As palavras vagueiam leves pelo silêncio. As luzes da casa, apagadas, fizeram todos colar de súbito na cadeira e a presença daquele homem ali – sozinho no meio daquela escuridão – não diminuía o silêncio. Era como se todos quisessem ver, tocar junto. E aquele homem que parecia estar em casa, curtindo a tranquilidade brincava ao violão, cantando que “de todas as coisas, só precisa de duas: a guitarra e você”.
E Jorge Drexler precisa de você. Que você saiba do talento desse uruguaio, um dos nomes mais fortes da música em espanhol e um dos poucos nomes atualmente que parecem ter entendido todos os signos e linguagem da música sul-americana como um todo. A sensação ontem no Miranda Brasil, na Lagoa, foi de ver um mestre de uma linguagem na intimidade, se divertindo.
“Guitarra y vos”, uma quase poesia falada gravada no disco “Eco” (2004), abriu o show como um cartão de visitas. Era o convite para curtir aquele tempo com ele. Tempo que sabia que seria bom pelas lembranças do recente ótimo show dele, mas que nada podia prever o quanto sensacional foi.
Jorge domina o palco com seu violão, sua guitarra, alguns pedais e muito carisma. Sincero e engraçado, ele transforma o público em cúmplice de como suas ideias surgem e o conduz para uma visão muito mais valiosa das canções. Seja falando sobre o passado para explicar “Noctiluca” ou para introduzir a (surpreendente e ótima) canção inédita “Bolívia”.
A canção fala sobre a busca de sua família judaica por um país que os aceitasse quando fugiram da Alemanha, pouco antes da Segunda Guerra. No disco Bailar en la cueva, que será lançado dia 25 de março, “Bolívia” conta com os vocais de Caetano Veloso.
Aliás, o cantor baiano é uma das visíveis influências de Drexler, seja nas letras ou no espírito inquieto. Uma canção de Caetano foi lembrada durante o show: “Fora da ordem”, misturada com “Deseo”.
Passando por músicas de várias fases da carreira, focando em canções dos mais recentes discos Eco, 12 Segundos de Oscuridad e Amar la Trama, o show que foi anunciado voz e violão se tornou uma jam session deliciosamente improvisada com Marcelo Costa na bateria e Matias Cella, produtor e parceiro, saindo da mesa de som pro baixo.
As milongas viravam bossa, canções mais eletrônicas ficaram mais brasileiras e ritmos como a cúmbia pareceram quase próximos, nativos. Jorge Drexler é o mais perto que temos de um tropicalista pop. Que reúne as influências múltiplas, de várias artes e nações em uma linguagem fácil e assobiável.
O trabalho desse mestre pode ser visto hoje e amanhã no Miranda.