Entrevistas

Entrevista: Everson Dias (produtor e engenheiro de áudio)

Vencedor de dois Grammys Latinos, Everson Dias comentou sobre produção musical, sonoridade do vinil e música na internet. Leia!

Everson Dias é um renomado produtor e engenheiro de áudio do Rio de Janeiro e que possui nada menos que dois Grammys Latinos para comprovar seu profissionalismo.

Em seu portfólio, constam trabalhos com bandas e artistas como Marisa MonteIvan Lins, Kid Abelha Biquini Cavadão, além de diversas participações em trilhas de novelas globais e em produções como a da música “O Poeta Está Vivo”, para o festival Rock in Rio 2013.

Publicidade
Publicidade

Na entrevista exclusiva concedida ao Tenho Mais Discos Que Amigos!, o proprietário do Eversongs Studio compartilhou fatos curiosos da cena musical brasileira, falou o que pensa sobre música na internet, explicou os processos da produção de músicas e de jingles, e comentou sobre a diferença do som do vinil para o de CD/versão digital.

Confira!

TMDQA!: Você me contou que sua paixão pela música começou com os Beatles, uma banda pela qual você tem muito carinho. Você pode compartilhar a história com o TMDQA! também?

Everson: Foi em 1965, eu tinha 10 anos. Meus pais trabalhavam em um parque de diversões e morávamos em uma casa nos fundos do parque. O parque tinha acabado de ser montado, e ia ser feito o teste com o som. Todo parque tinha uma cabine, onde durante todo o funcionamento, tocava músicas, e tinha um locutor oferecendo músicas e fazendo propaganda local. Era de tarde, e minha mãe disse: “Eles vão testar o som. Vai lá pra ver”. Quando eu estava entrando no parque, começou a tocar “Help!“. Tocou aquela parte instrumental (do James Bond) e em seguida “Help!”. Fiquei assim, meio abobalhado, ouvindo a música e, desde então, não fiz mais nada na minha vida, que não fosse ligado à música.

Tem algum momento engraçado/curioso que rolou durante alguma gravação/produção ou em show, que pudesse falar para nós?

Em 1978, eu trabalhava na produção musical da gravadora Continental (que depois foi comprada pela Warner). O Paulinho Albuquerque, na época, fazia a produção dos shows do Ivan Lins. Certa vez ele me perguntou: “Everson, você trabalha com som, né?”, eu falei: “Claro!”. Então ele me contou a seguinte história: “O Rogério Costa, irmão da Elis Regina, é quem faz o som do show do Ivan. Mas ele vai ter que ir pra São Paulo porque a Elis vai começar a fazer shows, e ele é o técnico dela também. Então eu pensei se você não poderia fazer o som do Ivan. Não precisa mexer em nada. Tá tudo pronto. É só ligar o equipamento e testar os microfones. Mas o Ivan não pode saber que o Rogério foi embora pra São Paulo”. Eu falei: “Ok!”. Durante um mês, eu segui a regra. Ligava e testava o som. No segundo mês, o Ivan falou: “Everson, eu sei que você gosta muito do meu trabalho. Mas vir ao show o mês inteiro é maluquice”. Então eu tive que confessar: “Ivan, sou eu quem faz o som do seu show”. Ele ficou me olhando espantado, sem entender nada.

Você gravou a primeira demo do Kid Abelha. O que significa isso para você, tendo em vista que a banda recentemente comemorou 30 anos de história e sucesso?

Gravei também a demo da Marina Lima, do Biquini Cavadão, do Sempre Livre e, não tenho muita certeza, mas acho que fiz a primeira gravação da Marisa Monte, quando ela voltou da Itália em 1987.
Quando o Kid gravou a segunda demo (foram duas mesmo), eu disse ao Leoni, que ia tentar ajudar de alguma forma. E fiz o seguinte: Levei uma cópia na Som Livre, e ouvi com o Max Pierre (que na época era o diretor musical). Max gostou muito. Mas falou que a Som Livre só tinha a Xuxa no cast e que seria muito difícil uma contratação de um grupo novo. Então falei com o Mayrton, que era o diretor musical da Odeon. Ele, na época, tava produzindo um disco com o Dalto. E pediu pra eu deixar a cópia com ele, que ele ouviria depois de gravar o Dalto (nunca ouviu). Depois levei ao João Augusto, na Polygram. Ele de cara falou: com esse nome (Kid Abelha e os Abóboras Selvagens), vai ser muito difícil conseguir alguma coisa. Enfim, tentei tudo que estava ao meu alcance.
Então, o Leoni cedeu o fonograma pra um pau de sebo da Warner chamado Rock Voador. O disco foi feito em parceria com o Circo Voador e a Rádio Fluminense. Da turma toda, apenas o Kid teve uma carreira vitoriosa (30 anos). É muito legal ver uma coisa que começou assustada, tomar o vulto que tomou.

