Fotos por Livia Arbex
Flávio Flock, baixista e compositor da influente banda Jason – que tem na bagagem 14 anos de história, shows mundo afora, EPs e álbuns lançados – compartilhou com o TMDQA! histórias que envolvem sua vida com a música e, principalmente, com sua coleção de discos.
O artista, que lançou neste ano o EP Obtuso com o Jason, comentou sobre a nova fase e sobre os planos do grupo, que agora conta oficialmente com o guitarrista Rodrigo, e alertou que o resultado das próximas músicas será diferente, provavelmente, “pois pra frente é que se anda”.
Confira!
TMDQA!: Como você começou a colecionar discos?
Flock: Comecei a ouvir e gostar de música ouvindo rádio, vinis e fitas K7 em meados da década de 80. Era um moleque que precisava economizar meu dinheirinho pra comprar discos usados nos sebos ou nas lojas que vendiam LPs com o selo “promocional e invendável” – a preços mais em conta, óbvio. Cada aquisição era uma conquista e assim fui acumulando discos que continuam guardados por puro sentimento, pela simbologia da passagem da pré-adolescência para a vida adulta. Como no filme “Cidadão Kane“, a coleção é uma espécie de “Rosebud” pra mim, hehehe.
TMDQA!: Qual o disco de vinil mais importante da sua coleção?
Flock: Uau, que difícil responder essa… Posso citar alguns que furei de tanto ouvir: Supercarioca, do Picassos Falsos; The Real Thing, do Faith No More; Paul’s Boutique, do Beastie Boys, e Sailing the Seas of Cheese, do Primus.
Outro dia o João Gordo postou uma foto com o Disco Volante, do Mr. Bungle, e fiquei me sentindo um idiota por não tê-lo em vinil. É um dos discos mais importantes da minha vida e adoraria olhar todo dia pr’aquela capa emoldurada numa parede da sala. Aliás, falando em capa, acabo de lembrar da importância do split Jason/Radikalkur, único vinil do Jason, lançado somente na Europa. Fiz a arte desse disco e me orgulho bastante. Nem é jabá, hein, está esgotado 😛
Realmente fico feliz por ter na coleção um vinilzão feito por mim. Trabalho fazendo capas de discos há anos, mas comecei bem no ponto de transição pro CD e não tenho muitos LPs no meu portfólio. Parece que em breve terei essa oportunidade novamente, pois o plano de relançar os primeiros discos do Jason em vinil está quase se concretizando.
TMDQA!: O que você acha da volta dos discos de vinil?
Flock: Acho ótimo, porque o vinil é o suporte/objeto que mais se aproxima da “materialização” da música. Ao desembalar um vinil, escolher o lado e colocá-lo na vitrola você usa mais os outros sentidos, a visão, o tato e até o olfato. Há um verdadeiro ritual pré-audição, não basta apenas apertar um botão de “play”. Acho interessante essa espécie de “contramão” do tempo em que vivemos, de tacar milhares de músicas no celular e ouvir pulando faixas. E os especialistas dizem que o som é melhor, mais “encorpado” que o do CD. Nunca comparei em casa, mas não duvido.
Ainda assim confesso que fui mexer nos meus vinis especialmente por causa desta entrevista (praticamente só ouço música a partir do computador há tempos) e o fato de tocar neles não me fez lembrar apenas que existem ácaros, desencadeou outras memórias, como a vez em que um amigo me emprestou a discografia do Led Zeppelin e passei a madrugada toda ouvindo os discos em sequência, pois precisava devolvê-los no dia seguinte. E também o encontro casual que eu e Vital (do Jason) tivemos com Daminhão Experiênça no Largo da Carioca e nos rendeu ouvir sua história de vida e alguns de seus álbuns de presente. Guardo até hoje.
TMDQA!: Qual foi o seu primeiro disco (vinil/CD)?
Flock: Hummm, há controvérsias, pois memória não é exatamente meu forte. É estranho esquecer se foi Thriller, do Michael Jackson, Creatures of the Night, do Kiss ou Radioatividade, da Blitz, pois são tão distintos, né? Sei que esses foram os 3 primeiros que ganhei. O do Kiss lembro como se fosse hoje… Adorava as “máscaras”, vivia fazendo histórias em quadrinhos com eles e cantava o “Ê, ê, ê, ê, ié!” de “I Love It Loud” duzentas vezes ao dia.
