Debate sobre produção, mídia e crítica musical
Carlos Miranda, Pablo Miyazawa e Lúcio Ribeiro
Pra discutir a nova música brasileira e os rumos que a produção musical tem tomado, o Festival Pulsa a Nova Música recebeu três nomes que ajudaram de uma forma ou de outra a construir o que temos por aí em termos de música: Carlos Miranda, produtor musical responsável pelos selos Banguela Records e Excelente e pelo lançamento / produção de gente como Raimundos, Skank, Cansei de ser Sexy e Móveis Coloniais de Acaju, entre outros; Pablo Miyazawa, editor-chefe da edição brasileira da revista Rolling Stone e Lúcio Ribeiro jornalista de cultura que edita o Popload no UOL e escreve para o “Ilustrada” da Folha de S. Paulo.
Christian Camilo, produtor e editor do Onde Pulsa a Nova Música apresentou os convidados e introduziu o tema do debate. Para ele, a valorização da nova música depende de como ela vai ser recebida. É necessário termos novas bandas com novas propostas musicais, mas também precisamos de novos fotógrafos, novos jornalistas, novos sites e novos meios de interagir com essas novas bandas.
Citando os movimentos que criaram ritmos como o funk e o sertanejo universitário, Miranda abriu o debate com uma constatação: O nosso século trouxe essa grande democratização da música, a facilidade de compor, de criar, de entender, de descobrir, de distribuir. E aquele filtro que antes era das gravadoras, das rádios, passou a ser do próprio artista.
A discussão também chegou aos termos do que o artista precisa para distribuir sua música, além da própria força de vontade. Neste ponto, Miranda sentencia: Nós temos uma deficiência muito grande que merece ser discutida, que é o que tem em volta da criação e da distribuição da música. O empresário, o agente, a aparelhagem de som, lugar pra tocar, fotógrafo, repórter, lugar pra publicar, tudo tá faltando. A gente deve lutar muito também para criar iniciativas que ajudem a criar esses entornos para a música ter mais pernas se sustentar.
Miranda também falou sobre o que é produzir música para ele. Produtor musical não tem parâmetro e a mesma pessoa pode trabalhar de formas diferentes, dependendo de cada caso. Eu nunca tenho um padrão de trabalho, o que eu tento fazer é olhar o artista e ver como que eu posso tirar o melhor dele. Às vezes pode ser provocando, pode ser colaborando, o que eu sempre tento fazer é expandir o universo musical deles (artistas), para dar um arsenal de conhecimento maior pra quando ele for compor.
Para exemplificar esse processo, Miranda contou histórias da produção de dois discos dos Raimundos. Segundo ele, o produtor também tem que ter a sensibilidade de saber o quanto ele tem que ser presente num disco ou ficar ausente. O Raimundos por exemplo, o primeiro disco, eu encostei muito pouco no som. Eu pensei, “ah, essa banda tá muito do jeito que eles têm que ser… eu só tenho que permitir que eles soem nojentos como eles são”. Já no “Só no Forevis”, a mesma banda alguns anos depois, pelo contrário: eu formatei as canções deles pra fazer sucesso porque o Tom Capone me ligou e falou: “Miranda, o Raimundos com o Lapadas do Povo caiu muito as vendas, eles tão muito pesados e perderam a mão original. Eu quero que você renove eles, busque o que tinha do início, mantenha o que tem agora e traga algo novo”. Aí eu fui lá, formatei isso e a gente chegou num disco que vendeu 700 mil cópias.
Já falando sobre critica musical, chegou a vez de Pablo Miyazawa contar bastidores das edições da Rolling Stone. O jornalista, que está na edição brasileira da revista desde a primeira edição, explicou como se definem as bandas que ganham destaque na revista. A gente faz uma revista que já existe há 47 anos lá fora, então a gente pega certos padrões da revista e transforma eles aqui. Para muito leitor, a gente sabe que o Guia (página da revista que indica novas bandas, dando notas de 1 a 5 estrelas para os trabalhos) é muito mais importante do que é pra gente. Se você olhar no pé da página você vai ver que as estrelinhas são avaliações dos editores da revista, não exatamente de quem escreveu a resenha. O autor da resenha dá uma sugestão de quantas estrelas ele acha que deve ter o trabalho, mas a decisão final é do editor. A gente avalia o todo que tem na revista naquela edição. Eu não valorizo aquilo do jeito que acho que isso tem valor para o leitor porque eu acho que é muito difícil avaliar uma banda pela avaliação de um disco apenas.
