Resenha: Death Cab For Cutie - Kintsugi

Death Cab For Cutie abraça seus problemas e os traduz em um disco extremamente confessional.

We Are The Rhoads Client: DCFC
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Kintsugi: técnica japonesa para restauração de cerâmicas, utilizando uma mistura com pó de ouro para juntar partes quebradas dessa peça. Esse processo diz valorizar a peça por não esconder sua história, estando presente ali todas as suas imperfeições, bem como entender que o próprio processo de restauração faz parte do seu ciclo de vida.

O título do oitavo disco de estúdio do Death Cab For Cutie não podia ser uma metáfora mais explícita. No fim do ano passado, Chris Walla, guitarrista e produtor da banda, resolveu seguir seu próprio caminho e deixou o grupo. Mesmo assim, Walla chegou a participar da gravação de boa parte das músicas de Kintsugi. Porém, a linha motriz indiscutível no disco é a separação do vocalista Ben Gibbard com a artista Zooey Deschanel (também vocalista do She & Him). Tudo isso se dá na observação das faixas do disco, menos generalistas e mais íntimas, cantadas em sua maioria em primeira pessoa.

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Ben parece por horas exorcizar vários elementos dessa difícil relação com Zooey. Seja expondo a dificuldade de um relacionamento a distância com “Little Wanderer” e suas guitarras espaciais, intensificando essa sensação de distanciamento, ou com as letras de “No Room In Frame”, chamando atenção para o papel de coadjuvante nesse relacionamento com uma artista ao cantar “was I in your way / When the cameras turned to face you? / No room in frame for two“.

É interessante notar a sonoridade da banda que pela primeira vez trabalha com um produtor, nesse caso, Rich Costey, que já trabalhou com Muse, Foster The People e Frank Turner. Temos aqui belos exemplos de músicas com a cara do Death Cab, como “The Ghosts Of Beverly Drive” e suas guitarras e arranjos que nos transportam para “Long Division”, faixa do disco Narrow Stairs de 2008, mas que possui uma notável produção empenhada que cria camadas na música, levando a uma ótima progressão da faixa. É o estilo já conhecido com uma cara um pouco diferente.

Algo também muito presente aqui é a auto referência, nem sempre muito bem aproveitada. Com “Everything’s a Ceiling” temos uma bela faixa que pode ser considerada uma versão um pouco mais eletrônica de “Your Heart Is An Empty Room”, de Plans (2005). Porém em “Hold No Guns” temos como referência o clássico “I Will Follow You Into The Dark”, duas faixas bem intimistas, porém com abismos de qualidade entre si.

Ainda é possível citar “Black Sun” e “El Dorado” como boas faixas com a cara dessa nova produção. Ambas com guitarras que acompanham sua melodia, mas a cada verso que segue, novos detalhes são adicionados, criando camadas e mais camadas de sons. A cada nova audição, novos detalhes são percebidos.

Por isso a cada a vez que você ouve o disco, ele parece melhorar. Não é a primeira vez que isso ocorre com um disco da banda, no meu caso, mas faixas que não considerava interessantes me saltaram aos ouvidos em novas audições, como a já citada “El Dorado” e o pop chiclete de “Good Help (Is So Hard To Find)”. Até chegar na bela “Binary Sea”, que encerra o álbum lançando certas metáforas que podem ser atribuídas ao encurtamento de distâncias que a tecnologia trouxe e nossa vivência nesse mundo virtual.

E isso é Kintsugi. Um disco com mais acertos que erros e que não tenta escondê-los em momento algum. Nas faixas auto referenciais que acertam ou não e também na presença de músicas nada memoráveis (“You’ve Haunted Me All My Life” e “Ingenue”).

Esse é o trabalho do Death Cab For Cutie que encontra beleza em suas imperfeições e problemas, aceitando-os como parte do que ele é, como o próprio baixista Nick Harmer já disse. Hoje, o considero um bom álbum da banda. Sincero e mais confessional, abraçando toda a vivência do grupo, tal qual a técnica japonesa.