Resenha: Faroeste Caboclo

Dirigido pelo estreante <strong>René Sampaio</strong>, adaptação desconstrói a canção e cria independência sem grandes louvores à sua fonte

Resenha: Faroeste Caboclo

Quando Renato Russo escreveu “Faroeste Caboclo” (1979), um dos maiores hinos da Legião Urbana e também do rock brasileiro, uma de suas intenções era transportar a canção para o cinema. Tanto é verdade que chegou a rascunhar a trama em formato de roteiro. Em seu ambicioso projeto estava inclusa ainda a direção cinematográfica, claro. Apesar de não ter acontecido, talvez Renato tenha imaginado que se ele não fizesse alguém o faria.

Essa difícil missão caiu nas mãos do estreante brasiliense René Sampaio. Difícil por se tratar de um gênero pouco abordado na cinematografia brasileira e também pela responsabilidade de transportar para o cinema uma canção que faz parte do imaginário coletivo dos brasileiros há tanto tempo.

Publicidade
Publicidade

Por mais que se trate de um filme policial, ainda assim é incomum às nossas telonas, já que não há como negar um lado revisitado do chamado western spaghetti. O espectador mais atento consegue resgatar certa influência a lá Sergio Leoni (Era Uma Vez No Oeste, 68) nos momentos de tiroteio, quando as lentes de René enquadram imagens ora no plano geral, ora em close nos olhares raivosos de João de Santo Cristo (Fabrício Bolívar) e seu rival Jeremias (Felipe Abib).

Apesar de já sabermos o final da trama, as nuances que o drama de Santo Cristo e Maria Lúcia (Ísis Valverde) vão tomando no decorrer do filme nos deixam com uma pulga atrás da orelha. Renato Russo costurou essa história calcada numa sociedade atolada de preconceito racial e envolta a tantas disparidades sociais, que, ao assistir a obra, concluímos que as mesmas denúncias proclamadas por Russo nos anos 1980 ainda são pertinentes.

Um dos pontos mais altos do longa foi a liberdade tomada por René em tirar o nosso herói do pedestal divino que a canção o coloca. O povo não o “declara santo por saber morrer” e a alta burguesia da cidade nem sabe que ele existe, eles sequer o “viram na TV”. Após passar por todos os infernos e vias-crúcis possíveis, que envolvem de espancamentos a estupro, inclusive, mostrados de maneira seca e violenta, o ódio de João passa a ser nosso ódio também.

De todos os acertos, o mais percebido e nem por isso mais importante. Quem acha que vai escutar “Faroeste Caboclo” ou as músicas da Legião Urbana o filme todo está redondamente enganado. Até por que a obra audiovisual surpreende por criar vida própria, evitando curvar-se de maneira excessiva a sua fonte. Apenas em dois momentos o rock de Brasília está presente: durante duas festas, uma com apresentação do Aborto Elétrico, tocando “Tédio (com um T grande pra você)”, e outra com “Até Quando Esperar”, da Plebe Rude. A trilha sonora, de modo geral, fica entre o rock nacional e a disco/punk oitentista como “Dancing With Myself”, do icônico Billy Idol com a Generation X.

Os quesitos técnicos também ajudam a sustentar a proposta do filme, principalmente a ótima fotografia de Gustavo Habda, que pula do sertão seco e quente da infância de João às danceterias cheias de neon em Brasilia, além de imagens poderosas que contrastam o sangue vermelho dos personagens em batalha com o marrom árido do cerrado. Vale citar também os momentos em que o pó branco de cocaína surge, sempre em exagero, mostrando o desespero de Jeremias que, apesar de parecer vencedor, não suporta a derrota amorosa por um negro pobre “pé rapado”.

Todas as liberdades tomadas na direção merecem atenção por terem sido assertivas e são inteiramente justificáveis, até mesmo a despolitização da obra, que dispensa qualquer relação com a ditadura e faz de “Faroeste Caboclo” um filme atual, apenas, sem pretensões de ser vanguardista ou com intuitos de transgredir a cinematografia brasileira.

Sair da versão mobile