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Resenha: Tame Impala - Currents

Em seu terceiro disco, o australiano Kevin Parker mostra coragem e talento para trabalhar de forma primorosa com novos elementos e estilos.

“Hype”. Essa palavrinha sacana é derivada de “hyperbole”, ou a boa e velha hipérbole, “figura de linguagem que incide quando há exagero propositado em um conceito para definir algo de forma dramática.”

No mundo da música, o hype virou sinônimo de bandas que, normalmente através da crítica e mídia especializada, são propagadas à exaustão, até que o maior número possível de pessoas esteja pelo menos sabendo quem é o grupo ou artista.

Muitas das vezes o hype se traduz em bandas que acabam não fazendo jus à atenção que recebem, mas volta e meia aparecem os acertos através de nomes que provam sua consistência e competência através de bons lançamentos consecutivos. Por ironia, aí a palavra hype nem se aplica mais, já que não há exagero em exaltar o artista que merece a atenção que recebeu.

Chegamos então ao Tame Impala, do australiano Kevin Parker, e se alguém provou ser muito mais que o hype, é esse cidadão.

Com seus dois primeiros discos de estúdio, principalmente o recente Lonerism de 2012, o Tame Impala se colocou entre os nomes mais importantes do mundo, com seu rock psicodélico e traços de pop que emplacaram hits como “Feels Like We Only Go Backwards”, “Mind Mischief” e “Elephant”.

Logo o grupo estava tocando nos principais festivais do planeta, aparecia nas principais publicações de música com destaque e era o nome queridinho dos fãs de rock alternativo. Tudo que uma banda quer, na verdade, mas uma verdadeira armadilha para quem não tem substância.

Três anos se passaram de lá pra cá e de maneira ágil, Parker se desviou dessa armadilha e apareceu com o terceiro disco da carreira, o ótimo Currents.

Em seu novo disco, Kevin Parker resolveu embarcar no modo “lobo solitário” e se inspirou no seu belo home studio para fazer, literalmente, tudo no álbum. Ele compôs, tocou, gravou, produziu e mixou o terceiro disco de sua banda de maneira impecável.

A faixa de abertura “Let It Happen”, aliada à curta “Nangs”, na sequência, mostra que não apenas Kevin Parker tornou-se ambientado com o estúdio e melhorou muito dentro dele através de todas as suas instrumentações e efeitos, como também já pensou nas performances ao vivo do Tame Impala daqui pra frente.

Ambientações, refrães, camadas, repetições e efeitos dos mais diversos são dosados na medida certa para que a canção saia fortalecida do caldeirão.

As guitarras estão mais escassas, e Kevin trabalhou muito mais com o sintetizador do que com as seis cordas nesse álbum, resultando em um disco mais voltado a estilos ligados ao pop, dance e R&B, algo com o qual o Tame Impala flertou em trabalhos anteriores de maneira mais tímida.

Como consequência aparecem canções sensacionais como “The Moment” e até mesmo a balada “Yes I’m Changing”, que revela outro lado do álbum, as letras bastante pessoais do seu autor. Aqui, ele conta sobre como está mudando, está mais velho, está “seguindo em frente”, e conversa com outra pessoa dizendo que o destino dos dois não dará certo, mas que há um outro futuro para ela lhe aguardando.

Em uma espécie de continuação da conversa anterior, vem a levemente mais roqueira “Eventually”, com uma letra que fala sobre a dor de Kevin Parker em partir um coração mais uma vez, mas o consolo na forma de que “eu sei que serei mais feliz, e você também, eventualmente”.

“Gossip” é outro interlúdio muito bem colocado antes de “The Less I Know The Better”, outra canção dance muitíssimo bem produzida que segue a temática pessoal com força total e mais letras sobre os relacionamentos de Parker.

O bizarro ainda dá as caras em Currents na forma de “Past Life”, uma fala cheia de efeitos, as camadas psicodélicas que caracterizam o som da banda e mais uma grande performance vocal do australiano, antes da curta e deliciosa “Disciples”.

Um dos primeiros singles do álbum, “‘Cause I’m A Man” chega como uma espécie de explicação para as besteiras que o autor fez com suas parceiras citadas anteriormente e um clima propício, e quente, para a possível reconciliação.

“Reality In Motion” faz bom uso da estrutura clássica de verso, refrão, verso, refrão e ponte, enquanto “Love/Paranoia” vai chegando ao final do disco com muito do R&B e da música pop presentes.

Para finalizar, Kevin Parker mostra “New Person, Same Old Mistakes”, canção com a cara do disco que tem três “caras” diferentes. Ao mesmo tempo em que fala sobre um novo amor que pode ser o de um casal, também dá ênfase às novas influências do músico para seu trabalho, principalmente do pop, e a expectativa de que as críticas dos fãs mais puristas serão inevitáveis:

Já posso ouvi-los agora
“Como você pôde nos decepcionar?”
Mas eles não sabem o que encontrei
Ou têm essa visão
Sentindo isso tomar conta
Tudo que eu costumava odiar

A terceira “face” da última canção vem na forma de que, segundo o próprio Kevin Parker, essas “pessoas” que irão falar mal da nova fase podem ser, na verdade, pensamentos conflitantes dentro de sua própria cabeça, em uma amostra clássica de como todos temos problemas com as mudanças em nossas vidas.

Kevin Parker tem 29 anos de idade, e com Currents, novo disco do seu projeto, conseguiu consolidar uma carreira interessante antes dos 30, se livrando das amarras e de rótulos que o consagraram, como a nova onda do rock psicodélico que influenciou bandas no mundo todo, e dando chance ao “seu novo amor”, e a elementos com os quais se sentiu à vontade nessa nova fase.

Não é muito comum encontrar músicos e artistas com essa coragem e, principalmente, esse talento para caminhar tão bem em aspectos distintos da arte. Esquece o hype, essa banda é mais do que você imagina.