Texto: William Galvão
Fotos: Renata Basílio
Aos 68 anos de idade, Iggy Pop se mostra um dos “senhores do rock” em melhor boa forma ao vivo. Basta lembrar de alguns que passaram recentemente por aqui, como Robert Plant e sua voz já bastante limitada. Tido como “o punk original”, Pop veio muito antes de Sid Vicious ou qualquer Ramone ainda no fim dos anos 60 fazendo um trabalho de mestre, que viria a ser conhecido como punk rock e ganharia o mundo não só da música, mas da moda e das artes.
Em sua apresentação na noite de sexta-feira, 16 de Outubro, na edição 2015 do Popload Festival, o público teve a prova da essência vigorosa do músico em um show cheio de clássicos do The Stooges. Foi como se fôssemos transportados numa viagem direto aos anos 1970. Não estávamos no CBGB, em Nova York, nem ao menos próximos daquela década, até Iggy Pop subir no palco da Audio Club, na São Paulo dos 10´s, bastante carente de uma cena roqueira original.
Saudosismos à parte, o grande acerto da apresentação foi deixar de lado músicas que não se encaixassem nessa fase de sua carreira. Assim que entrou em cena, sua jaqueta de couro preta com forro vermelho não durou uma música no corpo. No final de “No Fun”, já desnudo na parte de cima e com um público lotando a frente do palco, uma trinca de músicas estrondosa pôs a Audio no chão: “I Wanna Be Your Dog”, “The Passenger” e “Lust for Life”.
Entre moshes rapidamente desfeitos pelos seguranças da casa e novas tentativas de pular das grades do palco, o público eufórico ansiava por certa “violência” característica do rock, e mais ainda do punk, que é na verdade uma busca pelo transe coletivo, aquela lavada na alma. E foi exatamente isso que aconteceu: estava todo mundo alucinado por estar ali, com Iggy Pop cantando nossas adolescências no palco.
Com uma voz impecável, o show teve um total de vinte músicas. Muitos destaques na programação como “Sixteen”, de um dos melhores álbuns da carreira solo, Lust For Life, do icônico ano de 1977. Desse disco teve também “Neighborhood Threat” mais pro final. Do lendário primeiro álbum dos Stooges de 1969, que leva o nome da banda, teve a abertura com “No Fun”, “1969” e “I Wanna Be Your Dog”.
A lista de clássicos foi extensa e muito bem aproveitava. A explosiva “Search and Destroy”, a gritada “Raw Power”, a dark “Nightclubbing”, a mais dançante “Funtime”, e, entre outras, “Down on The Street”, que fez parte do bis. Das mais “recentes”, “Skull Ring”, do álbum de mesmo nome lançado em 2003 serviu para acalmar os ânimos; e “Real Wild Child (Wild One)” do disco Blah Blah Blah (1986) pôs um rápido toque oitentista na roda.
O saldo foi um show pra jamais botar defeito, sair com a camisa suada e torcer pra que se repita.
NATALIE PRASS, SONDRE LERCHE E EMICIDA
A edição desse ano do Popload Festival começou por volta das 20h, com a cantora e compositora americana Natelie Prass mostrando ao público paulista seu indie pop romântico. Nova na indústria, Natalie lançou esse ano seu primeiro disco de estúdio, que leva seu nome no título, e tem participado de festivais e angariado fãs a cada nova apresentação.
Durante sua performance a maior parte do público ainda não estava presente. A escalação do line-up desse ano destoou um pouco na questão de interesses comuns entre os gêneros. Muita gente, por exemplo, foi apenas para ver o Iggy Pop e não fazia a mínima ideia de quem eram os outros artistas.
Fã declarada da música brasileira, Natalie tocou um setlist baseado em seu disco, apesar de ter também outros dois EPs na bagagem: Small & Sweet (2009) e Sense of Transcendence (2011). Ao longo das dose músicas mostradas à plateia, Prass fez um cover de “The Sound of Silence” da dupla folk dos anos 1960 Simon & Garfunkel; e também da música “Any time, Any Place”, de Janet Jackson.
Cantor, compositor e guitarrista norueguês, Sondre Lerche foi a segunda atração da noite e trouxe bastante energia ao público que já começava a transitar em maior quantidade dentro da Audio Club. Apesar de já somar nove álbuns de estúdio ao longo de sua carreira, o músico não é muito popular aqui no Brasil.
Seu show faz parte da turnê de Please, disco que lançou em Setembro de 2014. Ao todo, foram 13 músicas que deram ao público boas doses de guitarra e insanidade momentânea por parte do músico. Suas canções, por hora mais suaves, iam tomando força até um nível interessante de complexidade e barulho. Para quem não conhecia o artista, provavelmente saiu do show curioso para ouvir seus trabalhos.
O guitarrista foi outro que declarou amor à música brasileira, chegou até a “confessar”: “roubei as minhas melhores progressões de acorde de vocês”. Durante sua música “Go Right Ahead” tocou, à capela, um trecho de “San Vicente”, de Milton Nascimento.
Com um palco completo, o rapper Emicida fez bonito no show de abertura para a atração principal da noite. Apresentando as canções de seu novo disco, Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa…, lançado em Agosto, o artista contou com uma banda com seis integrantes, muita percussão e suingue.
O artista fez o show mais “fora da caixa” do festival, já conhecido pela programação indie e eletrônica. A mistura de hip hop com o samba colocou o público essencialmente branco, de classe média, para mexer o esqueleto. Emicida mostrou, inclusive, aos dois artistas anteriores, a música brasileira atual, visto que ambos se disseram amantes do nosso som.
A apresentação foi bastante rica nos detalhes, incorporando sonoridades novas com ritmos africanos, muito tambor, suingue e peso. Em certa altura, o rapper tocou um trecho do funk “Eu só quero é ser feliz”, além da música “Preciso Me Encontrar”, do Cartola, um dos maiores nomes do nosso samba.
O peso das palavras de protesto e o impacto que o rap tem causado no mainstream brasileiro é sempre algo interessante de ser pensado. Um ritmo que foi marginalizado, assim como o funk carioca, e hoje é consumido pelas elites brasileiras é, portanto, aceito. Fenômenos como esse fazem um retrospecto de como a cultura brasileira se movimenta e onde pretende chegar.
Para cantar “Mandume”, Emicida convidou para subir no palco os músicos Dirk Barbosa, Muzzike, Amiri e Raphão Alaafin. O show, bastante performático, embora destoando das demais sonoridades, mostra que o Poplaod tem tudo para se transformar em um dos melhores festivais feitos no brasil, a despeito de qualquer gigante que tem na publicidade, e não na música, seu maior aliado.