Jorge Drexler é um daqueles artistas que você deveria estar acompanhando de perto. Nascido em Montevideo, o cantor e compositor talvez seja um dos poucos criadores que mantém o ideal tropicalista da recriação e apropriação cultural viva. Ele utiliza a música de diversas origens, incluindo muito da brasileira, e a reconstrói de um modo único e novo.
Aliás, “novo” é uma palavra-chave para descrever a obra de Drexler. Na busca constante de uma novidade na forma ou no conteúdo, a discografia acumula grandes êxitos nos últimos 15 anos. É uma série de álbuns impressionantes, incluindo Bailar En La Cueva, lançado esse ano.
Dono de um Oscar e parceiro de artistas que vão de Paulinho Moska, Vitor Ramil e Maria Rita até a Shakira, Drexler falou por telefone com o TMDQA!, com a mesma simpatia que apresenta no palco.
TMDQA: Você é considerado, por muitos, um dos artistas que melhor trabalham com a música brasileira, mesmo não sendo daqui. Como surgiu essa ligação com o Brasil?
Jorge Drexler: Antes de mais nada, muito obrigado pelo elogio! (risos) Eu adoro a música brasileira. Desde menino! A família da minha mãe veio do Rio Grande do Sul e desde muito novo tive contato com a música do Brasil. Nunca tive aula de português, meu professor foi João Gilberto. Aprendi cantando. A primeira música que cantei na vida foi brasileira. Foi “Eu Quero Ter Um Milhão de Amigos”, do Roberto e Erasmo (risos). Eu tinha 7 anos e vi na TV que alguns músicos tocavam e cantavam ao mesmo tempo! Pedi pra professora de piano me ensinar a fazer isso (risos). Até hoje, a sequência de acordes dessa música está comigo. Acho que ela está em pelo menos metade das minhas músicas.
TMDQA: Estávamos no Miranda, no Rio, quando você tocou “Bolívia” pela primeira vez. E contou a história da música. Aquilo mudou totalmente o modo como ouvi o disco, rolou uma intimidade maior. Esse parece ser um disco de busca de raízes. Estou certo?
Jorge Drexler: Aquela versão que você ouviu era bem diferente também. Eu gosto de tirar a música de uma área de conforto. Mexer no conteúdo e no meio. (Nota: nesse momento da entrevista, Drexler perguntou se o termo que ele estava utilizando existia em português. Ele realmente queria falar na nossa língua). Gosto de mexer nisso. A cumbia, que usei em “Bolívia”, é um ritmo festivo que usei no disco com uma letra mais pesada, pessoal, buscando algo mais escuro. A versão que você ouviu era ainda mais direta nesse lado mais escuro, já que foi sem a banda…
TMDQA: Você costuma fazer versões bem diferentes das suas músicas ao vivo. Já vi um show seu com dois músicos e uma pegada mais eletrônica. Essas versões já estão no meio da criação das canções?
Jorge Drexler: Não penso nisso quando crio, mas me divirto bastante mudando o formato. Gosto muito de tocar com a banda, mas depois de um tempo sinto saudade de tocar sozinho. Aí passo um tempo tocando sozinho e sinto falta da banda. (risos) É muito bom pensar nesse formato intermediário, que muda. É como colocar a música sob uma ótica diferente.
TMDQA: O seu novo disco (“Bailar en la cueva”) segue a linha de experiências da sua carreira. Como surge essa experimentação? Ela já é pensada antes da canção?
Jorge Drexler: Vem junto. A experimentação surge na interação de forma e conteúdo. Nesse disco, busquei o dízimo cinético, a menor parte possível da canção. Buscando uma canção que gere movimento no corpo. Desde a composição, tentei ser sintético nos elementos da composição. Não simples, mas como um exercício de síntese. Sempre escrevi muito e tentar resumir em um verso foi um desafio. Usar mais o Twitter me ajudou com isso (risos). Só pra ter uma ideia, nas primeiras 3 músicas do disco eu só uso um acorde. Elas são bem estáticas, diretas.
Eu estava vindo de um projeto diferente, o “n”, que foi totalmente cerebral e do (disco) Amar La Trama que foi totalmente emocional, com as canções saindo do coração. Esse sai dos pés. É um exercício de transformação parecido com o que acontece nos shows.
TMDQA: Tem momentos quase de rap no disco. Momentos quase falados, quebras da melodia e uma voz nova surgindo.
