Ninguém aguenta mais discutir a morte do rock ou a eventual ressurreição dele. Quem tinha idade suficiente para ser lúcido nos anos 1990 leu, ouviu e até reproduziu infinitas vezes as mais diversas certidões de óbito do gênero, insistentemente assassinado e recriado à la Frankestein desde a era de ouro de Elvis, e com maior força desde que o Nirvana derrubou o muro que separava o alternativo do mainstream. O hype em cima dos potenciais salvadores do rock passou a comer o próprio rabo, e o roqueiro, esse ser supostamente subversivo nascido da rebeldia, virou um careta conservador preocupado em rejeitar todas e quaisquer invenções e reinvenções musicais relacionadas às guitarras distorcidas.
Em 2014, esse hype fez nova vítima: o Royal Blood, duo formado no sul da Inglaterra pelo baixista e vocalista Mike Kerr e pelo baterista Ben Thatcher há pouco mais de um ano. Sem guitarras, mas com riffs fervorosos de baixo que ecoam Queens of the Stone Age, White Stripes, Death From Above 1979 e suas respectivas referências, a dupla foi rapidamente alçada à categoria antes ocupada por tantos nos últimos vinte anos pela mídia inglesa, e em questão de tempo, pela imprensa especializada em todo o mundo. Herdaram, enfim, a missão de desafogar o rock com o álbum de estreia, lançado em agosto.
O ouroboros do hype, como de praxe, deu certo e errado ao mesmo tempo. Deu certo porque desde 2006, com o Arctic Monkeys, um álbum de estreia não vendia tanto e tão rápido na Inglaterra. O hype venceu: o Royal Blood era um fenômeno antes mesmo de nascer. Mas as expectativas altíssimas também colaboraram para um outro fato, nada interessante para o Royal Blood ou o próprio rock a longo prazo: a exaustão do álbum, pouco mais de um mês após seu lançamento.
Royal Blood, o disco, tem pouco mais de meia hora de duração. Se excluirmos dele as músicas lançadas no EP Out of the Black, do ano passado, sobram seis das dez faixas, basicamente um novo EP. Isso, somado aos arranjos limitados pelo veto de overdubs no baixo e de instrumentos extras além de pandeirolas discretas, no caminho oposto de duos de rock como o The Black Keys, torna a audição do disco cansativa e desinteressante a partir da segunda ou terceira rodada. Falta dinâmica, apesar das composições acessíveis, dos timbres redondos, os refrães grandiosos e as levadas com balanço que destoam do rock reto da última década. É energético e cativante, mas o interesse não chega intacto além da segunda ou terceira rodada.
Não era para ser assim. O disco tem excelentes momentos: a sequência inicial com as potentes “Out of the Black”, “Come On Over” e “Figure It Out” combina peso e melodia de forma inteligente e acessível, e faixas mais cadenciadas como “Blood Hands” e “Loose Change” revelam uma faceta mais criativa da dupla. As referências ainda são evidentes demais – com guitarras, “Careless” entraria facilmente em qualquer um dos dois álbuns solo de Jack White, e o riff de “Come On Over” poderia ser facilmente reaproveitado pelo Muse que ninguém reclamaria – mas isso é normal em qualquer banda em começo de carreira, e não são motivos para crucificá-la.
O problema foi mesmo a ansiedade para jogar o rock de volta nas paradas, em antecipar uma nova tendência. Se tivesse tempo e não precisasse cumprir metas, o Royal Blood poderia ter explorado um pouco mais o próprio repertório, e talvez conseguisse estrear com mais dignidade depois de mais alguns EPs. O contrário também poderia ser interessante, com um lançamento repentino que surpreendesse a todos. Mas o imediatismo transformou o primeiro grande passo do Royal Blood em fogo de palha: vão falar menos e com menor afeição da dupla, provavelmente para cobrar um segundo álbum urgente ou até culpá-la por não conseguir salvar o rock.
O Royal Blood quer apenas fazer música e ter a sorte de encontrar quem goste de consumi-la. Se a pretensão de quem ouvir o álbum for essa, a chance de sucesso é grande; se não, o destino é continuar a rodar por blogs atrás da próxima novidade, até fechar o ciclo e começar outra vez, indefinidamente.
Nota: 7,0