Resenha: Raimundos – Cantigas de Roda

Primeiro álbum de inéditas do Raimundos em doze anos surpreende ao inovar sem perder as principais características do quarteto.

Resenha: Raimundos – Cantigas de Roda

Em junho deste ano o Raimundos completará 13 anos sem a presença do vocalista Rodolfo Abrantes na formação. Nesse período, de pouca produção inédita, o quarteto brasiliense foi tratado por críticos e admiradores como um conjunto meramente dedicado à nostalgia, a manter viva a lembrança de um dos períodos mais icônicos do rock nacional. Para a maioria de ambos, a saída de Rodolfo foi a lápide no túmulo onde o nosso rock foi enterrado, um golpe mortal da qual nossa produção roqueira jamais se recuperou.

No mesmo intervalo, o Raimundos pareceu fadado ao fracasso inúmeras vezes. Até Digão, o único integrante que nunca esteve ausente da formação, tirou férias para lançar o projeto Dênis & Digão, com o amigo de longa data Dênis Porto. Mas em 2007, com  o retorno de Canisso à banda e a entrada do baterista Caio Cunha no lugar de Fred, uma nova identidade começou a se formar. O Raimundos parecia, enfim, disposto a abandonar o luto da saída de Rodolfo, sem desmerecer o que construiu com o antigo parceiro. O fruto desse amadurecimento surgiu, enfim, na semana passada: Cantigas de Roda, o primeiro álbum de inéditas do Raimundos desde Kavookavala, de 2002.

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Cantigas de Roda é o saldo de uma longa gestação. Em vez de correr para o estúdio após a volta de Canisso, o grupo – que desde 2001 tem também o guitarrista Marquim – começou uma turnê infinita pelo Brasil, tocando em casas de pequeno e médio porte para novos e velhos fãs. Um recomeço simbólico e real para um dos grupos mais populares da nossa história recente. Com a confiança retomada, os shows tornaram-se cada vez melhores, e Digão aos poucos saiu da sombra do carismático Rodolfo para revelar-se um frontman competente. O retorno foi dado pelos próprios fãs que, ao serem convocados para apoiar a banda no projeto de financiamento coletivo que tornou Cantigas de Roda uma realidade, arrecadaram mais de R$ 123 mil, mais que o dobro da meta estipulada de R$ 55 mil.

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Produzido por Billy Graziadei, vocalista do Biohazard, Cantigas é um espelho perfeito dessa nova fase do Raimundos. A transformação do grupo através da incorporação de novos elementos é evidente, mas há elementos suficientes da primeira fase da banda para evitar o desconforto. É impossível, por exemplo, não lembrar de baladas rock como “A Mais Pedida” ou “I Saw You Saying (That You Say That You Saw)” ao ouvir a grudenta “Cera Quente”, a quinta do disco, dona da letra mais explícita sexualmente. O espírito Raimundos também aparece na Ramonesca “Baculejo”, nos vocais bem-humorados e no triângulo de “Gato da Rosinha” e nas potentes “Importada do Interior” e “Gordelícia”, ambas com potencial radiofônico se tivessem sido lançadas nos anos 1990, quando tocar no rádio ainda era referência de sucesso.

Por outro lado, o novo momento foca na influência do hardcore e do crossover que sempre foi evidente no som do quarteto. “Cachorrinha” e “BOP”, as faixas que abrem o disco, focam respectivamente na velocidade e no peso para apresentar bem o novo trabalho, a exemplo das excelentes “Rafael” e “Descendo na Banguela”. A porrada “Nó Suíno” tem solos à la Kerry King e barulhos de instrumentos de dentista, uma referência à profissão de Caio, citado no refrão da faixa (“Vacilou, os dente voa / mas o Caio bota a cola”). Mas o maior destaque vai para a excelente “Dubmundos”, um reggae com direito a participação de Sen Dog, do Cypress Hill, arranjo de metais e solo de saxofone e letra simples, inteligente e positiva, distante da escatologia verborrágica que virou tradição no grupo. A música escolhida para encerrar o disco foi a única lançada anteriormente, a canção de protesto “Politics”, lançada em versão demo na época das manifestações que tomaram o Brasil em junho de 2013.

Cantigas de Roda é um álbum com proposta firme, e supera tanto as expectativas de quem seguiu a banda fielmente desde a saída de Rodolfo como as de quem esperava pouco ou quase nada do quarteto. Além disso, é um sopro de esperança, pois mostra que há espaço para inventividade no moribundo rock feito no mainstream nacional. Que o Raimundos siga assim, surpreendendo, e inspire tantos outros.

Nota: 8,5/10

Ouça o disco na íntegra

A banda disponibilizou, através do YouTube, uma playlist com o disco na íntegra.

Você pode ouvir logo abaixo.

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