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Entrevista: Peixefante - um novo reflexo da psicodelia goiana

Confira um bate papo com os 5 goianos do Peixefante, que estão chamando a atenção de muita gente com a sua sonoridade.

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A palavra amálgama, refere-se a uma mistura de elementos diversos. E nada melhor do que esta palavra teoricamente ‘difícil’ e exótica para definir uma das novas surpresas do cenário musical goiano, o quinteto Peixefante. Formado por Arthur Ornelas, Erick MagalhãesLuique, Lipito e Waltim (Tuíra), a banda é uma mistura de diversas influências musicais, que passeiam da música brasileira ao rock progressivo internacional. Com uma atmosfera espacial, Peixefante consegue prender a atenção dos ouvintes com seu primeiro lançamento, um EP de meia hora que conta uma história baseada em reflexões sobre o universo, lendas maias e algumas outras viagens adicionais.

Com pouco tempo de estrada e apenas um EP lançado, os goianos já chamaram a atenção de um grande público por mesclarem uma pegada mais pop e eletrônica ao rock psicodélico que parece ter voltado à tona com toda força nos últimos tempos. A produção musical goiana se destaca no cenário nacional mais uma vez ao investir em detalhes inovadores e letras cantadas em português.

Confira abaixo uma entrevista com a banda:

Por que escolheram o nome ‘Peixefante’?

Lipito: A definição do nome veio depois de termos escolhido o nome. Estávamos brincando de juntar palavras.

Arthur: Uma pessoa fala um nome nada a ver e a outra fala outro e a gente junta. Tipo: cerveja, mesa, cervesa. Em uma brincadeira dessas alguém falou Peixe e Elefante. Daí saiu peixefante e a galera curtiu. Depois disso fomos pensar em um significado para o nome, e podemos dizer que “é uma fusão de animais que quer dizer uma mutação, que é o que queremos transmitir com o nosso som”.

Luique: Além disso, um dia os meninos estavam fazendo uma pesquisa na internet e apareceu lá “peixe elefante”. E aí foi tipo um sinal.

Arthur: O Lipito é o cara dos sinais.

Lipito: Se alguém acha feio ou ruim o nome, digamos que é melhor do que ‘Didi Subiu no Cristo’, ‘Sinistros Empurradores de Contâiners’, ‘Dark Pororoca’, ‘Mu’… tudo isso já passou perto de ser nosso nome por algum tempo.

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Dizem que deve ter alguma coisa na água de Goiânia que grande parte das bandas agora está virando para um lado mais psicodélico.

Lipito: É o Césio.

É, pode ser. Mas vocês resolveram investir nesta vertente musical inserindo um pouco mais de tecnologia, batidas eletrônicas, algo mais digital e menos orgânico que o habitual. A que se deve esta escolha?

Arthur: A visão do estilo psicodélico ficou muito presa àquela vibe retrô, psicodelismo dos anos 60, 70, que hoje para a gente é retrô mas na época bandas como Pink Floyd, Jefferson Airplane e YES já usavam instrumentos que na época eram coisas muito inovadoras. Eram os caras que estavam fazendo “música do futuro”. A gente agora segue meio que o espírito destes caras, só que usando instrumentos mais tecnológicos, baterias eletrônicas, computadores e vários outros meios que vão refletindo esta inovação de elementos.

Sobre o processo de composição de vocês, como funciona?

Arthur: A composição do EP Lorde Pacal, em particular, aconteceu da seguinte forma: sempre tocamos juntos, fazendo jams e tal, mas eu sempre gostei muito de composição. Sou mais fã de compositores do que de músicos. Eu escrevi as músicas então, mostrei para os meninos e falei: vamos gravar. Algumas músicas minhas já estavam quase prontas para gravar, o resto tentamos produzir seguindo a mesma vertente e com a letra os meninos me ajudaram em algumas partes.

Lipito: O legal foi que tudo aconteceu meio que em conjunto, criando as coisas tudo junto e na hora. As músicas foram se transformando assim.

Arthur: Como tínhamos os equipamentos todos aqui no estúdio, o Lipito entende de mixagem, eu gosto disso também… pensamos: não precisamos de ninguém para gravar isso para a gente. Podemos não gravar naquele nível Hollywoodiano, mas vai ficar um negócio organizado. Sentamos no estúdio então e fomos gravando as coisas juntos até virar algo.

Vocês tiveram alguma dificuldade por fazer tudo de forma independente?

Tuíra: Eu acho que foi bem melhor ter sido assim.

Lipito: O mais difícil da nossa produção independente foram os contatos, porque passamos um bom tempo vivendo ‘dentro de uma bolha’ e por isso não temos contato para, por exemplo, tocar fora. Esse é o difícil do independente.

