Em um ano peculiar no quesito documentário musical, com grandes lançamentos como “What Happened Miss Simone?”, produção da Netflix sobre a cantora e pianista de jazz Nina Simone, e “Montage of Heck”, sobre o ex-vocalista do Nirvana, Kurt Cobain, o filme de Asif Kapadia (“Senna”, 2010) sobre a vida e obra de Amy Winehouse, “Amy”, traz aos fãs da cantora – falecida em julho de 2011 – um novo suspiro, ainda que embalado de tristeza e dúvidas.
No Reino Unido, o filme alcançou o maior recorde para um documentário. No Brasil, estreia na rede Cinemark essa semana. Assim como o líder do Nirvana, Amy Winehouse partilha da chamada “maldição dos 27” ao lado de gênios da música como Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrison. No entanto, as semelhanças com Cobain são ainda maiores: a fama nunca foi almejada e, de certa forma, ajudou no impulso autodestrutivo.
Cheio de imagens caseiras, muitas vezes gravadas pela própria artista, o filme traz depoimentos da cantora, de seus pais, do ex-marido Blake Civil Fielder, namorados, sua melhor amiga e amigos, produtores com os quais trabalhou e virou amiga como Salaam Remi, executivos das gravadoras e, entre outros, Tony Bennett, o último artista com quem trabalhou e de quem era fã. Dessa parceria saiu a música “Body and Soul”.
O filme foca na carreira e nos períodos críticos do vício. Pouco se fala de sua infância e de sua família em si. Os primeiros minutos do longa trazem um apanhado raso disso, com Amy aos 14 anos cantando parabéns, já com seu timbre inconfundível. De certa forma, a apuração de Asif aponta “culpados” para a tragédia de Amy: a separação dos pais na infância, uma paixão arrebatadora e a fama, incluindo nesse último os abutres da imprensa marrom britânica e a cobrança dos fãs e da indústria por novas músicas.
Quem leu a biografia da cantora, escrita pelo pai e empresário dela Mitch Winehouse sabe que ele não foi um pai muito presente na infância de Amy e que ele mesmo admite isso. No livro, inclusive, ele descreve noites em que chega em casa quando os filhos já estão dormindo e a culpa que sentia de não poder estar mais presente.
Em “Rehab”, por exemplo, Amy canta em certo momento: “I ain’t got the time and if my daddy thinks I’m fine”, fazendo uma referência à primeira vez que sua família achou que ela precisava de ajuda e na reação despreocupada de seu pai. Kapadia também explora isso como moeda de culpa. “Talvez esse momento a teria salvo, e o mundo não teria Back to Black“, diz Mitch em um dos depoimentos.
Quanto a Blake, já sabíamos o quanto fazia bem e mal à Amy. Ela disse inúmeras vezes que o amor que sentia por ele é pior que uma droga. Seu relacionamento marca a pior fase, quando Amy se afunda na cocaína, no crack e na heroína. É nessa fase também que os tabloides e paparazzi passam a persegui-la em troca de fotos suas chapada, que rendiam cliques e a venda de jornais. Em certo momento, piadas com seus problemas com a bulimia e os vícios acabaram se tornando parte do pacote, houve uma espécie de “glamourização” suja disso tudo.
Quando o longa se aproxima do fim o espectador se dá conta de que passou por duas fases e conheceu duas pessoas diferentes. A primeira, numa época muito boa com a turnê do primeiro disco Frank, e uma Amy totalmente diferente daquela pintada pelos tabloides: criativa, saudável e com um senso de humor ótimo. E a segunda, que parte das gravações de Back to Black em uma caminhada barulhenta de uma festividade depressiva até um silêncio angustiante próximo da morte.
Os culpados de Asif, no fim das contas, somos todos nós: Amy, seus pais, Blake, você, eu. Ele puxa a orelha, de alguma maneira, da indústria musical, desse nosso fanatismo sem limites e do jornalismo porco que quer arrancar a qualquer custo seus pedaços do bolo.