Com o perdão do trocadilho, a maior vitória que o Dead Fish conquistou com seu novo trabalho foi arrecadar mais de R$250.000,00 em uma campanha de financiamento coletivo para viabilização do mesmo. Nem os próprios membros da banda acreditavam que a quantia destinada à produção do registro (R$60.000,00) seria levantada tão rápido e que mais de 3000 discos já estariam vendidos antes mesmo de finalizados. Entregar um álbum à altura do esperado pelos fãs e colaboradores seria uma tarefa árdua, mas longe do impossível. Afinal, é do Dead Fish que estamos falando.
Ao se deparar com o conteúdo de Vitória pela primeira vez, o ouvinte dá de cara com a pedrada “Selfegofactóide”, que desencadeia as também possantes “Jogojogo” e “912 Passos” numa sequência de tirar o fôlego, servindo como uma bela porta de entrada do registro. É possível evidenciar através dessas duas últimas a influência que a cidade de São Paulo exerceu nas letras do vocalista e compositor Rodrigo Lima. Por mais que o álbum leve o nome da capital do Espírito Santo (terra natal do Dead Fish), é a capital paulista (sede da banda atualmente) que rouba a cena em Vitória, para o bem e para o mal. Temas como agitação, pressa, estresse, busca por racionalidade, vida dupla, e racismo (especificamente na quarta faixa, “Nous Sommes Les Paraibes”) são os primeiros a serem abordados no disco mais paulistano do grupo. Essa identificação com a Terra da Garoa também se deu por conta das presenças do baterista Marcão e do guitarrista Rick, ambos naturais de São Paulo. Os dois ainda não haviam gravado com a banda, mas pareceram bem à vontade juntos dos veteranos Rodrigo e Alyand (baixo).
O ritmo pop punk aparece no novo trabalho por meio da pegajosa “Sem Sinal”. A leveza da faixa logo é interrompida por “Lupita”, que possui refrão forte e pode (mas não deve) passar despercebida. Conforme as músicas se sucedem, nota-se o entrosamento das linhas de baixo de Alyand com os batuques pesadíssimos de Marcão. Na violenta “Cara Violência”, Rick imprime personalidade ao inserir um solo de guitarra próprio do hardcore. Entretanto, nenhuma dessas execuções chama tanto a atenção quanto a sequência inicial.
É a partir da oitava faixa que as coisas voltam a ficar sérias. “Obsoleto” espanca o mais desavisado sem perdão. Um sem número de antigos “zé bermudinhas“ se enxergarão na figura do indivíduo que tinha o mundo nas mãos quando mais jovem, mas abandonou tudo pra seguir uma carreira profissional comum e enfadonha. Se em “Carta de Goldmund a Narciso” (do álbum Metrofire, lançado pelo Dead Fish sob a alcunha de Projeto Peixe Morto) a banda saúda os covardes que tiveram a coragem de cair na estrada e viver uma vida aventuresca, em “Obsoleto” o grupo critica justamente quem adota uma postura oposta. “Kriptonita” também não perdoa, confrontando todos os que em algum momento se acham superiores aos que circulam ao seu redor, seja pela inteligência, experiência ou por outro fator cretino. Depois das pauladas, a música título “Vitória” tenta recolher os cacos e apresentar uma ponta de esperança, oferecendo refúgio dos sufocos da cidade grande, fechando desse modo a segunda sequência de destaque do disco.
A banda volta a bater em “Procrastinando” para depois finalizar o disco com a veloz e pouco atrativa “Sausalito” (cantada parte em inglês) e as músicas “Gigante e Inseguro” e “Pontilhão”. “Gigante e Inseguro” destaca-se por si só, tratando do caos político recente, levado às ruas por militantes de lados opostos. Não é difícil encontrar definições de tipinhos malucos que brotaram nas últimas eleições e principalmente nas redes sociais.
Vitória não é um clássico instantâneo do grupo como o intenso e visceral Sonho Médio, o poderoso Zero e Um ou o mais melódico Afasia. Vale ressaltar que julgar o trabalho de uma banda com mais de 20 anos de estrada sem se atrelar ao material lançado anteriormente é missão muito difícil e até mesmo irresponsável, ainda mais quando esse material é de altíssimo nível. Mais uma vez, é do Dead Fish que estamos falando.
Apesar disso, os integrantes estão frequentemente utilizando a expressão “QUE DISCO!” para se referir ao álbum, mostrando que o hardcore não liga para vãs comparações em resenhas. Talvez a analogia mais válida seja a que o próprio Rodrigo fez ao descrever a formação atual como sendo um time de várzea da Argentina por conta da raça e da garra. É o tipo de esquadrão que pode até não levar o campeonato, mas fica na memória daqueles que se importam com algo mais que estatísticas pretéritas de almanaque esportivo. Vitória foi sintetizado por uma equipe assim.
E não dá pra ignorar a má publicidade que os recentes tweets polêmicos publicados na conta oficial do Dead Fish trouxeram para o registro. Creditadas aos responsáveis pelas mídias sociais do grupo, as mensagens desnecessárias com teor político extremista deflagravam uma segregação que não ia de acordo com as letras cantadas pela banda (vale a pena escutar a música “Canção para Amigos”, do disco Sonho Médio, como exemplo). Numa declaração em resposta, Rodrigo tentou consertar a situação de forma ácida, desagradando mais alguns. Fato é que o vocalista fica mais desbocado a cada ano, o que também pode ser conferido no faixa a faixa do novo álbum que vem sendo postado esporadicamente no site dos caras (conteúdo imprescindível para aumentar a experiência ao se escutar Vitória). Contudo, é surpreendente que nenhum dos ofendidos e exaltados comentaristas de Facebook (ou pelo menos os que apareceram no limite humano de leitura de primeiras centenas de réplicas à declaração) tenha mandado o Dead Fish tomar no cu. Vai ver é porque eles gostam.