TMDQA!: Que bandas você tem escutado ultimamente?
Flock: Enquanto escrevo estas linhas, fico entre um show do Refused e outro do Secret Chiefs 3 (comprei 2 compactos 7″ deles em recente vinda ao Brasil), mas a maior parte do tempo gosto de clicar nos links postados por pessoas mais ou menos confiáveis e ver qualé. Fico atento aos lançamentos (sempre!) então eu diria que nos últimos dias os discos que mais ouvi foram os novos do Rolo Tomassi, The Evens e Deftones, simplesmente porque são muitíssimo recentes. Mas esse “ultimamente” tem validade curta, enjoo mais rápido de discos do que de amigos.
TMDQA!: Você tem alguma história envolvendo alguma compra ou achado de um disco?
Flock: Fico tentado a inventar uma história heroica, mas vou contar uma banal e verídica sobre um disco que citei como um dos meus primeiros, o Radioatividade, da Blitz: Estava eu, molequinho inocente, por volta dos 10 anos de idade, sentado num canto da sala numa festa “de gente grande” na casa dos meus tios. Estava bem cheia, mas o pessoal dançava de forma moderada. De repente, como num passe de mágica, no refrão “Você não soube amar!” todo mundo começa a pular que nem louco, a sala treme. Fiquei colado na parede pelo susto, mas de alguma forma aquilo mexeu comigo a ponto de eu pedir o compacto com a música no amigo-oculto da escola. Para minha surpresa, ganhei o LP, luxuoso, com um poster gigante que se desdobrava cheio de fotos do grupo. A importância da Blitz na minha vida se resumiu a esse refrão, mas talvez tenha sido aí o momento em que fui possuído pela maldição do rock.
TMDQA!: O que você acha do mercado fonográfico da atualidade?
Flock: Imagine um castelo de cartas no qual os artistas novos são a base e os medalhões-que-só-lançam-DVDs-ao-vivo são o topo. Quanto menos cartas você tem na base, mais o castelo balança, até que um dia…
TMDQA!: Você tem mais discos que amigos?
Flock: Eu tenho até mais dedos que amigos, imagine discos…
TMDQA!: Este ano o Jason lançou o EP Obtuso, com 5 faixas inéditas mais o single de 2011. Vocês gravaram apenas essas novas músicas ou outras também foram registradas?
Flock: Além dessas, nós só gravamos uma música da banda Pastel de Miolos para um CD-tributo, mas não sei dizer quando será lançada. Temos registro de ensaio de algumas músicas que não entraram no Obtuso, mas nenhuma totalmente finalizada, batizada e com letra. Essas talvez até voltem a ser trabalhadas pra um lançamento futuro, mas nem isso posso afirmar, pois estamos começando do zero uma nova safra de músicas com o Rodrigo na guitarra e o que fizemos quando éramos um trio acabou ficando naturalmente em segundo plano.
TMDQA!: Esse é o primeiro registro da banda onde você e Marcelo dividem as guitarras (que por sinal, ficaram ótimas!). Como foi esse processo criativo?
Flock: Quem bom que gostou, fico feliz 🙂 Fizemos essas músicas a partir de jams em estúdio, sempre com o Marcelo na bateria, Vital na voz e eu me revezando entre o baixo e a guitarra. Em seguida, decidimos a estrutura das músicas, geralmente a partir de colagens que o Vital fazia em casa e nos mandava por email. Uma curiosidade é que alguns dos “apelidos” dados por ele a esses arquivos viraram títulos das músicas e me influenciaram na hora de escrever as letras, como “Dramática” e “Confusa“, que tinham apenas melodias vocais naquele momento.
Mais tarde acrescentamos gravações caseiras de baixo e guitarra para definir os arranjos finais, mas as músicas nasceram mesmo gravando o disco, com os timbres que planejamos, letras e tudo mais. Marcelo gravou grande parte das guitarras, inclusive das que eu criei. Gravei alguns trechos mais “soltos” e detalhes aqui e ali.
Bom, agora que voltamos a ser um quarteto, este processo de gravar ensaios está se repetindo, mas a similaridade para por aí – o resultado fatalmente será diferente, pois pra frente é que se anda.
Um beijo e obrigado, foi divertido 😉