Depois do Black Keys, chegou a hora de revisitarmos a discografia de mais uma grande atração do Lollapalooza Brasil 2013, o Pearl Jam.
Eternamente ligado à cena de Seattle que explodiu no início dos anos noventa, ao longo da carreira o Pearl Jam experimentou os dois lados da moeda da popularidade: a idolatria, que tornou o grupo um dos maiores vendedores de álbuns na primeira metade daquela década, e a rejeição, por ter sido considerado por muitos como um “irmão careta” de bandas da mesma geração como o Nirvana e o Soundgarden.
De fato, a “atitude rock n’roll” do grupo de Eddie Vedder sempre foi muito mais subliminar – quando presente – e o quinteto acabou queimado por gravadoras e planejamentos de marketing mais interessadas em vender camisas de flanela do que música. Mas a própria banda percebeu isso, e ao longo dos anos enfrentou um intenso conflito interno, em que tentavam provar para si mesmo e para os outros que podiam ir muito além de “Black”, “Jeremy”, “Even Flow” e “Alive”.
Do experimentalismo de No Code à melancolia inspirada por George W. Bush em Riot Act, vale a pena ficar por dentro da discografia da banda; afinal, eles nunca repetem os setlists, e frequentemente colocam raridades, covers ou b-sides no lugar de hits óbvios.
Ten (1991)
“Porch”
Ten é, de longe, o álbum mais popular da carreira do Pearl Jam. Mas além dos singles óbvios, tocados à exaustão em rádios, TVs, e nos shows do grupo, há uma outra faixa que vale destaque: “Porch”, a oitava no tracklist do disco.
Enquanto a versão oficial de estúdio tem apenas 3 minutos e meio, ao vivo a faixa às vezes ultrapassa os 10 minutos de duração, e com o tempo se transformou em um ponto alto das performances do Pearl Jam. Tudo isso começou ainda em 1991, quando Eddie Vedder escalava andaimes, gruas e estruturas durante o break instrumental, enquanto o guitarrista Mike McCready já explorava todo seu talento, desde solos criados no último instante até citações a Jimi Hendrix e Stevie Ray Vaughan.
E não podemos esquecer, claro, da caótica versão no MTV Unplugged do grupo.
Vs. (1993)
“Rearviewmirror”
Frustrada com a popularidade de Ten e a visão distorcida que muitos fãs tiveram do sucesso do grupo, o Pearl Jam fez de tudo para evitar a massificação de Vs., o segundo álbum do grupo, e não deu entrevistas nem lançou videoclipes. Mas o tiro saiu pela culatra, e logo na semana de lançamento o álbum foi para o primeiro lugar na Billboard, com mais de 900 mil cópias vendidas nos EUA – um recorde na época.
Uma das faixas mais emblemáticas do álbum é a empolgante “Rearviewmirror”. A faixa começa com um riff magrinho e repetitivo, mas cresce de forma impressionante até o final quase punk, com destaque para os vocais épicos – e aqui, menos caricatos – de Vedder.
Vitalogy (1994)
“Not For You”
Vitalogy é um disco importante na carreira do Pearl Jam, porque marca a vitória de Eddie Vedder no duelo contra o guitarrista e fundador do grupo, Stone Gossard, pela liderança da banda. Enquanto Gossard não se incomodava com os flashes e estimulava o sucesso do Pearl Jam, Vedder tentava se distanciar da mídia para manter a credibilidade artística do quinteto. O resultado foi o álbum mais experimental do Pearl Jam até então.
A ideologia de Vedder fica clara em “Not For You”, faixa em que o vocalista deixa claro que a música do Pearl Jam não é feita para executivos de gravadoras ou interesseiros em geral, e sim para os verdadeiros fãs e amigos do grupo.
No Code (1996)
“In My Tree”
Depois que Vitalogy permitiu novos riscos ao Pearl Jam, a banda ousou ainda mais em No Code, disco que foi rejeitado pelo grande mercado e afastou os fãs de fachada que tanto incomodavam Eddie Vedder. No Code é um disco mais cru e contém faixas menos previsíveis e comerciais do que os antecessores, como a acústica “Sometimes”, a urgente “Lukin” e a lindíssima “Present Tense”.
Anos depois de seu lançamento, No Code é considerado um dos melhores álbuns do Pearl Jam, e um ponto alto do quarto disco do grupo é “In My Tree”. Marcada pelos tambores de Jack Irons (Eleven, Red Hot Chili Peppers), que entrou na banda no fim das gravações de Vitalogy, a música conta com ótimos arranjos de guitarra e com uma letra ambígua de Vedder, que usa referências a drogas psicodélicas para falar sobre o tempo e a maturidade que ele oferece.
Yield (1998)
“Brain of J.”
