Fotos por Doni Maciel
Resenha por Paulo James
“Estão todos contratados, filhos da puta!” Foi com esse “elogio” – e com a cumplicidade típica de parceiros do crime -, que Marcelo Nova encerrou “Só o Fim”, depois da plateia cantar em coro toda a letra, sob o olhar admirado do vocalista do Camisa de Vênus, que mal e mal precisou soltar a voz durante a música.
Tipo uma hora e meia antes dessa cena emblemática, os arredores do Auditório Araújo Vianna não davam sinais muito animadores no quesito presença de público. Alguns malucos old-school reunidos na boa e velha Lancheria do Parque (uma das poucas que resta da Era de Ouro da mítica Av.Osvaldo Aranha), mais uns outros vagando pelo Parque da Redenção, mas nada daquela muvuca que antecede as grandes noitadas.
Mas, porém, contudo, todavia, em pouquíssimo tempo o clima mudou! Faltando pouco pras 21h, começou uma verdadeira procissão na passarela que leva ao portão do Araújo: batalhões de fiéis e estranhos marchando numa fila desordenada e ininterrupta. Emoção, expectativa e aromas diversos no ar. Na garganta de todos, aquele bordão sacana, esperando a hora certa pra sair. E na cabeça de muitos, um assunto predominante – o antológico show de 1984, que rolou naquele mesmo local há mais de 30 anos.
Quem não foi, no mínimo já ouviu falar da bombástica estreia do Camisa em Porto Alegre. Os maiores jornais da cidade trataram de relembrar o fato – 7 mil pessoas, lotação esgotada, alucinação coletiva, show extra dois dias depois, e mais 15 mil insanos tomando de assalto um ginásio apenas seis meses depois (maio de 1985). Fenômeno alternativo, sem concessões, fora dos trilhos e das grandes estruturas de gravadoras e mídia.
E o significado do Camisa naquele 1984 era fodástico. Num contexto de plena censura, muita caretice, poses e bons modos, o nome da banda já ofendia o cidadão mediano. A urgência e a tosquice do punk e correlatos também ofendiam. E os palavrões – ahhh, os palavrões -, esses ofendiam lindamente! E era exatamente o que o público queria: extravasar o lado sujo e sacana da vida, os assuntos engavetados, proibidos pelos generalões de plantão.
De volta a 2015, as luzes se apagam, a banda entra e manda um instrumental marcado pelo bumbo, e logo a geral entoa o cláááássico “Bota pra Fudêêêêêê!”. Depois dela, um desfile de hinos – “Bete Morreu”, “Hoje”, “Rosto e Aeroportos”, “Negue”, “Muita Estrela, Pouca Constelação”, “Simca Chambord”, “Silvia”, “Deus Me Dê Grana”, “Passatempo”, “O Adventista”, “Gotham City” e por aí vai.
Faltou coisa? Sim, faltou. Mas é óbvio que seria impossível tocar todas.
Nessa turnê de 35 anos, Marceleza e Robério Santana (baixo) são os remanescentes da formação original. A banda de apoio, que conta com o filho Drake Nova (guitarra), segura muito bem a onda, e a presença de espírito (e de palco) do líder do Camisa é o motor principal do show. Ele e a cumplicidade dos fãs, povaredo sedento pra reencontrar velhos ídolos e comparsas.
“Eu Não Matei Joana D’Arc” ficou pro encerramento, a pedrada derradeira, com uns 4 ou 5 finais fake e sem espaço pro bis. “Todos nós sabemos que essa história de bis é ensaiado. Não vamos fazer essa palhaçada”. A língua de Marcelo Nova, ainda bem, continua pra lá de afiada, e segue destilando boas histórias pra quem gosta de celebrar a vida como ela é.