Arthur: Mas no sentido de fazer as músicas, acredito que foi a melhor escolha. Você não está preso a prazos, tempo de gravação, tempo de ensaio, tempo de estúdio. Teve dia que a gente chegou aqui cedo e ficou no estúdio até as 5h da manhã. O melhor de ser independente é ter independência, não ter ninguém dando pitaco, poder fazer do jeito que a gente gosta mesmo. E pela falta de contatos, como o Lipito disse, tivemos que ‘ganhar os caras com a música’, o que é difícil, porque as vezes nem escutam sua música se não tiver alguém indicando.

Lipito: No dia que lançamos a primeira single, “Por debaixo da blusa”, pensamos: vamos mandar para todos os amigos que temos no Facebook. Fomos de janelinha em janelinha pedindo pro pessoal ouvir nosso som.

Arthur: A recepção que tivemos no primeiro show se deve muito à divulgação boca a boca que aconteceu, coisa que a gente não esperava. Estávamos controlando apenas pelo que nossos amigos falavam, pelos views de Youtube… Chegamos no show e a recepção foi bem melhor do que podíamos esperar. Modéstia parte, o trabalho também foi muito bem feito e muito bem pensado pela gente, até os vídeos das músicas que tivemos cuidado para acompanhar a vibe da música apesar de ser totalmente amador. Tentamos prender a atenção do público com nossas músicas.

Luique: A gente investiu não só no álbum, na parte musical, mas também no lado literário, no audiovisual, para envolver as pessoas na história que contamos.

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Vocês pensam que sair da produção independente hoje em dia é uma boa proposta?

Arthur: Depende da proposta. A nossa ideia, por exemplo, é estar sempre mudando, não queremos um estereótipo, não queremos perder nossa identidade independente. O nosso próximo disco é uma proposta diferente. Uma gravadora, uma produtora, poderia padronizar o trabalho e acho que o que chamou a atenção para a gente foi isso, uma música ser bem diferente da outra, não seguindo um padrão.

E o álbum de vocês é um álbum conceitual, conta uma história. De onde vocês tiraram inspiração para fazer este disco?

Luique: Na verdade o primeiro estopim surgiu de um filme que assistimos juntos: “Interestelar”.

Arthur: O melhor do filme, inclusive, é a trilha sonora. Tem aquele negócio hollywoodiano do cara bonzinho, do cara mal, da mocinha… mas a história em si, se você parar para prestar atenção, é bem foda.

Luique: Se você assistir este filme você levanta questionamentos sobre a vida, sobre como o mundo surgiu, questionamentos que todo mundo faz uma hora ou outra mesmo que seja em pensamento. No nosso álbum a gente faz um pouco disso, tentar buscar a gênesis desses questionamentos, lá nas civilizações antigas com suas teorias e profecias. Surgiu daí, queríamos contar uma história e começamos a nos basear a partir desta ideia.

Arthur: Já tínhamos algumas músicas e o conceito se encaixou depois destas músicas já feitas. Percebemos que as músicas tinham uma linguagem espacial, remetiam ao espaço tanto em sua sonoridade quanto em suas letras. Depois de assistir o filme, peguei um livro que tenho lá em casa, chamado “As Profecias de Tutankhamon“, que fala sobre milhões de coisas entre elas os conhecimentos dos maias, egípcios e maçons. O primeiro capítulo deste livro é um resumo de um livro anterior do mesmo autor, que fala sobre o Lorde Pacal, um deus maia que de acordo com a profecia era o rei de uma determinada época, era chamado de serpente emplumada (que é quem desce dos céus trazendo o conhecimento) e daí resolvemos contar esta história. Como no EP as letras falavam muito sobre viagens espaciais, resolvemos fazer uma proposição para as pessoas tentarem imaginar o que poderia acontecer se fizéssemos uma viagem para fora da terra por muitos anos e voltássemos. Por causa da questão de relatividade do tempo, as vezes na viagem passaram 10 anos e aqui na terra já se passaram milhares de anos. A ideia é pensar no que poderia acontecer: os seres humanos estariam muito mais evoluidos? O ser humano estaria extinto e o mundo dominado por outra raça? Na história do nosso EP quando o homem volta para casa o mundo não é mais o mesmo, está tudo completamente diferente. Na nossa história a humanidade foi extinta e o homem, que era a raça dominante na época que saiu da terra, volta ao seu local de origem como esta tal serpente emplumada, saindo de uma nave, vestindo aquela roupa espacial e daí ele sabe de coisas que mais ninguém neste novo mundo saberia. Ele vai ser visto como um Deus descendo para dar o conhecimento, mas na verdade é apenas um ser humano.

