Entrevista Exclusiva: Cícero
Um dos grandes representantes da nova safra de ótimos músicos brasileiros surgidos nos últimos anos, o carioca Cícero vem conquistando mais e mais espaço na cena musical tupiniquim desde o lançamento de Canções de Apartamento, seu disco de estreia, no ano passado.
O surgimento e a divulgação do disco aconteceram de forma casual, inusitada. Mas as consequências ainda reverberam na vida pessoal e profissional de Cícero. Claramente influenciado pelos também cariocas do Los Hermanos, o cantor e compositor usa o ano de 2012 para se consolidar e divulgar Canções. Nos últimos meses, o álbum chegou às lojas de todo o país por meio da Deck Disk, mas ainda continua disponível para download gratuito no site oficial do cara (www.cicero.net.br).
Numa longa entrevista, realizada por Anderson Nascimento, Cícero fala sobre o surgimento de Canções de apartamento e revela os próximos passos de sua carreira. Olha só!
Anderson: Queria que você me falasse um pouco da tua história na música.
Cícero: Eu toco violão desde criança, muito por influência do meu pai. No segundo grau (atual ensino médio) eu montei uma banda chamada Alice que durou até a faculdade. No final do curso, a gente queria gravar nosso 3º disco e montar um estúdio nosso, particular, em casa. Eu e o baixista viajamos pra fora do país para trabalhar e comprar os equipamentos para montar o estúdio. Quando nós voltamos, a banda meio que tinha dispersado e acabou. Na mesma época, eu saí da casa dos meus pais e fui morar sozinho e levei os equipamentos para gravar o disco da banda. Eu tinha os equipamentos e o espaço para gravar. Reencontrei um amigo do ensino médio, o Bruno Shultz, que também tinha uma banda que também tinha acabado. Então éramos dois “sem banda” com equipamentos para gravar um disco. Gravamos no apartamento mesmo, registrando as canções no dia a dia e colocamos no Facebook.
Anderson: Muita gente que ouve o Canções de Apartamento faz uma associação automática ao som do Los Hermanos, principalmente o 4 (4º disco da banda carioca). O grupo é uma influência na hora de compor?
Cícero: A influência também é muito por causa do modo como o Los Hermanos levou sua carreira: estar sempre mais focado na sua arte do que na mídia que ela vai gerar. Essa inspiração foi até maior que o som em si. Até porque o som do Los Hermanos tem muita coisa que me influencia também: Caetano, Tom, Os Mutantes, João Gilberto. Mas a influência deles (Los Hermanos) para minha geração e pra mim, como compositor, é muito forte. Los Hermanos foi a banda que ensinou muita gente a ver a música de outro aspecto. É inquestionável a importância deles para a galera que tem 20 e poucos anos hoje em dia.
Anderson: Você abriu um show do Marcelo Camelo em Março, no Circo Voador. O público foi bem receptivo com suas músicas, conhecia grande parte delas. Você acha que os fãs de Los Hermanos consideram seu som uma continuidade ao que a banda fez e parou desde o 4, lançado em 2005?
Cícero: Sim, mas não por uma questão de carência, pela falta do Los Hermanos. Mas porque eu também sou um fã. É natural. Eu tenho dificuldade de me ver como um artista que está se comunicando, me vejo como mais um da galera que está fazendo música. A galera está mais a fim de procurar pessoas que fazem músicas que elas gostam. Ídolo é uma coisa muito distante. A simpatia do público do Los Hermanos vem porque eu faço parte desse público. É uma simpatia quase automática. O show do Circo foi o maior que eu fiz até agora, e foi incrível. Aquela multidão cantando as músicas todas. Essa ficha vai caindo diariamente. O disco é muito novo. O álbum físico só saiu agora. Até então era uma coisa de internet, muito de nicho.
Anderson: Você gravou um disco no seu apartamento, sem muita estrutura e sem o investimento de uma grande gravadora. Como é pra você conseguir toda essa repercussão praticamente sozinho?
