“Viva rápido, morra jovem e seja um cadáver bonito”. A frase atribuída ao escritor inglês Oscar Wilde refere-se mais à estética pela qual era obcecado do que a viver intensamente como manda o mantra Carpe Diem e como tem sido interpretado dois séculos depois. A chamada “maldição dos 27”, que levou Jim Morrison, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Kurt Cobain, e mais recentemente Amy Winehouse, mesmo que indiretamente, bebeu dessa fonte.
Fã incontestável de Wilde, Janis, Jim e Jimi, o líder do Joy Division, Ian Curtis, levou a cabo a história de uma vida breve e intensa, seu sonho maior sempre foi se tornar um ídolo jovem. Categórico, Ian expressava esse discurso desde sua adolescência, tanto que a ideia do suicídio sempre lhe atraiu e muitas pessoas sabiam disso, apesar de nunca terem levado a sério. Pelo menos essa é parte da história contada em “Tocando a Distância – Ian Curtis e Joy Division” (Edições Ideal), lançado esse ano no Brasil.
O livro traz a versão da viúva de Ian, Deborah Curtis, sobre a vida do líder do Joy Division, passando rapidamente pela sua infância, adolescência, seu conturbado casamento, a epilepsia, a banda e o suicídio. A obra, lançada originalmente em 1995, também foi base para o impecável longa-metragem “Control” (2007), dirigido por Anton Corbjin, o homem por trás de clipes como “Personal Jesus”, “Strangelove” e “Enjoy the Silence”, do Depeche Mode, e “Heart-shaped Box”, do Nirvana.
A obra em si é bastante rasa no sentido biográfico, pois apesar de carregar a ideia de uma biografia não pode ser considerada como tal por duas razões. Primeiro: Deborah Curtis não é biógrafa, nem ao menos escritora, não há de fato uma pesquisa profunda por trás do livro.
Segundo: apesar de algumas entrevistas com gente próxima a Ian Curtis, as páginas nos trazem a interpretação por vezes arrastada da viúva sobre muitos temas que permearam a vida do cantor, soa mais como um desabafo. Prova dessa tese é a maneira como ela conta como foi acompanhar as gravações de Unknown Pleasures (1979), primeiro álbum da banda, e como ela esteve distante das gravações do segundo disco, Closer (1980), lançado postumamente, por conta do caso extraconjugal de Ian. Em uma biografia oficial, gostaríamos tanto de saber como foi o processo com Closer como com a amante.
Ainda assim é interessante aos fãs. A obra carrega fotografias de Ian Curtis em algumas fases de sua vida, manuscritos não terminados do astro, e como recurso para esticar as páginas, todas as letras de músicas do Joy Division, originais e traduzidas, além da agenda completa de shows da banda. O que dá ao livro 328 páginas.
O momento mais interessante do livro não é ver como Ian Curtis era maluco, egocêntrico e bipolar, mas perceber o contexto do rock no final dos anos 70. Por mais que Deborah traduza em palavras o quanto Ian a magoou em vida, sua versão é subjetiva demais. Porém, ela viveu a cena, ela viu o ritual de passagem do punk para o pós punk, e isso por si só é válido. Lá pelos idos de 77 e 78, o punk rock dos Sex Pistols e The Clash, por exemplo, protestava contra a rainha da Inglaterra, o uso de drogas, temas sociais e pincelava questões ligadas ao proletariado. No mesmo contexto surgia o pós-punk, um estilo calcado na mesma ideologia “do it yourself” (Faça Você Mesmo), porém com traços mais sofisticados em termos de estrutura sonora, mais obscura, menos agressiva e permeando temas mais introspectivos como a filosofia e as artes. Um dos carros-chefe do pós-punk, o Joy Division seguiu por essa linha ao lado de bandas como The Fall e The Mekons, e o livro traz um olhar atento a esse contexto.
Fora passagens cansativas e por vezes monótonas, a obra traduz a impressão de uma essência que Ian Curtis deixava transparecer em sua letras: um jovem com problemas em se relacionar socialmente, calado, dual, imaturo e inconsequente, que utilizou a música e sua obra para transmitir o que não conseguia em palavras. Apesar de termos uma visão sincera, obscura e corajosa, ainda precisamos saber a outra parte dessa história.