Você perde seu emprego, junta as coisas devagar, anda pelo corredor – de cores de hospital e portas iguais – até o elevador. Entra e sente vergonha do que vê no espelho. Joga as coisas no banco de trás do carro e liga o motor. Segue o caminho de quem segue caminhos, de todos presos em suas frustrações, raivas, buzinas e pressas. E sua mente vai longe, em como contar isso em casa, no que fazer amanhã, nas contas, no currículo à atualizar, na vontade de viajar e na chuva que vai cair. Sem saber, está no meio do caminho de outro alguém. Agora note, com surpresa que está vivo. Um airbag salvou sua vida. Você nasceu de novo e está de volta para salvar o universo.
E foi assim. Atropelados por um sucesso astronomico e salvos por um segundo disco com boa aceitação, que aqueles moleques de uma cidade universitária olharam o mundo em volta deles e voltaram… e salvaram. Quinze anos atrás, o Radiohead lançava Ok Computer, talvez o retrato mais direto e visceral sobre a chamada “sociedade ocidental” desde Dark Side of the Moon.
O ano era 1997 e teorias apocalipticas estavam na mídia junto das celebridades, inventadas, que eram modelos de como deveriam ser as pessoas. Tudo tão comum quanto a rotina de sair de casa, enfrentar o trânsito, o ônibus cheio, o metrô lotado para garantir um papel com um número, cuja quantidade te faria uma pessoa melhor. E você poderia trocar por um valor imaginário, alvo das vontades dos yuppies e seus chefes, gerindo o rumo de todos, no poder da tal “sociedade”, que só existe na cabeça das pessoas, como um Grande Irmão de Orwell que nos rege internamente. Até o dia que você teria que pegar suas coisas, seguir seu caminho torcendo para que ou nada ocorra ou que você seja salvo.
E tudo estava lá. O medo das pessoas de se encararem e se julgarem, o medo de ser um fracasso, de não ser feliz como as propagandas mandam, do que a moral diz certo, do que a sociedade diz que você deve fazer para seguir sua vida em paz, trabalhando e tendo filhos e ficando velho e morrendo.
E quinze anos se passam e me vejo aqui, empacotando em caixas depois de um tempão. Com a cabeça perdida no trânsito enquanto dizem para eu ser em forma, mais feliz, sem beber demais, tratando melhor quem trabalha comigo, me alimentando melhor e sendo um melhor e mais paciente motorista. E nada mudou enquanto ouço esse disco, alto, na minha vida calma, me enchendo de monóxido de carbono, esperando que eu sufoque. E que depois disso, tudo esteja no seus exatos lugares. Sem alarmes, sem surpresas.
Meu nome é Daniel Corrêa e, a partir de hoje, sou colunista aqui no Tenho Mais Discos que Amigos! Volto em 15 dias para falar de algum disco ou artista.