Cícero: A internet começa a fazer a nova indústria, uma indústria que não está nas mãos de empresários, de veículos; está nas mãos de cada um. E isso é muito doido. Pois vai pluralizar tudo cada vez mais. Agora as pessoas conhecem música por interesse, não por oferta e demanda. Agora todo mundo pode buscar o que realmente quer ouvir. O Canções tinha minha sinceridade, minha música, mas também tinha toda uma situação propícia. O Facebook foi o grande divulgador do meu disco. É uma rede social bem dinâmica, você não precisa ir ao perfil de ninguém postar nada, as pessoas vão no seu perfil ver. É uma forma de divulgação que eu ainda não tinha visto até hoje, nem na grande mídia nem na alternativa.
Anderson: O Canções é um disco muito introspectivo, tanto nas letras quanto nas melodias. Como foi o processo de composição do disco? O ambiente e o teu momento ajudaram?
Cícero: Eu faço música como um processo terapêutico, é uma espécie de academia, desde os 14 anos, o tempo todo. O meu processo de composição é bem displicente. Mas essa displicência é importante, assim você só fala o que realmente interessa e não o que sua vaidade fica pedindo pra você falar. Na época da gravação do disco, eu realmente tinha acabado de me mudar para um apartamento, estava sem geladeira, sem fogão, 25m², com uma janela que dava para um muro. As canções que eu fazia ficaram impregnadas com essa relação de espaço que eu estava vivendo na época. As músicas acabaram chupando esses sentimentos. Mas não foi uma coisa que eu fiz para ser conceitualmente um disco sobre apartamento, tanto que o nome Canções de Apartamento apareceu depois do disco gravado.
Anderson: Você disse que gosta de Mutantes, Caetano, Tom Jobim. Mas o que você ouve além dos clássicos e de Los Hermanos?
Cícero: Eu sou muito de fases. Atualmente eu tenho ouvido muito Mogwai, muita coisa de indie rock, que eu acho um estilo muito legal. O English Riviera, do Metronomy, eu ouvi bastante. Radiohead, Pixies, Sonic Youth, a galera antiga. Como eu discoteco aqui no Rio de Janeiro e também sou produtor de festas, rola um movimento de pesquisa que é normal. Neste último um ano e meio eu fiquei meio relapso por causa do Canções, o processo de gravar e divulgar o disco. Só agora eu estou voltando.
Anderson: Agora que você assinou com uma gravadora, acha que as coisas vão mudar na sua carreira? Você vai conseguir falar com um público maior?
Cícero: Não sei. É tudo muito recente. Esse é o primeiro ano da minha vida que eu não faço a menor ideia de como vai acabar. Eu vou estar em função da música, com muita gente querendo ouvir ou ninguém querendo ouvir. Se a mídia resolver jogar mais holofote em cima do disco, irado. Mas não é termômetro do que eu vou fazer ou deixar de fazer, porque senão complica, começa a embolar, você começa a fazer música a reboque do resto. O grande lance é conseguir se tornar cada vez mais quem você é.
Anderson: E em 2012 você só pensa em tocar e divulgar o Canções ou já tem repertório para um disco novo?
Cícero: Eu estou fazendo tudo ao mesmo tempo. O Canções saiu agora pela Deck, minha ideia é fazer clipe para todas as canções do disco. A galera consome música pelo YouTube, é uma coisa visual, auditiva, mais uma linguagem. O disco novo vai se mostrar no momento certo, não dá para apressar o processo de fazer música, forçar a barra não necessariamente faz a coisa correr mais rápido. Fui tudo muito rápido com o Canções, eu preciso dar atenção pra ele. Sem muita pressa. Com toda essa informação, internet, o tempo das coisas ficou muito rápido, tão rápido que não dá para acompanhar. Não correr tanto para não fazer a coisa errada.