Falar do último álbum do gaúcho Wander Wildner (Existe Alguém Aí?, lançado em Março de 2015) não requer muitas delongas. Basta saber que o músico, no esplendor dos seus 55 anos, apresentou ao público o seu primeiro disco conceitual, com sua visão das pessoas, da sociedade e dos sentimentos humanos pincelando todas as faixas.
Já de cara a introdução de teclado que abre o registro transporta o ouvinte para uma Porto Alegre distópica tomada pela água da chuva. “Réquiem para Uma Cidade” é quase tão melancólica quanto “Five Years” de David Bowie e se assemelha a esta última por conta da total ausência de perspectiva anunciada na canção. Se já é comum Wander iniciar seus trabalhos através de músicas que mexem com as emoções de quem está escutando (a exemplo do humor depressivo de “Mantra das Possibilidades” e da alegria genuína de “Rodando El Mundo”), a faixa número um de Existe Alguém Aí? não é exceção. Seu último verso, repetido várias vezes, causa comoção de qualquer um que tenha ao menos um pingo de sensibilidade.
“Naquela Noite Ela Chorou” faz jus ao título e se apresenta como mais uma balada triste. A personagem descrita na letra, que pranteou a noite toda, se vê sem chão e com o futuro comprometido. O motivo? A derrota de Olívio Dutra para Lasier Martins (aquele mesmo que foi eletrocutado na Festa da Uva) nas eleições para o senado do Rio Grande do Sul em 2014. Se a escolha da maioria não foi o que lamuriosa mulher esperava, muitos também a acompanharam no lamento (inclusive o próprio Wander, que deixa aqui bem clara sua posição política), respondendo explicitamente a pergunta desafiadora lançada no nome do álbum. Existe alguém aí? Sim.
O riff de guitarra que anuncia a música seguinte gruda na cabeça muito rápido. Caso os tempos fossem outros, “Numa Ilha Qualquer” provavelmente seria um hit de Wander. Na faixa (uma das melhores do disco), é contada a história de um amor platônico nada obsceno com pouquíssimas possibilidades de progressão por conta da distância, mas “algo no fundo diz que é possível”. Prato cheio para os sonhadores apaixonados de plantão que vivem da própria esperança. “Uma Angústia Presa na Garganta” é quase tão chiclete quanto sua predecessora, e também é protagonizada por uma pessoa sofrida e sozinha, que no fim resolve tomar uma atitude para revitalizar sua vida. É interessante notar que o futuro da garota não fica evidente e não dá pra medir o impacto que sua decisão teve. Só se sabe que ela tentou.
Wander continua contando histórias sobre indivíduos solitários em “Sua Própria Companhia” que lembra muito a fase mais roqueira de sua carreira como artista solo. Desta vez, o músico é apenas observador (o que não o impede de demonstrar preocupação e interesse) do estilo de vida de um homem isolado. Na sequência, “Vivendo 100% Cada Momento” mantém a pegada punk e apresenta mais uma garota, que abandonou tudo para buscar um amanhã melhor. E para concluir a sucessão de faixas velozes, é apresentada a fórmula para um modelo de existência alternativo em “Plantar, Colher e Depois Dançar” (destaque para o som dos metais nesta última).
O ritmo intenso é quebrado com a canção “Ela É Uma Phoenix” (outra das melhores de Existe Alguém Aí?), onde é apresentada a figura messiânica da ave lendária, que luta contra as injustiças e abusos, a ponto de sacrificar sua própria vida e conforto pelos ideais e pelos menos favorecidos. No refrão, os teclados são realmente mágicos e emulam o som tocante do violino. Tudo isso para voltar ao rock sujo em “Sobrevoando As Ruas da Cidade”, pois se o álbum carecia de uma música “porra loca” (sem os exageros habituais de Wildner), a faixa 9 dá conta do recado.
Com “Saudade”, o músico consegue encerrar o seu novo disco em grande estilo. Evocando mais uma vez o sentimentalismo do ouvinte, o bonito som iniciado de forma acústica fala da brevidade dos momentos e de recomeço. Um final digno de um dos mais coesos trabalhos da carreira solo consistente de Wander Wildner, que não se perdeu em somente alguns lapsos de genialidade como em registros anteriores.
Em Existe Alguém Aí?, o ex-Replicante é mais rock e menos folk (gênero que permeou quase a totalidade de seus dois últimos álbuns) e também um amigo para as pessoas solitárias. Retratando os temas que lhe convém com uma sinceridade quase que inocente e um senso de justiça heroico, Wander representa a própria fênix, encarnando tanto a tristeza quanto a esperança. Com a popularização da “sofrência”, talvez o momento seria ideal para que o artista propagasse sua mensagem pelo país e não retê-la apenas na região Sul.
Em tempo: Wander Wildner fará o show de lançamento do disco em São Paulo no dia 23 de Julho no Sesc Pompeia.