Em 2001, quando o mundo estava chocado com os ataques de 11 de setembro, uma infeliz coincidência marcaria para sempre a carreira do Explosions In The Sky. Uma semana antes dos atentados o quarteto lançou Those Who Tell the Truth Shall Die, Those Who Tell the Truth Shall Live Forever, segundo álbum do grupo. Na capa do disco, um avião ilumina um anjo sobre o que parece ser um exército, e na arte interna, o mesmo avião reaparece, agora ao lado da frase profética “This Plane Will Crash Tomorrow” [“Este avião vai bater amanhã”]. Para piorar a situação, na mesma época o EITS estava em turnê pela costa leste americana com outra banda de nome suspeito, a …And You Will Know Us By The Trail of Dead.
Claro, tudo era mero acaso. Mas histórias fantásticas assim, dignas de boatos inventados por autores de almanaques sobre ídolos do rock, ganham credibilidade quando se trata do Explosions In The Sky – poucos grupos protagonizariam, mesmo sem querer, tamanho delírio de forma tão eficiente. “Fantástica”, aliás, é um adjetivo perfeito para ilustrar a banda, tanto pela excentricidade musical quanto pelas paisagens imaginárias e elocubrações provocadas pela música produzida pelos texanos.
O Explosions In The Sky era um dos headliners confirmados para o Sónar São Paulo deste ano, previsto para este último fim de semana de maio. O festival foi cancelado, mas o interesse dos fãs brasileiros pela banda foi suficiente para despertar o interesse da rede SESC, que trouxe o grupo para duas apresentações em São Paulo, e do Queremos, iniciativa de crowdfunding que fechou um show no Rio de Janeiro.
A ansiedade pelo segundo show na capital paulista, realizado nessa quinta-feira (23), era grande. As avaliações do primeiro show foram excepcionais, e o setlist parecia promissor. Às 21h30 em ponto o grupo foi anunciado, e com um português surpreendentemente bom, o guitarrista Munaf Rayani recepcionou o público. “Nós somos o Explosões no… no…”, esqueceu, desconcertado. “Céu!”, respondeu a audiência, refrescando a memória do guitarrista.
A banda começou o show da melhor maneira possível, com “First Breath After Coma”, curiosamente a primeira música de The Earth Is Not a Cold Dead Place (2003), e tema da coluna Faixa Um publicada no dia do show. Como pude experimentar enquanto escrevia a coluna, é muito difícil escrever sobre o Explosions In The Sky sem abusar de expressões previsíveis e clichês jornalísticos como “épico” ou “paisagens imaginárias” que usei dois parágrafos acima. Mas dos clichês, o melhor para descrever uma apresentação ao vivo do Explosions In The Sky é “hipnotizante” – pois ao fim de “First Breath After Coma”, o público que esgotou os ingressos para a apresentação estava tão boquiaberto que perdeu a deixa para palmas ao fim da música, emendada com “Catastrophe and the Cure”.
Além de Rayani, a banda também conta com Mark Smith (guitarra), Michael James (guitarra e baixo), Chris Hrasky (bateria) e o multi-instrumentista Carlos Torres, que não faz parte da formação oficial. Os cinco também pareciam em transe em diversos momentos do show, e se balançavam de olhos fechados em movimentos que pareciam em câmera lenta, embalados pela delicadeza de “Memorial” ou pelo surto de energia no fim da encantadora “Postcard from 1952”, de Take Care, Take Care, Take Care, álbum mais recente do grupo.
Quando ouvidas separadamente, a maioria das músicas do Explosions In The Sky parece ter uma estrutura previsível, com um início sutil e um fim grandioso. Em estúdio, essa estrutura nem sempre favorece o andamento dos álbuns, mas ao vivo, com pequenos sons, samples, ou efeitos barulhentos de guitarra entre as canções, o repertório flui ininterruptamente, o que facilita e intensifica a imersão dos espectadores. Foi assim na trinca “The Birth and Death of the Day”, “Your Hand In Mine” e “Greet Death”, praticamente uma única música com quase meia hora de duração.
A esta altura muitos fãs enxugavam as lágrimas, entre os momentos em que admiravam a presença de palco às-vezes-discreta-às-vezes-descontrolada de um dos cinco, que chegavam a balbuciar palavras indecifráveis enquanto mergulhavam nas melodias criadas por eles mesmos. “Let Me Back In”, última faixa de Take Care, Take Care, Take Care, também ganhou força ao vivo e poderia encerrar bem o show. Mas faltava algo, a catarse derradeira: “The Only Moment We Were Alone”.
Também presente em The Earth Is Not a Cold Dead Place, “The Only Moment We Were Alone” é uma grande epopeia com quase 11 minutos de duração, e que ao vivo se torna colossal. Como quem evoca a atenção do público, Musaf Rayani levanta a guitarra para o alto, e golpeia o instrumento para reproduzir as fortes batidas que ouvimos no início da canção. Durante boa parte da faixa, Rayani e Smith permanecem agachados, respeitando a intimidade da música, enquanto Michael James deixa-se levar pelo bumbo marcado de Hrasky. Mas isso só dura até o estouro final em que todos – público e banda – se contorcem em uníssono, levados pela alegoria de sons indistinguíveis.
Era o fim perfeito para uma noite “fantástica”, em que o Explosions In The Sky transformou os “delírios” e “paisagens imaginárias” em realidade.
Setlist:
1. First Breath After Coma
2. Catastrophe and the Cure
3. Memorial
4. Postcard from 1952
5. The Birth and Death of the Day
6. Your Hand in Mine
7. Greet Death
8. Let Me Back In
9. The Only Moment We Were Alone