Jorge Drexler: Eu adoro o texto falado, a palavra falada. E gosto muito de rap. Na música popular, “Haiti”, do Caetano, me marcou muito. A quebra da música-título segue muito esse estilo. Uma inspiração nesse sentido é “Guitarra Negra”, de um músico chamado Alfredo Zitarrosa. Indico pra você. Muito do que fiz em “Guitarra y Vos” está lá.
TMDQA: E o Caetano? Como foi gravar com ele?
Jorge Drexler: Foi um privilégio. Caetano é uma referência forte na minha música. Mas aconteceu de uma forma engraçada. Estávamos em Bogotá quando ele (Caetano) se apresentou lá com o Abraçaço. Que é um show lindo e um disco belíssimo por sinal. E eu fui no show. Após o show fomos com ele e a banda jantar. Foi quando alguém virou pra gente e disse “e vocês dois… Quando vão colaborar?”. E ele disse: “eu adoraria”. Na hora eu já falei: “Olha, Caetano. Estou trabalhando no meu novo disco…” (risos)
TMDQA: (risos) Não poderia perder a oportunidade…
Jorge Drexler: Jamais! Ela apareceu e eu mandei. O Moreno (Veloso, músico e produtor) cuidou da gravação e disse “gostei muito dessa cumbia tropicalista que você fez” (risos). Cumbia tropicalista! É a melhor definição possível. Ela tem um arranjo de sopros clássico, ao estilo europeu e com uma temática fora do comum, falando dos judeus buscando refúgio na América do Sul. Pela gravação, pela história, “Bolívia” é a canção mais importante do disco.
TMDQA: Queria voltar em outro momento, no “n”. Você criou canções interativas para o aplicativo. E elas funcionam bem de todos os modos. Essa é uma visão criativíssima para a canção. Qual o futuro da canção?
Jorge Drexler: Essa é uma pergunta muito boa! Mas não sei se tem uma resposta. A relação palavra-ritmo-melodia é muito antiga. Alguns antropólogos dizem que o ritmo, uma linguagem rítmica existiu antes da verbal. O ser humano fazia canções antes de saber falar.
Talvez essa canção no formato de Tom (Jobim), Pixinguinha, Noel Rosa está morrendo. Aquela estrofe, estrofe, refrão… Mas a palavra e o texto continuarão. Sou apaixonado pela canção em todas as suas formas e gosto muito da interação dela com outros gêneros e formatos. No “n”, trabalhei com canções combinatórias em tempo real, como ser elas fossem líquidas e não sólidas. Elas se adaptam ao ouvido do ouvinte. Uma inspiração foi “Construção” do Chico. Uma obra que vai se transformando enquanto você ouve.
TMDQA: Em “Don de fluir” você dizia que os músicos não bailavam… O que fez você bailar agora?
Jorge Drexler: Lá eu reconhecia as minhas limitações. Acho importante reconhecer as limitações. E acima disso, da capacidade de mudar, de fazer algo impensável. O avanço da idade te faz pensar que o corpo é finito e que você precisa aproveitar ao máximo. Hoje os shows são mais físicos, intensos.
TMDQA: Já que citamos uma música do “Eco”, o disco faz 10 anos esse ano.
Jorge Drexler: 10 anos? Já?
TMDQA: Pois é, passa rápido! Ele foi a porta de entrada para de muita gente para sua música. Como você o vê hoje?
Jorge Drexler: Foi um disco de mudanças. Estava mudando o meu som e de gravadora. Mas é um disco que ainda me traz boas sensações. Das 11 faixas, eu devo tocar regularmente e com gosto umas 10 em shows. É um disco vivo.
TMDQA: Trabalhando em algo agora?
Jorge Drexler: Eu recebi uma encomenda muito bacana. Fui convidado para participar de um tributo comemorando o aniversário do Nelson Motta. Farei uma versão de “Como uma onda”. O Brasil está me dando oportunidades incríveis.
TMDQA: Recentemente você gravou “Fora da Ordem” para um tributo ao Caetano também!
Jorge Drexler: Exatamente! E o mais curioso é que a sonoridade do “Bailar en la cueva” já está nessa versão. Foi feito pela mesma equipe que trabalhou no disco.
TMDQA: Você tem mais discos que amigos?
Jorge Drexler: Claro! Tem muitos amigos só no Facebook. Tenho muitos conhecidos, colegas, mas os reais, aqueles pra contar mesmo… Nem chegam a 10. Já discos, não sei quantos eu tenho. Toda hora tem que mudar minha coleção… Já tive muito vinil, muita cassete, muito CD, muito mp3…