Fotos de Pedro Freitas
Edição de Nathália Pandeló
Quando as luzes se acendem no fim do show, não é Ney Matogrosso que está ali, com um sorriso sem graça e um olhar tímido, sendo ovacionado pelo público. Aquele é Ney de Souza Pereira, o homem por trás dos figurinos e canções. Ney Matogrosso só existe no palco. E é nele que cria noites memoráveis, como a da última sexta-feira (03/05), quando subiu ao palco do Vivo Rio para fazer a estréia da sua nova turnê “Atento aos sinais” no Rio de Janeiro.
Aos 71 anos de idade, sendo 40 deles de carreira, Ney traz um caráter reflexivo ao show. Não que esteja comemorando essas quatro décadas, mas ele deixa bem claro nas canções selecionadas que entende a vida como fruto de suas escolhas e o importante papel do tempo nesse processo. Ney faz isso sem ser memorialista, sempre pensando pra frente, em novos rumos, novos amores, novos tempos. E canta: “Eu sei / o tempo é o meu lugar / O tempo é a minha casa / A casa é onde quero estar“
Lembro de uma entrevista dele no Altas Horas. Quando perguntado se o tempo o afetava, ao menos pelas mudanças que causa na voz, Ney respondeu que ganhou um grave para seu clássico agudo”. É esse o tom que leva no auge, tomando o teatro na abertura do show com “Rua da Passagem”, do Lenine e Arnaldo Antunes, num arranjo explosivo até uma crua versão de “Vida Louca Vida”, com fotos do Ney ainda no Secos e Molhados exibidas no telão no fundo do palco, deixando a mensagem do espetáculo bem clara para o público que lotava a casa.
Cantando amores dramáticos como o de “Freguês da Meia-Noite”, do rapper Criolo ou do amor que o trocou por um Blackberry do divertido samba da banda Tono, Ney fecha o espetáculo – após muitas trocas de figurino, danças e provocações impressionantes para um senhor da idade dele – com uma catarse. De volta ao palco para o bis com “Amor”, do primeiro disco do Secos e Molhados, começa uma nuvem de bolhas de sabão a descer pelo teatro enquanto ele entoa, na beira do palco a delicada (e lindíssima) “Astronauta Lírico”, de Vitor Ramil.
No meio da música, o público já estava de pé, pronto para explodir em aplausos. Ney Matogrosso é fruto do palco, se alimenta de aplausos. Ele agradece e sai. Minutos depois volta, sem seu figurino de show, com uma camisa branca e o olhar tímido e emocionado com os aplausos para cantar uma canção fora do repertório: “Poema”, de Cazuza e Frejat.
Sem precisar de muitas palavras além das letras das canções e de sua voz, Ney fala mais alto que boa parte da classe artística nacional no que diz respeito a um show. Além da banda afiadíssima, “Atento aos Sinais” é um espetáculo de iluminação e direção de palco, duas das profissões que Ney tem no seu currículo.
Toda a vida do cantor envolve o palco. E é nele que você deve vê-lo. Se ele passar por sua cidade, não perca. É um artista se recriando a cada vez que as luzes pousam sobre ele, como se fosse a coisa mais natural do mundo.