Antes de qualquer coisa, clique aqui e dê play na faixa de abertura do mais novo álbum do This Lonely Crowd, uma das bandas mais completas, instigantes e poéticas do momento em nosso país.
Emoldurados sempre pelos contos de fadas, esses músicos (que também são neurocirurgiões) desafiam a gustação audiófila de qualquer fanático pela profundidade lírica e conceitual de um trabalho musical.
Permeado por texturas de extremo bom gosto, a banda dá à luz hoje Möbius and the Healing Process, uma viagem sensorial ampla para quem realmente aprecia entrar na música.
Sendo assim, na impossibilidade de melhor descrever, fiquem com a descrição deles próprios para esse trabalho:
Se uma formiga andar pela superfície de uma fita de Möbius, ela retornaria ao ponto inicial tendo percorrido toda a superfície da fita pelos dois lados, sem nunca sair do seu caminho”. É assim que a Wikipedia resume o que é a Fita de Möbius – uma superfície sem fim. O eterno caminho. O loop.
Möbius And The Healing Process, novo álbum do This Lonely Crowd, é um trabalho conceitual. Ávidos leitores de fábulas e contos de fadas, as letras contam a história de uma garota na eterna fuga de um lobo em uma estrada na forma da fita de Möbius, enquanto se protege de pétalas e pássaros para enfrentar seus medos. Sob aforismos, é a história recente do This Lonely Crowd exorcizando seus próprios demônios. Depois de enfrentar uma perda familiar e uma grave doença, a banda se fechou em um processo de auto-análise e busca por caminhos. O “processo de cura” do título na verdade é literal – não à toa, no provável momento mais forte do disco (“Forlorn Hope”), a garota da história enfrenta o lobo bradando um “tenho tanta força em mim que você não tem ideia”, sob guitarras furiosas dignas de um Slayer ou Napalm Death. É quase a terapia primal de Arthur Janov – a cura pelo enfrentamento extremo. Violência igual tem “Locked-Inn”, quase uma vinheta de um minuto e meio de baterias desgovernadas e riffs black metal. No processo de cura, as guitarras não descansam.
Mas não é só por infernos que percorre a personagem da história. Nos trechos longe de ameaças, há espaço para sonhos. Em “Aphorisms” a protagonista dorme sob vocais soterrados por efeitos etéreos de guitarras. “Sleepers Among Petals” cita a poesia onírica de Sylvia Plath (“nós somos um sonho que eles sonham, deslizando para um outro tempo”), enquanto “Homeless Dolls” traz ares de final feliz representados por uma longa e bela viagem instrumental. Só que não há desfecho – em “Some Infinite Longing”, a última faixa, a volta se completa, as sombras retornam e o álbum se encerra com o mesmo riff sombrio do início – Möbius.
Lançado como uma única faixa de cinquenta minutos, o trabalho foi pensado para ser consumido direto, sem pausas, como a um filme. “A letra é uma só e o disco é uma montanha russa que começa angustiado e depois vai se transformando, com riffs repetidos em varias faixas pra fechar do jeito que começou”, explica a banda. Mas pensando nesses tempos de consumo rápido à velocidade de um tuíte, a banda também disponibilizou o disco com as faixas separadas – ou a “versão fácil”. Para mergulhar na história, a sugestão é ouvir a faixa única acompanhando as letras, no repeat, linkando o último riff ao primeiro. Möbius aprovaria.