Cinco ano após o lançamento de Chiaroscuro (2009), último disco com sua banda “oficial” e uma aventura pela folk music e seus contornos com o Agridoce, projeto paralelo com o guitarrista Martin Mendonça, a cantora Pitty acaba de lançar seu quarto álbum de estúdio SETEVIDAS (via Deck). O trabalho mostra uma nova fase da banda, mais madura, com canções produzidas por Rafael Ramos e mixagem de Tim Palmer, que já trabalhou com ninguém menos que David Bowie e Pearl Jam, só pra citar alguns.
Baiana de Salvador, Pitty tem construído uma sólida carreira desde o lançamento de seu primeiro álbum lá pelos idos de 2003, o aclamado Admirável Chip Novo. Desde então, é citada como um dos principais nomes do rock nacional. Por e-mail, a cantora concedeu entrevista do Tenho Mais Discos Que Amigos! e falou sobre a nova fase, seu último disco, consumo de música e se mostrou bastante positiva quanto à cena roqueira nacional.
Confira, na sequência:
TMDQA!: Depois de ouvir o novo disco, SETEVIDAS, a primeira impressão é de um refinamento maior nas faixas, algo já presente no “Chiaroscuro”, mas agora ainda maior. Mais detalhes nas canções, exploração de instrumentos, um disco menos garage rock talvez. Você acha que existe algum resquício de Agridoce aí ou tem a ver com outra coisa como o conceito, a mixagem?
Pitty: Acho que faz parte da vivência mesmo, de ir acumulando referências e experiência. Com o tempo, veio vindo a vontade de se aprofundar em texturas e timbres, de usar instrumentos diferentes, de inventar sons que nunca são uma coisa só, mas a soma de elementos. Depois que se descobre essas infinitas possibilidades, fica muito difícil se contentar apenas com baixo, guitarra e bateria.
TMDQA!: Quando foi o momento em que você sentiu que iria voltar às atenções a sua “banda de rock” após o Agridoce? Ou era esse mesmo o plano?
Pitty: Era o plano, mas eu não sabia quando. Eu descobri que era a hora quando veio o chamado interno, aquela voz dizendo “é agora, tá na hora”. Quando senti necessidade e percebi que já tinha ideias de músicas nesse sentido.
TMDQA!: No videoclipe de “Sete Vidas” você aparece com roupas sensuais, batom vermelho, algo que chamou bastante a atenção. Essa nova estética foi deliberada para coincidir com a proposta de SETEVIDAS?
Pitty: Não necessariamente, mas acho que combinou. Minha ideia de figurino ali era uma coisa meio mulher-gato, uma estética de herói de quadrinho. Como tinha a história das sete vidas dos gatos me veio essa referência na cabeça, conversei com a Ju Maia (figurinista) e ela desenrolou as peças.
TMDQA!: “Lado de Lá” e “Serpente”, por exemplo, são canções mais lentas, com uma beleza sutil, que têm uma exploração bacana de pianos e percussão, respectivamente. Gostaria que você comentasse sobre elas, essencialmente.
Pitty: “Lado de Lá” surgiu um dia em que sentei ao piano e comecei a tocar um blues. Fiquei ali, brincando um pouco com a harmonia clássica desse estilo e começou a surgir uma coisa mais cromática e senti que aquilo podia ser um riff. Depois, fazendo o arranjo com os meninos ela sempre terminava com uma jam session furiosa, e como gravamos ao vivo isso pôde transparecer no disco.
Para “Serpente”, eu já estava há um tempo com aquela melodia do refrão na cabeça, aquilo não me largava. Queria para ela uma vibe de coletividade, uma coisa ritualística, vozes e palmas, como numa cerimônia sagrada. E a batida veio nessa onda; é mais calcada em tambor e isso traz a sensação de primitivo, tribal. Pensei em música afro, pensei em candomblé, no mantra de Shiva; entre tantas referências.
TMDQA!: Algumas letras do álbum trazem de volta temas sociais, a situação do povo, e parecem ser resultado, ou pelo menos influência, dos protestos e o que vem acontecendo nas ruas do país, como em “A Massa”. Como você viu o movimento popular que foi às ruas de tantas cidades no Brasil? E houve alguma de fato alguma influência na composição do novo disco ou não?
Pitty: Acho que alguma influência fica porque isso permeou o nosso inconsciente coletivo de uma forma muito forte, mas não havia uma intenção tão deliberada. As jornadas de Junho do ano passado é algo que mexeu profundamente na nossa vida política e social, e vemos reflexo disso até hoje. Vivenciamos um momento histórico e viveremos os desdobramentos dele nos próximos anos.
TMDQA!: O álbum tem muita cara de que foi pensado para ter dois lados, com cinco faixas em cada. Vocês tinham isso em mente quando finalizaram as canções que entrariam para a versão final? Como foi o cuidado com a versão em vinil?
Pitty: Tivemos isso totalmente em mente, nossa cabeça é de vinil (risos). Tanto é que tinha mais uma música praticamente pronta, e conversando com Rafa a gente falava “poxa, mas cinco de um lado e cinco do outro é tão perfeito”. E ficou assim. Fiz a capa pensando em como ela iria ficar grandona, essas coisas. Cuidado total.
TMDQA: SETEVIDAS tem uma grande metáfora com o animal gato, principalmente, temos o seu gatinho na capa e algumas citações metafóricas nas letras. Qual a resposta pra você ter escolhido o gato e como ele ajudou a construir o conceito do disco?
Pitty: Foi uma coisa que foi surgindo e eu só percebi e dei passagem. A figura do gato se repetia, se apresentava; em analogias e na vida real. Quando fiz a foto da capa, por exemplo, eu não chamei meu gato nem o coloquei ali. Ele simplesmente pulava na frente da câmera toda vez que eu apertava o clique. Eu nem queria, a princípio, porque achava muito literal; mas foi inevitável. Ela simplesmente não saía do meu lado e acabou ficando na foto.
TMDQA!: A banda passou por algumas transformações nos últimos anos. Como vai ser o line-up dos shows?
Pitty: Estamos em fase de montagem, experimentando. No primeiro que fizemos tinha bastante música nova, equilibrado com as antigas. Acho que cada show é um show, tem que pensar na circunstância, se é festival, se é só seu público, etc.
TMQDA!: Como você enxerga as novas tecnologias de audição e difusão das músicas hoje em dia? O streaming parece estar chegando com tudo, ao mesmo tempo as vendas de vinil têm crescido…
Pitty: Pois é, eu reparei isso e fiquei pensando que doido que as pessoas estão mais ligadas, hoje, nesses dois extremos. Streaming e vinil, polos opostos e complementares, na minha opinião. É como eu ouço música hoje, por exemplo. Acho bom esse equilíbrio, é o melhor dos dois mundos.
TMDQA!: Falando sobre o rock nacional, como você vê o mercado hoje e tem alguma coisa que você destaque? Tem percebido um aparente aumento no consumo de shows e músicas, por exemplo?
Pitty: Já falei por aí o quanto eu ando otimista. Tanta banda legal lançando disco, tanto no mainstream quanto no underground… e as rádios de rock de volta, as pessoas interessadas… a vibe parece boa pro rock.
TMDQA!: Como não poderia faltar, a Pitty tem Mais Discos Que Amigos?
Pitty: Sim! (risos)