Texto: Daniel Corrêa e Nathália Pandeló
Fotos: Nathália Pandeló
Sentado no meio do palco, em uma plataforma, estão Gilberto Gil e seu violão. Seu cabelos brancos e a voz mais enfraquecida mostram que ele, aos 70 anos, não consegue esconder que o tempo, aquele rei, vai pesando nas mãos.
São elas que batem ritmadas na madeira, dando o andamento para a voz de Gil ecoar por um Vivo Rio lotado: “não tenho medo da morte / mas medo de morrer, sim / a morte e depois de mim / mas quem vai morrer sou eu / o derradeiro ato meu / e eu terei de estar presente / assim como um presidente / dando posse ao sucessor / terei que morrer vivendo / sabendo que já me vou”.
A consciência do tempo e a vontade de colocar a vida em primeiro plano são marcas da carreira do cantor e compositor desde o começo dos anos 60 – mas parece mais forte e importante na tour “Concerto de Cordas e Máquinas de Ritmo”, que passou por algumas cidades e que foi editada em um lindo CD, DVD e Blu-Ray.
Acompanhado nesse show pela Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA), pelos virtuosos Nicolas Krassik e Jaques Morelenbaum, por timbres bem sacados de violão e guitarra do seu filho Bem Gil e por uma cozinha fenomenal formada por sons eletrônicos e programações de Eduardo Manso e de uma percussão espetacular de Gustavo di Dalva, Gil passeia sorridente com seu violão por músicas que refletem todos os múltiplos estilos que sua obra assume.
Estão ali a influência da música de Luiz Gonzaga e a de Jimi Hendrix, o tempo da prisão e o do exílio, a juventude e a velhice. Tudo isso ganha novos arranjos sob a regência ora de Morelenbaum, ora do jovem maestro Carlos Prazeres, trazendo novo fôlego para canções já de peso – entre elas “Domingo no Parque”, “Oriente” e “Andar com fé”. Curiosamente, é o sopro dos metais, tão marcantes na obra do cantor, que dá lugar ao peso das cordas do berimbau à guitarra, passando pelos contrabaixo acústicos e cellos da orquestra.
Em uma ousada releitura da própria obra, Gil vai além: revisita, reinterpreta e atribui novos significados a um repertório que remete à Tropicália, à sua amada Bahia e à universalidade de uma discografia de linguagens tão múltiplas quanto as representadas nos versos de “La renaissance africaine”, “Tres palabras” e “Up from the skies”.
A humildade expressa até nos trajes simples e no chinelo que o cantor faz questão de usar é o reflexo de um artista que está disposto a se reinventar, seja na tradição dos violinos ou nas intervenções rítimicas do pad eletrônico. As canções parecem ganhar forma no palco do modo como surgem na mente de Gil, o que faz dessa a mais interessante de todas as recentes turnês comemorativas ou memorialistas. Gilberto Gil é pop e regional. Veio da Bahia, mas é universal.
O roteiro do show é o mesmo do registrado com competência pelo diretor Andrucha Waddington no DVD, então indico você comprar uma pipoca, separar uma tela bem grande e cantar “Estrela” para a pessoa amada se não puder correr atrás desse show.
Se puder, corra. Antes que o Expresso 2222 parta de Bonsucesso para depois…