Ao lançar Cavalo, primeiro álbum-solo da carreira, Rodrigo Amarante divulgou uma carta com detalhes sobre o processo de inspiração e produção do disco. Sabia-se do isolamento do músico nos Estados Unidos, onde se dedicou ao Little Joy – grupo formado com Fabrizio Moretti, do The Strokes – e das parcerias com o também cantor e compositor Devendra Banhart. Com exceção de passagens relâmpago pelo Brasil, quando se limitou à realização de projetos escassos como as “reuniões” do Los Hermanos ou participações em discos e shows da Orquestra Imperial, Rodrigo permanecia distante. Pouco se sabia sobre os planos do “Ruivo” em relação ao futuro imediato, sozinho ou acompanhado.
Mas na carta, dividida em três imagens postadas no perfil do carioca no Facebook, descobrimos a verdade por trás da omissão: na verdade, nem ele sabia muito sobre si mesmo.
Amarante surgiu quase como coadjuvante no Los Hermanos. No primeiro álbum do grupo, Los Hermanos (1999), encarnava um personagem similar a um bobo-da-corte, responsável por vocais desengonçados, batuques de tamborim e apenas duas das catorze composições do disco. Mas em Bloco do Eu Sozinho (2001), quando o grupo não apenas se revelou diferente como abriu as portas para se tornar a mais influente da nossa música – título controversialmente mantido até hoje – ele também se mostrou outro.
Cresceu dentro da banda e em questão de tempo, especialmente após o lançamento de Ventura (2003), passou a ser alardeado como um dos maiores nomes da nova geração de compositores brasileiros, ao lado do companheiro de banda Marcelo Camelo. Mas acabou estigmatizado não pela própria obra, mas pelo contraste com Camelo em 4 (2005), o até agora derradeiro álbum do Los Hermanos.
Em 4, é nítida a diferença entre o lamento sofrido de Camelo em faixas como “Dois Barcos” ou “Sapato Novo”, enquanto Amarante faz o andamento correr com “O Vento”, “Paquetá” e “Condicional”. Tal oposição ganhou força com a beleza melancólica de Sou/Nós (2008) e Toque Dela (2011), discos solo de Camelo, lançados enquanto Amarante distribuía simpatia em acordes maiores no Little Joy ou nas sempre bem-humoradas apresentações da Orquestra Imperial.
Porém, isolado nos Estados Unidos e disperso pela impossibilidade de um novo álbum do Little Joy, o carioca se viu perdido. Havia composto pelo menos dez músicas para o novo disco da trupe, mas Moretti priorizou o lançamento e a divulgação de Angles, quarto disco do Strokes. Restou ao “hermano” seguir só, do mesmo jeito que encerrou Little Joy (2008), o álbum, com a bonita “Evaporar”.
Como o animal de batismo, Cavalo é um álbum dócil e arrogante em proporções equivalentes, e depende muito do humor do ouvinte para despertar qualquer tipo de reação. Ludibriados pelos arranjos roqueiros de outras angústias de Amarante, como “Sentimental” ou “Do Sétimo Andar”, muitos esperavam um disco para cima, valente mesmo quando triste. Não foi o que encontraram.
O começo de Cavalo até empolga quem espera algo mais pujante. “Nada em Vão”, uma balada discreta, antecede a dançante “Hourglass”, primeira das quatro músicas em inglês do álbum. Com bateria programada e sintetizadores, “Hourglass” dialoga bem com o indie-folk de artistas como o próprio Devendra Banhart.
Mas a partir de “Mon Nom”, faixa três, o disco ganha outra cara. Cantada em francês, a música abre as portas para o experimentalismo com arranjo que mistura psicodelia e música brasileira. “Irene”, a quarta, cita a homônima de Caetano Veloso, mas em nada lembra a simpatia da original. A primeira estrofe, em vocais lo-fi arrastados, dá o tom: “Saudade eu te matei de fome / E tarde eu te enterrei com mágoa / Se hoje eu já não sei teu nome / Teu rosto nunca me deu trégua”.
O sol volta a aparecer na setentista “Maná”, com bateria de Fabrizio Moretti, mas o tempo volta a ficar nublado em “Fall Asleep”, embalada por um piano lúgubre a exemplo da faixa-título do disco, talvez a mais triste de todo o catálogo de Amarante. Entre as duas, o post-rock “The Ribbon” e a encantadora “O Cometa”, tributo do músico ao amigo Ericson Pires, morto no ano passado. A emocional e tensa “I’m Ready” abre caminho para a despedida com “Tardei”, onde Rodrigo parece dar adeus à jornada que gerou Cavalo.
Cavalo não foi feito para ser acessível, mesmo sendo. É um relato confessional sobre o vazio interno do compositor, uma jornada dolorosa e abatida por dentro dele mesmo. Cavalo não é de fácil digestão e peca pela pretensão em alguns momentos, mas é um retrato honesto e visceral de um artista durante o exercício da própria criatividade. E o que mais podemos querer?
Nota: 8/10