O começo dos anos 90 trazia uma depressão sem fim para a cena nacional: a inflação destruía as esperanças do povo e aumentava o preço de tudo, os grandes nomes do rock da década de 80 estavam perdidos e o sertanejo dominava as rádios de todo o país. Não havia como prever um futuro para o rock, que tinha trazido tantas bandas boas para a safra brasileira há menos de 10 anos. Bom, foi aí que a necessidade de encontrar novos nomes e a vontade de criar algo fizeram com que um cara percebesse que tinha um movimento completamente diferente surgindo e desse a cara a tapa para trazer essa galera à frente dos holofotes. O nome desse cara é Carlos Eduardo Miranda e o jeitinho que ele deu se chama Banguela Records.
As misturas rítmicas que deram voz ao rock mais brasileiro de todos os tempos, a originalidade vinda do Recife, de Belo Horizonte, de Curitiba, de Brasília e de tantas outras terras longe do eixo Rio/São Paulo se juntavam em um estúdio / escritório em um bairro paulista para dar vida à Banguela Records. Ali, músicos produziam músicos, toda a galera da cena se reunia para tomar cerveja, comer pizza e jogar conversa fora, tocando e criando alguns dos grandes sucessos que a música brasileira veria naqueles tempos. Tudo isso capitaneado por um maluco suficientemente desprovido de razão para “lançar” um selo com direito a matéria de capa da Ilustrada sem nenhuma garantia nem da banda que o apoiaria nem da gravadora que o abrigaria. Ainda bem que o Miranda tem esses surtos, não é mesmo?
No documentário do jornalista Ricardo Alexandre, “Sem Dentes: o Banguela Records e a turma de 94″ temos todos os contornos de uma história que pouca gente conhecia a fundo, mesmo aqueles que viveram a época: como um selo criado por um colunista da Bizz e pelos Titãs encontrou uma das maiores bandas da história do Brasil e lançou tantos nomes quanto fossem possíveis em apenas um ano de existência? O trabalho de Alexandre nesse sentido é preciso: conta a história do rock brasileiro dos anos 90 pela boca de diversos personagens que viveram e que fizeram essa história.
Com depoimentos do próprio Miranda, além de Charles Gavin e Nando Reis, dos Titãs, o jornalista André Forastieri e os músicos Gabriel Thomáz (Little Quail / Autoramas), Samuel Rosa (Skank), Fernanda Takai e John Ulhoa (Pato Fu) Canisso e Digão (Raimundos) e Dado Villa-Lobos (Legião Urbana / Rock It Records) entre outros, dão forma ao longa de 121 minutos que tenta explicar um dos melhores, mais ricos e mais adversos momentos do rock nacional. O resultado enche os olhos: um filme engraçado, cheio de boas memórias e essencial para quem quer entender o que aconteceu com a nossa música num dos períodos mais criativos que ela já viveu.
Mas bora parar com o saudosismo e deixar de lamentar o leite derramado ok? A mensagem do filme é muito mais “levanta e anda” do que “nós já fomos melhores”: temos tempo, bandas, cena e experiência para criar um novo Banguela. Quem está preparado para o que pode acontecer?