Resenha: Sufjan Stevens - Carrie & Lowell

Sufjan Stevens lança sua obra mais confessional, dedicada a sua mãe, Carrie, diagnosticada com esquizofrenia e seu padastro, Lowell, um de seus alicerces.

Sufjan Stevens

Catártico. Esse talvez seja o melhor modo de definir Carrie & Lowell. O termo, de origem filosófica para definir algo como a “purificação pessoal” já esteve presente na história de diversas formas: Aristóteles definiu a catarse como um processo de “purificação da alma”, que só poderia ser experimentada por meio do teatro; Freud a defendeu como um processo de “cura emocional”, alcançada através da expressão verbal, sob terapia. A religião e a medicina também desenvolveram teses parecidas, porém, o conceito sempre é semelhante: se livrar de seus próprios traumas de alguma maneira.

Embora este já seja o sétimo álbum de estúdio de Sufjan Stevens, é apenas aqui onde o multi-instrumentista alcança o seu ápice, o momento de glória artístico e também pessoal. Momento que talvez não volte a acontecer, inclusive. É nele onde toda uma vida envolta de dramas complexos aparecem como um sopro de liberdade, como o divisor de águas para um novo recomeço. É também o primeiro registro onde trata de temas profundamente pessoais, não apenas assuntos genéricos, histórias fictícias, acontecimentos políticos norte-americanos e contos poéticos como em seus volumes anteriores.

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O disco é dedicado à sua mãe, Carrie, diagnosticada esquizofrênica e alcoólatra, falecida em 2012, tendo abandonado a família quando Stevens ainda era criança; e Lowell, seu padrasto, um de seus alicerces na vida e que atualmente é diretor da Asthmatic Kitty, gravadora do artista. Já em sua capa, Carrie & Lowell dá sinais de que o tumultuado álbum de fotos de família precisou ser aberto para que seus demônios surgissem e fossem exorcizados.

Foi com muita sinceridade que o músico colocou toda a carga dramática de sua vida em letras pesadas, com seu folk quase sempre calcado em banjo e voz na criação de um clima bastante intimista. A impressão que chega ao ouvinte é a de estar em um confessionário e, por vezes, emociona tamanha coragem em dizer tudo aquilo. Ainda que o receptor da obra não seja afeito ao estilo musical, seu conteúdo consegue ultrapassar a barreira do “gosto pessoal” e se transforma em algo bastante dual: grande, apesar de simples.

“I forgive you, mother, I can hear you / And I long to be near you” (Eu te perdoo, mãe, eu posso te ouvir / E quero estar perto de ti). Sufjan já na primeira canção, “Death With Dignity”, abre seu coração para dizer que mesmo que tenha sido tão magoado pela mãe, concede o perdão e entende pelo que passou. Essa total doação à sua música aliada à sonoridade atmosférica e dolorida criada pelo músico rendeu muitas críticas positivas, tanto que o disco já é considerado o melhor e mais maduro de sua carreira por 9 em cada 10 resenhas escritas por jornalistas do mundo todo.

Em “Fourth of July”, Sufjan fala do dia da morte de sua mãe. Aqui seu único consolo é enxergar o óbvio, um dia “nós todos morreremos”. A primeira metade do disco carrega todo esse sentimento oprimido, e que agora vem à tona. Nas canções finais do disco, até o tom de voz de Stevens vai se modificando, como se precedendo o choro. Em “John My Beloved”, o músico canta com o coração na mão; para em “No Shade in the Shadows Of The Cross” ser tomado de saudade, aquela saudade quase insuportável que apenas quem perdeu parte tão importante da vida talvez entenda. Ele suplica: “Drag me to hell / In the valley of the Dalles / Like my mother” (Arraste-me para o inferno / No vale de Dalles / Como minha mãe). Encerrando a obra, “Blue Bucket Of Gold” sonoriza ecoando, como se não tivesse fim. Como uma história que ainda precisa de um desfecho, embora nada possa ser mudado até ali.

Lançado dia 31 de Março desse ano, Carrie & Lowell sucede The Age Of Adz (2010), álbum com tendências eletrônicas que não foi muito bem recebido por fãs e críticos. Sufjan tem ainda dois álbuns essenciais em sua carreira para ser entendido como um dos nomes importantes do indie folk contemporâneo: Seven Swans (2004) e Illinois (2005).

Talvez pela dissonância contida em relação ao restante de sua obra, Age Of Adz seja incompreendido. O disco remete à música eletrônica de uma maneira diferente, conturbada, quase insana. Sufjan teve inspiração na arte apocalíptica do artista plástico Royal Robertson, também diagnosticado com esquizofrenia. Embora Carrie & Lowell seja o único disco em que Sufjan fale de assuntos pessoais, Age Of Adz pode ser entendido como um prelúdio, já que a doença da mãe o fascina dessa forma.

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