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Resenha: Marilyn Manson - "The Pale Emperor"

Lançado em Janeiro, álbum traz dez faixas inéditas e renova discografia do artista.

Resenha: Marilyn Manson - The Pale Emperor

Dedicado à sua mãe, Barbara J. Warner, que faleceu durante as gravações do disco após uma batalha de oito anos contra a demência, The Pale Emperor (O Imperador Pálido) resgata um Marilyn Manson há muito não visto, tentando renovar seu rock industrial questionador e polêmico mesmo quando seu “lado caipira” vem à tona. A não tão evidente influência que o blues exerce nesse novo trabalho é percebida nos detalhes sonoros, em uma viagem no tempo extraída, talvez, da perda.

Resenha: Marilyn Manson - The Pale Emperor

Quando se trata de Manson, o caminho sempre está aberto às trocentas interpretações cabíveis. The Pale Emperor tem inspiração no imperador romano Constantino, o primeiro a negar a existência de um Deus. Aqui, mais uma vez o jogo de negação à religião, que tanto permeia a carreira do artista, aparece forte. Desde que proclamado “discípulo de satã” por conservadores religiosos americanos, mesmo antes da obra prima Antichrist Superstar (1996), a ironia baseada na blasfêmia que permeia sua obra segue desconstruindo, ou tentando, um imaginário coletivo distorcido por natureza.

Essa sina consolidada implica em um artista repetitivo de certa forma, que mesmo na tentativa de inovar acaba apenas mantendo antigos fãs, saudosos dos tempos áureos do músico nos anos 1990. À época, a questão religiosa e o visual macabro chocavam de outra maneira, mais contundente; hoje o que se vê é apenas a manutenção de algo que ainda funciona, porém, em doses homeopáticas.

Temas como a mortalidade, a guerra, a violência e a escravidão se somam à religião e trazem uma narrativa que amarra bem o disco. Do folclore alemão, tendo o Fausto (Goethe) como ponto de partida, à imagem do Mefistófeles da mitologia grega, a fundição ficcional feita por Manson do homem que pactua com o Diabo com o principal aliado de Lúcifer na Era medieval requinta sua obra e ainda cria margem para interpretarmos como tem sido escrita sua biografia mundo a fora.

Se Marilyn Manson vive ou não sua própria mitologia talvez nunca saibamos de fato. Alguém que sempre soube utilizar a publicidade “negativa” em benefício próprio talvez não consiga inverter as regras, ou não queira.

Co-produzido pelo novo parceiro Tyler Bates, que conheceu durante as gravações da série Californication, o disco saiu pela Hell, etc., gravadora própria de Manson. O nono álbum de estúdio do artista foi lançado em Janeiro desse ano, tem dez faixas, e está disponível para audição online, em CD, vinil e uma versão de luxo limitada com três músicas acústicas como bônus.

Dividido em duas partes, as cinco primeiras canções concentram o peso sonoro do álbum, com alguns contornos soturnos e vocalizações mais agressivas. Na segunda metade, as cinco últimas faixas, o blues que Manson quis imprimir em sua obra é mais bem representado, com faixas mais lentas, e riffs de guitarra mais característicos; tem um quê de The Doors ali no fundo, pouco evidente.

“Killing Strangers” abre o disco como uma espécie de resgate a Mechanical Animals (1998), um dos melhores discos da carreira do músico. “Deep Six”, o segundo single de The Pale Emperor segue com refrões fortes em um estilo mais radiofônico. A faixa é a primeira que liga a obra sonora com a visual, um dos tópicos mais importantes quando se fala de Marilyn Manson. Através do clipe lançado para a música, o que transparece é um certo desapego imagético, menos chocante, mas ainda assim bastante sexual.

Em uma das entrevistas sobre o novo trabalho, Manson afirmou que “não dá pra fazer rock´n´roll sem cicatrizes”. E elas começam a aparecer em “Third Day Of a Seven Day Bing”, mesmo que metaforicamente falando de cicatrizes causadas por três dos sete dias de farra, em referência aos sete dias bíblicos. A faixa é carregada de depressão e excitação. “The Mephestopheles of Los Angeles” merece atenção especial: ela seria a faixa título do álbum. A música é a melhor do disco todo e é responsável por nortear as demais. Mais obscura, suas guitarras ritmadas dão o tom que Manson tenta resgatar. “O meu entendimento de que o rock veio do blues”.

Em “Warship My Wreck” o cantor brinca com sua voz, em um tom rouco como o de alguém sofrendo, em apuros. A faixa fala de cicatrizes da guerra, encerrando a primeira parte do trabalho.

Na segunda metade, Manson anuncia em alto falante o desejo do escravo em ser rei, em um discurso retirado do ensaio de James Allen “As A Man Thinketh”, de 1902. Trabalhada em nuances de euforia e contenção, a faixa se destaca por ser uma das mais industriais.

A fórmula de três partes, bastante característica na obra de Manson aparece em “The Devil Beneath My Feet”: tom baixo, refrão mais explosivo e subversivo, baixa o tom. “Birds Of Hell Awaiting” e “Cupid Carries a Gun” entram para o time de melhores faixas, ao lado de “The Mephestopheles…”. Na primeira, um canto diabólico sempre descendo o volume, obscurantizado. Na segunda, sobre a caça às bruxas, é contemplada com ótimos riffs de guitarra e a sensação estranha de ecoar, como se os velhos tempos não fossem tão velhos assim.

Finalizando The Pale Emperor, a balada gótica “Odds of Even” sussurrada, com sua casa da morte de portas abertas. Sobre a voz amedrontada de Manson, pianos dão um ar gótico à faixa, que encerra o disco. Além da tentativa de inovar e dar uma nova cara e interpretação às origens do rock (blues), na fusão com o rock industrial, nota-se ainda certa deterioração na voz de Manson, menos potente após 47 anos de excessos, ainda mais perceptível em suas apresentações ao vivo.