Miyazawa também explicou como seleciona as bandas que vão ser analisadas pelos críticos da revista. A gente tem uma postura muito diferente da Bizz por exemplo, que ficou conhecida como a revista que tinha os críticos para descer o cacete nas bandas. A gente tem como objetivo analisar todo tipo de música sob o ponto de vista de que toda música é válida. É importante o bastante? Vamos dar! Quem é a melhor pessoa pra escrever sobre isso? Eu não vou passar o disco novo da Adriana Calcanhoto pro meu especialista em Megadeth. Às vezes a gente faz umas trocas desse tipo para ver o que acontece, porque de vez em quando você tem um crítico indie que fala mal de alguma banda porque está com algum problema pessoal com ela. Hoje em dia todos os críticos conhecem as bandas, completou.
Para falar da importância que a crítica tem hoje em dia, Miranda citou a rapidez com que surgem novas bandas e como se reage a tudo isso. Antigamente era uma raridade encontrar alguém que tinha um disco novo do Frank Zappa ou de qualquer outra banda. O acesso à novidade era muito mais difícil e a galera se guiava pelo que o crítico da revista dizia. Hoje tanto faz o que o crítico fala, porque você tem acesso àquilo ao mesmo tempo que ele. Quem é o formador de opinião hoje, sem ser o Lúcio Ribeiro? É o amigo. Vocês que fazem blog, vocês também são únicos. Algumas pessoas vão se pautar por vocês, vão se pautar pelo Lúcio.
Lúcio Ribeiro entrou no debate para falar sobre a dificuldade que se tem hoje em dia em se escrever uma crítica. Eu tenho sérias dificuldades em escrever uma crítica. No meu blog eu não faço isso há muito tempo, exatamente por isso que o Miranda falou. Porque eu tô fazendo isso se você recebe a música de uma outra maneira? Na minha época, você pegava a Folha de S. Paulo, a Ilustrada e o crítico falando alguma coisa, você lia e se apaixonava pelo texto dele, pela banda do texto dele, mas você só ia ouvir aquela banda daqui a dois meses quando alguém fosse pra fora e trouxesse o disco. Talvez aí a crítica fosse muito importante, a quantidade de estrelas que te fizesse falar “porra, o cara deu 5 estrelas, eu preciso ouvir isso” ou “não preciso ouvir isso”, e você vai se habituando com os críticos que você gosta. Hoje em dia, pra falar do meu blog, eu boto as coisas que eu gosto. O que eu não gosto, eu não boto lá. Eu não tenho tempo pra ficar metendo o pau em alguma coisa, porque às vezes eu não entendi, ou às vezes eu não gosto, não gosto, não gosto, aí eu gosto e boto, porque eu demorei, porque esse é o meu gosto, blog é pessoal. Meu blog tem meu nome mas eu tenho uma antena de moleques. É o meu vizinho, ou o cara que nunca teve uma formação de jornalismo mas que eu ouço de uma maneira tão importante como eu ouço um crítico falando.
Finalizando sua fala, Lúcio explicou: Hoje não existe mais crítica musical, existe curadoria. E esse curador é tanto um jornalista de música de 25 anos de carreira como aquela moleque da sua rua. Como aquele seu amigo que curte tal coisa e gosta e você fala, “po, eu gosto das coisas que ele gosta”. Então, esse cara é o curador. Porque é tanta informação hoje em dia, é tanto acesso, é tanta banda, tanta música, tantas cenas, que você vê que tá perdido. Precisa ter alguém e eu acho que talvez eu faça um pouco esse papel, que vá lá na cena de Portland, pegue duas bandas e fale. E sempre tentando contar uma história, da banda, da cena em si, e nunca falar algo do tipo “ah, é legal porque a primeira faixa lembra Black Sabbath ou cai no lirismo dos Smiths e por isso é três estrelas”, porque você precisa viver a música, sem ficar enchendo a resenha de comparação.