Fotos e Edição: Nathália Pandeló
Já devo ter citado isso aqui em algum outro texto, mas repito: meu escritor favorito é o argentino Júlio Cortázar. Ele tem um texto de sua crítica onde cria um universo fantástico em volta de um show de Thelonius Monk em Paris. Segundo ele, o teatro girava em torno do piano de Monk. Desde que li esse texto só consigo ver o jazz desse modo: algo fora da realidade, que cria imagens impressionantes através de sentimentos.
No último sábado estive com minha namorada/fotógrafa na abertura do conceituado BMW Jazz Festival, aqui no Rio, com a espectativa de ver imagens fantásticas como as de Cortázar.
O primeiro show da noite foi do quarteto James Farm, que traz uma das marcas registradas do festival, um jazz fora dos padrões clássicos que foi apelidado de “moderno” ou “contemporâneo” ou outro termo qualquer. O modo como a banda leva seu som é surpreendente em vários pontos. A bateria – formada por duas caixas e dois bumbos – cria uma cozinha com o piano, com visíveis influências clássicas. O baixo acústico preenche as brechas sonoras deixando o sax livre para voar, como uma voz ecoando pelo teatro.
Ecoando de um modo que não existe no seu registro em áudio, que havia deixado as expectativas bem baixas pelo show da banda e se transformando em uma catarse coletiva, que fazia sumir todas as pessoas, garçons, mesas e gerava um silêncio quase de um teatro vazio, como se todos parassem de respirar enquanto aqueles instrumentos cuspiam alma para fora.
Minha namorada disse que quase podia ver as notas musicais saindo dos instrumentos e enchendo o teatro, de tão sensível que era a parede sonora imposta principalmente pelo saxofonista Joshua Redman e pelo fantástico baterista Eric Harland. Eu via essas notas voando, como bolhas de sabão, hipnotizando a todos, que da beira de suas cadeiras saltaram para uma sonora salva de palmas ao fim do show.
E foi nesse clima de hipnose que um rádio tomou conta do palco. A “Radio Music Society” de Esperanza Spalding trouxe uma vida que vi pouquíssimas vezes ao vivo. Baseada no belo disco de mesmo nome lançado no ano passado, o show recria o ambiente de uma rádio em fim de noite, com ouvintes com problemas sentimentais e músicas para ouvir enquanto dirige. E as canções – mesmo as mais tristes – vêm recheadas com um sentimento bom de esperança, de carinho. Como se houvesse uma estrada aberta onde se pode correr mais e colocar um som bem alto, onde ecoa a voz moldada pelo sorriso aberto de Esperanza ou por sua habilidade como baixista, fazendo tremer a casa.
Com um repertório redondinho e uma banda afiada (com direito a um jogo de oito metais no palco), Esperanza corre por essa estrada com uma tranquilidade impressionante, como se conhecesse cada espaço e nuance de sua música. Ela é uma daquelas pessoas que visivelmente fazem o que amam e por isso trazem uma competência fora do comum. É uma artista para se assistir de perto.
Na verdade, jazz é para ser visto ao vivo. E abraçado à pessoa amada, tentando decifrar as sensações que passam por ali.