E os Grammys? Como você soube que foi indicado e qual foi sua reação ao ganhá-los?

Certa vez, recebi o telefonema de alguém ligado ao Grammy aqui no Brasil. Estavam procurando o Val Martins, que era integrante da Banda Yahoo, sócio e engenheiro de áudio do estúdio. Ele havia ganhado o prêmio pela mixagem do disco Xuxa Só Para Baixinhos II em 2002, e eles estavam com dificuldades em achá-lo pra enviar uma correspondência. Eu disse que eles poderiam enviar para o meu endereço, que eu entregaria a ele.
Quando recebi o convite em nome dele, vi que meu nome constava na lista. Fiquei curioso e, liguei perguntando por que meu nome constava na lista. O cara falou: “É porque você é um dos ganhadores do Grammy”. Enfim, eu gravei e o Val mixou. Ganhei novamente pelo Xuxa Só Para Baixinhos III, em 2003.

O que você acha da cena musical atual?

Tem algumas coisas boas. Mas com o advento da internet, tudo de ruim ficou mais acessível. Gosto de pouca coisa.

Você havia me falado que uma frase bem interessante e verdadeira: “Com a internet e os recursos de hoje, o underground é só um rótulo”. Qual é a sua opinião sobre a música na internet?

Como disse antes: Tudo de ruim ficou mais acessível. Hoje, com a ajuda do computador e dos programas de música, praticamente qualquer um canta e faz música.

Como se dá o início de trabalho com uma banda/artista? Eles te procuram normalmente ou você vai atrás das bandas/artistas para produzi-los?

Hoje é mais difícil investir em novos artista. Depois do fim dos grandes estúdios e das mordomias das gravadoras, ficou difícil vender música. Hoje não me comprometo mais além da produção das músicas.

Em linhas gerais, o que é feito nas etapas de produção de um álbum?

Pré-produção, produção, pós-produção, mixagem, masterização, finalização…
Como produtor, tenho uma regra básica:
Repertório (uma das fase complicadas);
Escolha do tom das músicas;
Demos/Arranjos/loops;
Gravação de base (bateria, baixo e voz guia);
Guitarras/violões e solos;
Teclados/solos;
Vocal/voz;
Afinações/edições;
Mixagem;
Masterização.

Até que ponto você defende seu ponto de vista em determinada produção e até que ponto a vontade do artista é acatada na realização do trabalho?

O meu ponto de vista já é defendido na primeira reunião de produção. Quando alguém me procura, já tem meu histórico. Mas tudo é discutido.

Em seu currículo constam alguns artistas da música gospel. Como é o trabalho com músicos desse meio? E o que difere da produção de seus trabalhos para a produção de músicos de outros estilos? Ouvi dizer que a gravação dos vocais normalmente é feita ao vivo em uma igreja ou evento para que seja captada a emoção e espiritualidade das letras. Isso é verdade?

Não é uma regra gravar vocais ao vivo. A música gospel evoluiu muito nos últimos anos. Sempre uso músicos cristãos nas produções de música gospel. Hoje, não existe termo de comparação entre o músico gospel e o secular. São todos excelentes.

Sobre a produção de jingles, spots e trilhas, como é que funciona o processo desse tipo de trabalho?

A produção e criação de música original pra publicidade é completamente diferente da música dos discos. Com a trilha ou o jingle, você tem 30 segundos, ou um minuto, pra contar uma história. Então, a intenção musical é outra. Acorde diferentes e etc. Tem espaço (clima) diferente pra entrada da locução. Muitas vezes você tem que criar em cima do filme pronto.

Já aconteceu de alguém te procurar para um trabalho e você se recusar por não gostar/concordar com a ideia ou por algum outro motivo?

Não. Sempre finalizei tudo que me foi contratado.

Você prefere trabalhar com músicos ou com anúncios? Quais são as principais diferenças na produção de ambos os tipos de material?

A explicação anterior (jingles e etc) vale pra esse.

Qual entre os seus trabalhos você considera o mais legal?

Eu curto todos.

O que você ouve quando está descansando?

Bom, eu procuro ficar sempre antenado com as novidades. Mas praticamente ouço dos ’80s pra baixo.

Tem algum artista da atualidade que tem chamado a sua atenção e que mereça a dos outros também?

Não.

Aliás, sei que você tem uma enorme coleção de vinis. Qual é a sua opinião sobre a diferença do som do vinil para o de CD/versão digital?

São muitas diferenças. Mas a que eu mais sinto falta, é da parte gráfica. As capas maravilhosas. O som do vinil é mais gostoso do que o do CD. Mas pra você sentir essa diferença, tem um processo. Você tem que ter um bom toca discos, boas agulhas, boas caixas de som e, principalmente, os discos importados. Porque no Brasil, nunca teve um bom corte para os discos. Se você não tiver nada disso, nem vale a pena ter vinil.

Você tem mais discos que amigos?

Acho que não tenho nem 10 amigos.

Sair da versão mobile