Soundgarden – King Animal
Quinze anos é tempo demais. Ainda mais os últimos quinze, em que a quantidade de informações divulgadas, publicadas e inventadas pela internet deu a impressão de termos vivido pelo menos o dobro. Foi justamente esse tempo que o Soundgarden ficou inativo. Foi um período maior até do que o tempo que a banda passou em atividade desde a origem, de 1984 a 1997.
Talvez inocentemente, talvez não, Chris Cornell subestimou o poder e o alcance da internet. Em 1º de janeiro de 2010, o vocalista postou uma mensagem no Twitter revelando de forma misteriosa o retorno do fã-clube oficial do Soundgarden, mas a mensagem chegou aos milhares de seguidores do ex-Audioslave de outra forma. A interpretação coletiva foi de que a banda se reuniria naquele ano que começava, e as propostas milionárias para apresentações nos maiores festivais do planeta começaram a surgir imediatamente.
Eis que, quase três anos depois, o Soundgarden não apenas se reuniu como lançou King Animal, o primeiro álbum do grupo desde Down On The Upside (1996). Marcado para sair na próxima terça-feira (13), King Animal foi disponibilizado em streaming no início da semana, e após alguns dias de rips de qualidade questionável circulando por aí, uma boa cópia caiu na rede para apreciação deste que vos escreve.
Já conhecíamos as duas primeiras faixas do disco: o single “Been Away Too Long”, que vai ganhar clipe em breve, e a excelente “Non-State Actor”, com um riff que ecoa os melhores momentos de Badmotorfinger (1991). Ambas abrem o “lado A” de King Animal, marcado pelas canções mais explosivas e acessíveis entre as 13 lançadas.
“By Crooked Steps” já prometia ser um dos destaques de King Animal desde as primeiras prévias divulgadas pelo quarteto, e corresponde a todas as expectativas. Cornell arrasta uma linha melódica que só ele seria capaz de criar por cima de uma levada 5/4 que só Matt Cameron seria capaz de conduzir com tanta naturalidade. O baterista volta a ser o destaque em “A Thousand Days Before”, que poderia muito bem ser hit nas baladas de forró por aí, não fossem as guitarras pesadas e os vocais mais uma vez grandiosos de Cornell.
“Blood On The Valley Floor” mantém o peso, mas diminui o ritmo do álbum, com um andamento um pouco mais arrastado. Novamente Cameron surpreende e mostra que nasceu para tocar ritmos quebrados. Em King Animal, ele soa muito mais à vontade do que em qualquer um dos quatro álbuns que gravou com o Pearl Jam desde que entrou para a banda em 1998.
A sexta faixa do disco é o seu ponto mais alto. O Soundgarden se popularizou pelos riffs sujos em afinação baixa, cobertos pelos agudos sempre impressionantes de Cornell, mas é em baladas como “Bones Of Birds” que o grupo se mostra um dos mais talentosos da “geração Seattle”. A música é ao mesmo tempo sombria e grandiosa, com uma beleza quase depressiva. Só por essa, o retorno já valeu a pena.
“Taree” mantém a marcha lenta do disco, mas não é inspirada como a anterior. Em seguida vem a urgente “Attrition”, a faixa mais curta do álbum, seguida de “Black Saturday”, talvez a canção mais experimental de King Animal. Um verso acústico, acompanhado por uma incrível linha de baixo de Ben Shepherd dá lugar a um refrão inesperado, com um naipe de metais. A música tem espaço até para um breve interlúdio lento, quase macabro, com programações eletrônicas. Causa estranhamento à primeira audição, mas agrada nas seguintes.
“Halfway There” é a música de King Animal que mais se aproxima dos trabalhos solo de Chris Cornell, e “Worse Dreams” começa a fechar o ciclo, soando mais próxima das primeiras faixas do álbum. E enquanto “Eyelid’s Mouth” – recentemente revelada como a primeira composição do quarteto após a reunião – ecoa o Soundgarden clássico, a derradeira “Rowing” soa exatamente como um b-side inédito de Down On The Upside.
Apesar de momentos mais e menos inspirados, King Animal soa como se tivesse sido composto em 1998. Aqui, o Soundgarden não tenta se reinventar ou dar um novo significado à carreira, mas reforça que não voltaram à ativa apenas para celebrar o passado, acomodados com menos dívidas financeiras. King Animal é a evolução natural de onde a banda parou há uma década e meia, e assegura o retorno de um dos últimos pilares do rock n’ roll.
Nota: 8
Deftones – Koi No Yokan
Outro lançamento aguardadíssimo que escapou nesta semana foi Koi No Yokan, o sétimo álbum do Deftones. Trata-se do primeiro lançamento após a surpresa positiva do excelente Diamond Eyes (2010), disco lançado após o acidente que deixou o baixista Chi Cheng em um coma que segue até hoje, e depois de descartarem todas as faixas de Eros, um álbum inédito que nunca saiu dos estúdios. Diamond Eyes foi fruto da frustração, da mágoa e da pressa de manter o Deftones vivo, e surpreendeu justamente por soar com um álbum muito mais pensado, tamanha a qualidade das composições.
Koi No Yokan é Diamond Eyes com anabolizantes. O peso é ainda maior, as guitarras estão ainda mais nervosas, e os momentos etéreos – marca registrada do Deftones – são ainda mais densos e reflexivos, contribuindo muito para a dinâmica do disco. A exemplo do antecessor, Koi No Yokan começa desesperadamente brutal, com a sequência “Swerve City”, “Romantic Dreams” e “Leathers”, o primeiro single do álbum. Em todo o álbum, o vocalista Chino Moreno se destaca pelas belas melodias que compôs, o que fica evidente nessa trinca inicial.
A pancada “Polterhead” começa imediatamente após “Leathers”, e dá lugar à primeira balada de Koi No Yokan, “Entombed”. A capacidade ímpar do Deftones de conseguir escrever faixas bonitas como essa entre outras canções tão raivosas não é nova, mas surpreende mais uma vez no sétimo álbum do quinteto. A faixa seguinte, “Graphic Nature”, se encaixaria bem em White Pony (2000), e deve agradar quem acompanha a banda há mais tempo, enquanto “Tempest” reúne climas atmosféricos e afinações baixas meticulosamente, além de ter o refrão mais memorável do disco.
O quarto final de Koi No Yokan volta a somar as experimentações abstratas do grupo com o metal pesado, desta vez mais parecido com os primeiros álbuns do grupo do que a maioria dos riffs em Diamond Eyes. “Gauze”, “Rosemary” e “Goon Squad” têm momentos tranquilos que soariam quase pacíficos não fosse a violência absurda que explode após cada um deles. A última faixa, “What Happened To You?”, é a mais leve das quatro, e encerra bem o disco com um ótimo arranjo de guitarras e programações costurado pelas belas melodias de Chino.
É interessante ver o Deftones explorar mais a fundo os limites apresentados em Diamond Eyes, e Koi No Yokan soa quase como uma “volta olímpica” para celebrar a boa recepção do álbum passado. Mas sem o efeito surpresa, o choque é menos eficiente. É mais uma adição excelente à discografia do Deftones, mas serve de alerta para o próximo trabalho: é hora de começar a pensar em novos rumos.
Nota: 8,5