Em Yield, o Pearl Jam deicidiu fazer as pazes com o público, e lançou até um clipe (o primeiro desde Ten), para o single “Do The Evolution”. O apelo comercial é evidente em faixas como “Given To Fly” e “Wishlist”, mas como ainda estamos falando de uma banda liderada por um vocalista que não gosta de facilitar as coisas para as gravadoras, Yield começa com uma das faixas mais furiosas da carreira da banda, “Brain Of J.”.
Usando a teoria da conspiração de que o cérebro do ex-presidente americano John F. Kennedy teria sido roubado após seu assassinato, em 1964, Vedder questiona a influência da mídia sobre a população, e a capacidade de questionamento da mesma. Tudo isso envolto por riffs punks que ecoam influências declaradas do Pearl Jam, como Buzzcocks ou The Dead Boys.
Binaural (2000)
“Of The Girl”
O fim dos anos noventa enterrou de vez o grunge, especialmente com a popularização do new metal e de bandas fracas, classificadas de post-grunge, como Nickelback e Creed. Com isso, mesmo após os esforços de Yield, a popularidade do Pearl Jam não era mais a mesma – além de ser uma das poucas bandas daquela leva de Seattle que ainda sobreviviam.
Por isso tudo, pouca gente deu bola para Binaural, um disco intimista que marcou a entrada do baterista Matt Cameron (Soundgarden). Vedder sofreu um sério “writer’s block” durante a composição do disco – repare na faixa escondida no fim de “Parting Ways”, com sons de uma máquina de escrever – o que motivou contribuições dos outros integrantes na maior parte das músicas. Uma das contribuições de Stone Gossard é a hipnotizante “Of The Girl”.
Riot Act (2002)
“Love Boat Captain”
Em 2000, o Pearl Jam quase acabou após uma tragédia durante show da banda na Dinamarca, onde nove fãs morreram pisoteados. Além disso, o clima nos Estados Unidos pesou com os atentados de 11 de Setembro e a intensificação da ação militar americana no Oriente Médio. Tudo isso se refletiu em Riot Act, o mais triste e obscuro álbum do grupo.
Quase todas as faixas falam sobre perdas, de uma forma ou outra, além da crítica clara e ostensiva de “Bu$hleaguer”. Mas é a terceira faixa, “Love Boat Captain”, que melhor resume o sentimento do grupo em Riot Act, especialmente desde a tragédia em Roskilde. Com citação a “All You Need Is Love”, dos Beatles, e homenagem aos fãs mortos (lost nine friends we’ll never know / two years ago today) é uma das faixas mais bonitas da carreira do Pearl Jam.
Pearl Jam (2006)
“Severed Hand”
Mais distantes da energia pesada de Riot Act e livres da pressão de fazer grandes declarações políticas ou artísticas, o Pearl Jam lançou um álbum com um humor mais leve em 2006, que levou apenas o nome da banda e um abacate desprovido de propósitos na capa. Apesar de não se igualar a trabalhos anteriores, Pearl Jam mostrou a banda em paz com ela mesma, mais confiante, e capaz de escrever boas faixas como “Comatose”, “Come Back”, “Inside Job” e “Severed Hand”, que apareceu em dois shows da última turnê da banda pelo Brasil, em 2011.
Backspacer (2009)
“The Fixer”
Em 2009, o Pearl Jam voltou com Backspacer, um álbum que aprofundava a sonoridade de Pearl Jam ao mesmo tempo em que introduzia a influência do trabalho solo de Vedder na trilha sonora de Into The Wild na banda. Uma das faixas mais emblemáticas do álbum é “The Fixer”, single inspirado pela eleição de Barack Obama que ganhou um clipe dirigido por Cameron Crowe. Ao lado de “Just Breathe”, é o maior sucesso da banda em praticamente uma década.
Faixa Bônus
“State Of Love And Trust”
Mesmo com nove álbuns de estúdio em mais de 20 anos de carreira, o Pearl Jam produziu material suficiente para encher singles, coletâneas de b-sides e relançamentos à exaustão. Uma das músicas mais conhecidas a ficar de fora de todos os álbuns do grupo é “State Of Love and Trust”, lançada originalmente na trilha sonora do filme Singles, de 1992.
Com uma energia própria do período que marcou o lançamento dos dois primeiros álbuns do Pearl Jam, “State Of Love and Trust” extrapolou o status de renegada e se tornou um dos grandes clássicos do Pearl Jam, a ponto de integrar a coletânea de maiores sucessos Rearviewmirror (Greatest Hits 1991 – 2003), lançada em 2004. Além disso, foi a trilha sonora de um dos momentos mais polêmicos da história da banda, quando um Eddie Vedder alcoolizado provocou a expulsão do grupo da festa de lançamento de Singles, transmitida ao vivo pela MTV:
Uma música de cada disco
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