Luique: No fim das contas, isto é um ciclo. A gente não sabe… podemos ter agora serpentes emplumadas passando ensinamentos do mundo em que vivemos hoje.

Arthur: Este próprio livro diz que Jesus era uma serpente emplumada, Buda também, e apresenta vários outros ícones religiosos da humanidade como esta figura da serpente emplumada. Ele traz uma lógica, na forma como ele explica, que esta figura é sempre o mesmo ser, mas vem em formas diferentes. Inclusive, em 2013 quando teve aquele negócio do mundo acabar, a profecia maia real dizia mais ou menos que este cara iria voltar.

Tuíra: É o bug do milênio.

O que vocês acham que é necessário para bandas novas se destacarem no cenário musical?

Erick: Eu estudo musica já há muito tempo e a banda que eu mais curto até hoje é Pink Floyd. Isso é porque eles são uma banda completa. Você pega a capa de um disco deles e pensa: que capa massa.  Ai você lê as letras e pensa: que letra doida. Aí você ouve a música e pensa: que louco. Todas as artes estão juntas em um pacote só. Então, quando você pensa nisso de juntas todas as artes, você para de pensar no comércio. Você não precisa estar em São Paulo, Rio de Janeiro, New York, para gostarem do seu trabalho. O que é bom vai ser visto, vai se espalhar. Se você faz uma coisa incrível com a arte, para você isso já basta e daí isso começa a contagiar todo mundo.

Qual o formato preferido de vocês (digital, CD, vinil) ?

Arthur: Todo mundo aqui quer prensar o EP.

Tuíra: É bacana este tipo de lançamento físico, você chegar na loja, na banquinha de vendas, ver o CD lá, poder pegar, tudo embaladinho, com alguma arte na capa…

Arthur: A partir de quando a banda começar a render alguns trocados, queremos gastar estes mesmo trocados com divulgação, prensagem de CD, camisetas…

Lipito: Por um lado, o advento da pirataria foi muito bom. As pessoas conseguem colocar mil músicas em um pendrive minúsculo.  Mas tem a parte ruim do MP3 que é a qualidade. Para quem não conhece muito de música, isso não faz diferença, mas a qualidade de uma música em CD é muito maior.

Erick: E nem é só isso. Se você não conhece a banda, nunca ouviu o trabalho e pergunta: O que vocês fazem? É mais interessante eu pegar um CD e falar ‘este aqui é o meu trabalho’ ou só dizer ‘entra no Youtube, digita Peixefante e você vai ver’. A segunda opção parece que não é real, a pessoa pode se esquecer rápido… com o CD em mãos não é assim.

Arthur: Desde o desenho da capa até a música, tudo deve andar junto. É legal ter este pacote físico onde você pode somar uma coisa à outra, acoplando as letras ali no meio também. Escutar a música vendo a arte, entendendo a letra, é outra coisa.

Luique: Eu sou publicitário e vejo que nisso de mídia, se você quer divulgar alguma coisa, você tem sempre que evoluir, se destacar, sendo diferente. Na Era da Informação onde vivemos é cada vez mais fácil ‘ficar para trás’. Não é que a gente acredite apenas no CD físico, até porque os estudiosos de mídia e tecnologia acreditam que o CD já seja uma mídia extinta. Mas uma fatia do mercado, aqueles que realmente apreciam a música (que é em grande parte quem a gente quer atingir), gostam do CD, do vinil… gostam desta nostalgia. A prova disso é que bandas atuais estão lançando LP’s, vitrolas estão voltando a ser vendidas. Mas para atingir todos os públicos, é interessante investir em todos os formatos possíveis. Não podemos deixar de lado o digital, a divulgação em internet.

Qual é a melhor forma de experienciar o som do Peixefante?

Arthur: O ideal seria escutar tudo de uma só vez, como se fosse uma história mesmo, com bastante atenção às letras e à capa. Além disso, as músicas seguem uma ordem. Até mesmo em nossos próximos shows a ideia é nos prendermos mais a esta ordem, tocando o disco de forma cronológica e explicando um pouco da história do disco no palco.

Luique: A história é contada por um CD inteiro. Então, o que esperamos das pessoas que realmente querem apreciar, é que escutem o CD inteiro.

Arthur: Se milhares de pessoas ouvirem só nossa música que é mais pop, mais bonitinha, não atingimos nosso objetivo completamente. Agora se 10, 20, 30, curtirem a história como um todo, as músicas na sequência… esse sim é o público que vai esperar seu próximo trabalho, vão querer saber o que você está produzindo.

