Lembre de você mesmo aos 16 anos. Do sonhar com “o que você vai ser quando crescer”, do descompromisso com as inevitáveis e crescentes responsabilidades, lado-a-lado à inquietude promovida pela confiança cega de que viver nesse mundo não deve ser tão difícil como os adultos fazem parecer. Pequenas conquistas te fazem a pessoa mais feliz do mundo, e qualquer derrota é pesada demais, até que o tempo passa e seus maiores questionamentos soam bobos – nem você se reconhece ali. Como a todos que sobrevivem os anos pós-puberdade, foi mais ou menos isso que aconteceu a Daniel Johns, ex-líder e mentor artístico do Silverchair.
Herdeiro próximo demais do grunge, o trio australiano despontou logo em 1995, quando a indústria fonográfica se descabelava para manter a geração Seattle – um fenômeno espontâneo transformado em mina de ouro – distante do luto por Kurt Cobain. Enquanto os grupos remanescentes ruíam ou se afastavam dos holofotes, Daniel, Ben e Chris, todos nascidos em 1979, brincavam de tocar aquilo que mais admiravam à época, com doses generosas de raiva e frustração adolescente. Legítimas, ainda que rasas. Ao vencer uma competição promovida por uma rádio, tornaram-se estrelas; naquele ano, saía Frogstomp, o disco de estreia do grupo.
A transformação do trio juvenil em banda de gente grande aconteceu a olhos vistos. Freak Show (1997) reverberava os ecos do antecessor com maturidade e mais peso. O blockbuster Neon Ballroom (1999) antagonizava baladas sofridas (“Miss You Love”, “Ana’s Song”) com épicos dramalhões progressivos (“Emotion Sickness”), a deixa para a grandiosidade do excelente Diorama (2002).
Após uma pausa para projetos paralelos e para se distanciar da adolescência, o grupo retornou completamente reformulado em Young Modern (2007). Ousado e inventivo, o álbum reúne algumas das melhores composições da carreira de Johns, mas não desceu muito bem. A maioria dos fãs não via o Silverchair ali, e a banda não se via mais na história que construiu. Nesse impasse, o grupo ainda saiu em turnê e arriscou novas composições, mas alguma coisa parecia fora do lugar, e em 2011 a banda anunciou o fim, travestido do tal “hiato indefinido”.
Quatro anos depois, Daniel Johns reaparece com o primeiro álbum solo da carreira, o recém-lançado Talk. Saudosos, os fãs do Silverchair se animaram com o retorno do ídolo, mas encontraram, obviamente, algo completamente diferente. Para começar, é difícil identificar qualquer som no disco que não seja processado digitalmente. As guitarras, quando aparecem, estão completamente escondidas entre beats, reverbs, wobbles e delays. O pós-grunge virou pós-tudo, com pós-dubstep, synthpop, neo-R&B e afins na mistura.
Durante todo o disco, Daniel passeia pela fronteira entre os lados pop e experimental da música eletrônica. Em “Aerial Love”, ele fala sobre relacionamentos abusando de sintetizadores e falsetos, fórmula similar à utilizada nas boas “Too Many” e “Cool On Fire”. Às vezes arrisca mais como em “We Are Golden”, “Sleepwalker” ou “Good Luck”, Daniel acerta; mas vacila em composições pobres e arranjos óbvios como em “New York”, “By Your Side” e “Warm Hands”.
Desde os tempos de Silverchair, Johns tem uma aptidão nítida para criar ganchos colossais, e quando permite que isso transpareça em Talk, acerta. “Preach” chega a conversar com o indie alternativo moldado para grandes festivais, enquanto a ótima “Imagination” vai crescendo aos poucos do intimismo à ebulição. Em contraponto, o new wave de “Dissolve” soa cansado desde o princípio, e as batidas datadas de “Faithless” agregam pouco ao resultado final.
Ainda que mereça louros por não se acomodar artisticamente, Johns parece levemente desnorteado em Talk. Se antes exagerava nas referências a Nirvana e Stone Temple Pilots, hoje Daniel bebe excessivamente das fontes de The Weeknd, Frank Ocean, D’Angelo e James Blake, mais uma vez reflexos evidentes do momento musical que vivemos.
É um álbum primorosamente produzido, com timbres equalizados à perfeição, mas ainda carece de identidade própria para se tornar o disco que vai tirar a pecha de “ex-Silverchair” do cantor. É um passo feliz na busca constante pela identidade de um dos mais inquietos compositores do universo do rock alternativo, mas não o bastante para dissociá-lo de quem foi.