Por Guilherme Guedes
Minimalismo, acordes maiores, autoplágio, ganchos pop; termos e expressões raramente associados ao som do Nine Inch Nails vieram à tona nas semanas que antecederam o lançamento de Hesitation Marks, o oitavo álbum da tour-de-force fundada e liderada por Trent Reznor. Os singles revelados aos poucos pareciam pintar um quadro confuso, composto por diferentes elementos da complexa discografia do Nine Inch Nails, e pareciam – até então – não atingir nenhum mérito artístico ou comercial específico. Em suma, não davam a menor ideia de como soaria o novo álbum quando revelado integralmente.
Hesitation Marks marca o retorno inesperado do grupo, aposentado por Reznor há nem tanto tempo assim, em 2009. De lá para cá, Reznor ganhou um Oscar pela trilha sonora de A Rede Social e lançou dois EPs e o álbum de estreia do How to Destroy Angels, projeto paralelo e consideravelmente menos agressivo do frontman. Mas o distanciamento de sua obra matriz, antes necessário, com o tempo parece ter se transformado em inquietação, e muito bem-vinda.
O fato de Trent Reznor voltar a assinar como Nine Inch Nails – em tempo menor do que muitas bandas “em atividade” levam para lançar novos discos – talvez faça muito mais sentido para ele mesmo do que para o resto da humanidade. Não que o lançamento de Hesitation Marks não tenha sido celebrado, pelo contrário; os fãs o receberam ajoelhados e de braços abertos. Mas desde o confuso e orgânico With Teeth (2005), Reznor soava desnorteado, perdido na multiplicidade da própria obra. O afastamento do Nine Inch Nails e do negativismo que permeia a discografia do grupo fizeram bem ao vocalista, que retornou disposto a explorar mais a fundo a escuridão dentro de si no novo trabalho.
Esperto, Reznor provocou a reação de fãs e detratores ao afirmar que Hesitation Marks soava como The Downward Spiral (1994), o disco mais celebrado do grupo, ou ao lançar a esquisita “Everything” fora do contexto do álbum. Criou polêmica, controvérsia e expectativa, e quando Hesitation Marks finalmente vazou na íntegra, pouco mais de uma semana antes do lançamento oficial (nesta terça-feira, 03), o mundo estava interessado pelo grupo como não se via desde antes do lançamento do decepcionante The Fragile (1999), sucessor de The Downward Spiral. Enfim, olhávamos novamente para o Nine Inch Nails.
Hesitation Marks é um álbum tenso do início ao fim. Com menos de um minuto, “The Eater of Dreams” funciona menos como introdução do disco e mais como prelúdio sombrio à vigorosa e irônica “Copy of A”. Os versos sarcásticos (“I’m just a copy of a copy of a copy”, “I’m just the shadow of a shadow of a shadow”, entre outros) parecem direcionados a outros artistas – mais afeitos a fórmulas pop do que Reznor – mas também podem ser interpretados como justificativa ácida aos possíveis críticos da reunião do Nine Inch Nails. É uma das melhores canções do grupo em muitos anos, e ao vivo revelou-se ainda mais interessante.
O ótimo single “Came Back Haunted”, com letras auto-explicativas (“I said goodbye but I had to try”) mantém o tema em voga, e enquanto Reznor explica para si mesmo porque reativou o Nine Inch Nails, os versos são cercados por uma verdadeira aula de programação eletrônica, com pontuais e indispensáveis riffs de guitarra. A discreta “Find My Way” cumpre bem o papel de desacelerar o ritmo do álbum e abre espaço para a suingada “All Time Low”, com ritmo e timbres que lembram sutilmente bons momentos de The Downward Spiral, mas sem grande êxito. “Disappointed” é outro bom momento do disco. Quase totalmente eletrônica, com guitarras usadas para criar ambiências em vez de novos temas, “Disappointed” traz de volta as reflexões de Reznor sobre o próprio trabalho, em uma aparente defesa antecipada contra a decepção de quem alimentou muitas expectativas para Hesitation Marks (“If I were you I wouldn’t trust a single word I say” ou “Can I ask you something? What did you expect?” são versos óbvios).
Enfim, chega a polêmica “Everything”. Trent Reznor é apaixonado pela década de 1980 – é o período onde a música eletrônica, o pós-punk, o heavy metal e a cultura gótica, bases fundamentais para o surgimento do Nine Inch Nails, se desenvolveram e expandiram. E “Everything”, dentro do contexto de Hesitation Marks, é nada além de uma ode à sonoridade daquela década, com timbres de bateria e guitarra importados diretamente de 1985 – ouça o pequeno trecho entre o primeiro refrão e o segundo verso e tente não lembrar de The Cure, por exemplo. O maior problema é a introdução da música e os versos em si, que em uma deformação bizarra do continuum do tempo/espaço acabaram soando como uma péssima canção de pop punk. O refrão furioso não salva a música, que dentro de um álbum imponente como Hesitation Marks só serviu para quebrar o fluxo do disco, que até aqui corria muito bem. É difícil adivinhar quais foram as intenções de Reznor ao lançar esta faixa, mas certamente provocar um clipe em que aparece montado em um unicórnio não era uma delas.
A segunda metade de Hesitation Marks é mais introspectiva e de difícil digestão. “Satellite” é dona de uma batida contagiante, e poderia virar com facilidade um clássico industrial como os que Reznor costumava fazer no início da carreira, caso fosse repleta de guitarras pesadas. Mas a opção aqui, como em vários outros momentos do disco, é por um arranjo construído em cima de elementos eletrônicos, com menos ruídos e mais ambiências. Já a excelente “Various Methods of Escape” começa inofensiva, quase genérica, mas cresce no refrão épico – mas nem por isso grandioso – e no interlúdio quase post-rock dos instantes finais. As letras finalmente esquecem a autoanálise, e transparecem um desespero muito bem representado pelo vocal sofrido de Reznor.
Se não tivesse tantos sons angustiantes e propositalmente irritantes, “Running” poderia entrar facilmente em um disco de novos nomes da house music, e causa estranhamento sem encantamento. “I Would For You” traz de volta o clima soturno, mas o refrão simples repete a opção tomada no arranjo de “Satellite” e evita tornar-se um pastiche dos primeiros trabalhos do Nine Inch Nails. O problema é que deixa, sem querer, a sensação de crescer, crescer e não chegar lá. “In Two” começa ainda no fim de “I Would For You”, e é muito mais eficiente que as anteriores. Angustiante e explosiva, “In Two” é demolida logo antes dos 3 minutos para outro interlúdio belíssimo que constrasta perfeitamente com a primeira metade da faixa e dá espaço para um crescendo lento que explode em um final ainda mais pesado que o início. A sequência continua com “While I’m Still Here”, cuja letra mostra Reznor em paz com um fim misterioso e iminente, e “Black Noise”, a conclusão do tema instrumental de “While I’m Still Here”.
A liberdade criativa dos projetos paralelos parece ter dado confiança a Trent Reznor que, mais inspirado e revigorado pelas férias auto-impostas, criou o álbum mais interessante do Nine Inch Nails em muito tempo. Hesitation Marks não é para todos. Dividia opiniões antes mesmo de sair e assim continuará, inevitavelmente. Para os dispostos a provar a agonia de Reznor, no entanto, é uma experiência valiosa e recompensadora.
Nota: 8/10