosa andava a passos de tartaruga à medida que os ônibus eram ocupados. O problema maior é que eles estavam sendo ocupados UM POR VEZ. Repito: mais de 30 mil pessoas dependendo de ônibus, mas só saía um por vez. Duas horas depois, perto das 2h30, é que a Polícia Militar acordou e liberou todos os ônibus pra todo mundo. Assim, pude chegar completamente encharcado, sujo e enlameado ao terminal para pegar OUTRO ônibus e, depois, receber uma carona do meu pai. A RBS mal divulgou o tumulto e a desorganização (chamou de “lentidão”) da saída, mas cabe lembrar que, às vésperas do show, não se encontrava UMA fonte de informação sobre o retorno ao Centro da cidade. Florianópolis não está preparada pra um evento dessa magnitude, não tem estrutura e nem aparato rodoviário para tal. Foi muito bacana da RBS trazer Paul McCartney à capital, mas foi uma péssima ideia ter colocado o show no sul da ilha. A experiência, que foi para muitos a realização de um sonho, chegou muito perto de virar um pesadelo. Eu jurava que teria que dormir na rua, na grama molhada do centro de treinamento, e que só voltaria para casa de manhã.
Mas deu de reclamação. O que tenho a resumir do dia é que foi uma longa espera pra entrar e outra pra voltar, mas que o show foi EXCELENTE, excedeu as expectativas e que ter visto o meu maior ídolo falando como eu falo e cantando o que eu mais gosto foi muito mais do que eu poderia ter sonhado. Sir James Paul McCartney é um músico excelente em todos os instrumentos que toca, um compositor brilhante tanto de letras quanto de melodias, uma das grandes vozes da música popular dos séculos XX e XXI e um showman como nenhum outro – ou seja, um artista completo. Assistir a um show dele é celebrar a vida, a paz, o amor e ser testemunha de parte crucial da cultura popular do mundo moderno. É entrar em contato com arte de primeira qualidade e participar de uma via de mão dupla histórica: você faz parte da história e a história faz parte da sua vida. Eu não poderia estar mais feliz, realizado e honrado. E, se você for fã, sabe que todas as manhãs a partir de um show que tem “I Saw Her Standing There” serão o começo de uma nova história – história esta iniciada com a contagem “ONE! TWO! THREE! FOUR!”.