Uma velha fotografia em preto e branco registra uma festa. Entre nomes como Vinícius, Tom, Chico, Caetano, Zé Kéti e Torquato Neto, os olhos parecem grudar na figura pequena e frágil, que ostenta um olhar orgulhoso, como se estivesse feliz de estar ali no meio da história.
Na primeira vez que vi essa foto – e talvez em todas as outras – eu queria ter sido aquele garoto. Ele era Nelson Motta. Produtor, escritor compositor e figura onipresente no cenário cultural brasileiro desde que me entendo por gente, ele estava lá mais que observando a arte sendo feita, mas mudando os rumos dela.
Um dos paulistas mais cariocas da história das duas cidades completa 70 anos no próximo dia 29. Sete décadas de construção de mitos e ídolos, de descoberta de talentos e de grandes hits. Nelson foi integrante da bossa nova, chegando até a vencer a etapa brasileira do Festival Internacional da Canção, em 1966, ao lado de Dori Caymmi, e indiretamente moldou enquanto grupo a Tropicália, que representava uma ruptura ao movimento de que participava.
Em 1968, sentado num bar com os gigantes do cinema Glauber Rocha e Luis Carlos Barreto, ele refletiu sobre o cenário da época e batizou o Tropicalismo, meio sem querer, como ele explicou em entrevista pra Istoé, em fevereiro de 2000: “além do disco ‘Tropicália’, do Caetano e do Gil, a peça ‘O Rei da Vela’ estava sendo encenada e o filme ‘Terra em Transe’, do Glauber, estava em cartaz. Tinha todas as características de um movimento artístico. Ficamos a noite toda bebendo chope e bolando uma festa para marcar tudo o que estava acontecendo. No dia seguinte, não tinha assunto para preencher minha coluna semanal no jornal Última Hora e escrevi sobre a noite anterior. O título da coluna foi ‘Cruzada Tropicalista’ e todo mundo levou a sério.”
https://www.youtube.com/watch?v=4hyKYhn59b4
Vivendo como aquele menino da foto, que parece curtir muito o que faz, Nelson entregou para o Brasil o ótimo especial de TV “Chico e Caetano”, nos anos 80 e o festival Hollywood Rock. Descobriu o talento de Marisa Monte, para quem escreveu a ótima “Bem que se quis”. Trabalhou com Lulu Santos na fase áurea da carreira dele, com clássicos como “Como uma onda (Zen Surfismo)”. Escreveu “Vale Tudo – O som e a fúria de Tim Maia”, um dos livros mais deliciosos sobre uma personalidade de nossa música, além de roteirizar para teatro. E registrou o tempo dele como o garoto da foto que tanto me intrigou no best-seller “Noites Tropicais”.
Uma vida intensa que ganhará nesse mês um merecido tributo feito por amigos e artistas inspirados pelo que ele fez. Idealizado pela Som Livre, “Nelson 70” reúne 14 faixas e nomes como Marisa Monte, Jorge Drexler, Silva, Ed Motta e Fernanda Takai. O leitor mais atento já sabia desse projeto. Na entrevista que fiz com o Drexler, ele disse que estava naquele momento no estúdio gravando a versão dele para “Como uma onda”.
Repito, é um tributo merecido. Uma forma de lembrar de uma obra substancial enquanto o artista ainda está vivo para celebrar isso. Celebrar como um menino no meio de ídolos e amigos.