Vocês veem alguma banda goiana servindo como influência para o som de vocês? E quais vocês recomendariam para escutarmos?

Tuíra: Na verdade, tem uma galera que costuma falar que nosso som lembra algo do Boogarins. Só que acho que nosso som tem uma veia um pouco mais virada para o pop. Em geral não conhecemos bandas aqui que tenham um som mais parecido com o nosso do que eles. Agora para indicar, eu diria: Cambriana, Boogarins, Carne Doce, Dogman… Essas que sempre estão tocando por ai. Ficamos fora dessa cena por muito tempo, então não conhecemos muita coisa atual.

E sobre o próximo trabalho de vocês, o que já podem divulgar?

Arthur: Já tem um conceito e um nome. O nome é “O Macaco Humano”e o conceito seria a mesma história do Lorde Pacal, só que desta vez não seria contada por quem está saindo da terra para fazer a viagem, mas sim na visão de quem ficou.

Tuíra: É o início do final. Um outro ângulo.

Arthur: Está em fase de composição ainda, reunião de ideias… mas nossa intenção seria lançar isso em breve.

Tuíra: No final do ano, talvez.

( Entrevista Via Nação Cultura )

LORDE PACAL – EP

Para entender melhor a história por trás deste disco, leia abaixo a explicação literária (feita pelos próprios integrantes da banda) de cada um dos capítulos/faixas:

Prólogo – Intro

Uma evolução tímida e lenta que já soma centenas de milhares de anos deu ao homem o direito de poder viver ao invés de sobreviver. Nada de matar ou morrer pela próxima refeição. Apenas o conforto de uma cama aquecida e o prazer da comida posta a mesa.

Capítulo I – Por Baixo da Blusa

A tranquilidade em relação aos perigos do mundo foi o pontapé inicial para o interesse do homem nas coisas que fogem da nossa compreensão, como os aspectos metafísicos da vida e o mundo interior que há em nós.

Capítulo II – Tão Maior

Após um olhar para dentro de nós mesmos, era a hora de dar um passo maior e olharmos para o que está além, não só da mente mas do nosso domínio de “reis da floresta”: o universo. Somos um animal curioso e o céu noturno nos fascina. A escuridão e o pontilhado vivo que surgem enquanto o sol faz sua visita ao submundo eram instigantes demais e nutria em nós, “homo sapiens”, um desejo sagrado de descobrir o que é que há além do que tocamos e sentimos.

Capítulo III – Cruzada Moderna

Ambiciosos irreparáveis que somos, não nos contentaríamos apenas em contemplar a beleza da noite virgem que se apresenta sem atraso todas as noites no palco do céu. Nunca nos daríamos por satisfeitos até que pudéssemos chamar cada um desses astros maravilhosos de “meu”. Sendo assim, reunimos todo o conhecimento e tecnologia disponíveis e construímos o necessário para partir em busca de respostas para todas as dúvidas que ainda hoje nos consomem. Uma verdadeira cruzada em busca do Santo Graal do conhecimento.

Capítulo IV – Entrestrelas

Nos encontrávamos então numa viagem de pesquisa pelo espaço, procurando desde respostas simples sobre compostos químicos até evidências que explicassem a nossa existência e a de outras forma de vida, talvez até de irmãos que nos tomaram e que pressentimos estarem vivos em algum lugar. Conceitos como relatividade do tempo começavam a se tornar palpáveis, assim como uma pitada de medo ao nos darmos conta de que não poderíamos voltar atrás. Saber que cada minuto longe de casa pode significar muitos anos passados na terra é uma coisa aterrorizante e ainda seria muito longa estrada a seguir.

Capítulo V – Simples

Após anos de uma viagem sem ponto de chegada, sentíamos falta não só dos parentes e amigos mas também das coisas mais bobas e corriqueiras. O gosto do café amargo na hora de bater um papo, as crianças brincando no quintal e até a sensação de andar descalço sobre um tapete. Soma-se a isso o longo período de solidão e a urgência de voltar se tornou insuportável.

Capítulo VI – Lorde Pacal

Voltar pra casa pode ser um problema por um único motivo: ela pode não ser mais a mesma, ou nem sequer estar lá. Mas a solidão nos faz ignorar tudo isso e tomar o caminho de volta. Mas se a Terra não fosse mais a mesma, tudo que já conhecemos poderia não estar mais lá, inclusive nossos semelhantes. E se outros seres agora habitassem o planeta, não seríamos nós os extraterrestres? Numa forma humanóide completamente estranha aos novos inquilinos, com conhecimentos que eles nem imaginariam um dia possuir? Não seríamos nós mesmos a serpente emplumada, que desce dos céus trazendo luz e conhecimentos? Talvez…