Em 2010, o sexteto de pop-punk The Wonder Years começou a estabelecer seu próprio nicho dentro da cena alternativa com o lançamento de The Upsides, seu segundo álbum de estúdio. Temas como a dificuldade de encontrar seu lugar no mundo, a impiedosa vida de ser um músico sempre na estrada e nunca em casa, e a conformidade de viver um presente ruim esperando um futuro melhor foram apresentados no disco com sinceridade pouco comum ao gênero. O pop-punk, comumente atrelado a problemas fúteis de adolescentes, recebeu um gás muito bem-vindo no começo da década atual e até o presente momento se mantém como o estilo “não-popular”, por assim dizer, mais popular da indústria.
Em Suburbia I’ve Given You All And Now I’m Nothing, do ano seguinte, a batalha se tornou tanto interna quanto externa. Com a idade adulta vieram o trabalho, as contas, as responsabilidades e os subsequentes medos, explorados com maestria no primeiro álbum verdadeiramente conceitual do grupo, que caiu nas graças da cena alternativa.
The Greatest Generation (2013) trouxe um encerramento triunfal para a trilogia iniciada três anos antes, dilacerando a ilusão do “american dream” através de histórias de pobreza na infância, abandono familiar e traumas psicológicos. O álbum também mostrou os primeiros sinais reais de experimentação, com faixas levadas primariamente por vocais sussurados (“There, There”), piano (“The Devil in My Bloodstream”), e uma ópera retrospectiva-conclusiva de quase oito minutos na forma de “I Just Want to Sell Out My Funeral”.
Não é nenhum absurdo afirmar que os dois últimos discos mencionados acima são verdadeiras obras-primas, infundidas com a mais brutal humanidade e de visão artística incontestavelmente diferenciada. É esse respeito que a banda adquiriu, tão despido de noções preconcebidas e tão perceptível dentro de sua cena, que faz No Closer to Heaven ser uma grande decepção.
Antes de tudo: o álbum (ainda) é bom. Melhor do que a maioria dos trabalhos lançados por amigos e colegas do The Wonder Years este ano, como Life’s Not Out to Get You (Neck Deep) e Copacetic (Knuckle Puck), formulaicos e desinspirados. A questão é que No Closer to Heaven também passa longe de ser um trabalho inventivo, ao menos levando em conta o que a banda já produziu e se mostrou capaz. Para os criadores de dois dos melhores discos de punk rock dos últimos tempos, “bom” é pouco.
O maior problema de No Closer to Heaven é parecer uma versão mais comum de conceitos melhor aplicados pela banda já em lançamentos passados. No lugar de uma faixa de abertura impactante como nos trabalhos anteriores, um prólogo: “Brothers &” vê uma guitarra reverberada ir ao encontro de batidas abafadas, com o “lema” do disco (“Não somos salvadores / Se não conseguimos salvar nossos irmãos”) repetido por vocais em coro. O lema, porém, será abandonado sem cerimônia ou contextualização satisfatória a partir da segunda metade da obra, dando lugar a canções egocêntricas demais para formar uma obra coesa de início a fim.
A transição de “Brothers &” para “Cardinals”, a “verdadeira” primeira faixa, soa um pouco forçada, mas não compromete a experiência. Por sua vez, “Cardinals” e “A Song For Patsy Cline” são duas músicas dignas do nome que a banda construiu. A primeira retoma o lema central com viradas primorosas do baterista Mike Kennedy, enquanto a segunda desacelera o compasso com mais “whoa-ohs” em coro e um riff que é melhor definido com o termo “amargo”. “I Don’t Like Who I Was Then”, a quarta canção, soa como uma versão um pouco mais madura de The Upsides, mas não se destaca em um álbum que tenta transitar do pop-punk para o emo e o indie-rock e acaba desfavorecendo o primeiro gênero no processo.
Eis que “Cigarettes & Saints” chega preenchendo a cota das músicas épicas, já tradicional nos álbuns do sexteto. A introdução com um órgão e o riff com tempero blues executado por um dos três (!) guitarristas Nick Steinborn, Casey Cavaliere e Matt Brasch dão o tom espiritual, ressaltado pelo vocalista Dan “Soupy” Campbell ao longo dos quase cinco minutos de música. Versos como “Eu te acendi uma vela em cada catedral da Europa / E eu espero que você saiba que ainda é meu padroeiro” e “Eu tenho certeza de que não existe um céu / Mas isso não quer dizer que eu não goste de te imaginar lá” são alguns dos mais poderosos da carreira da banda e a comovente performance de Soupy potencializa a canção ao máximo.
Se há algo que impede “Cigarettes & Saints” de ser trilha de filmes de drama e ganhar prêmios da indústria fonográfica, além de seu natural baixo apelo comercial, é a produção e mixagem – problema que se espalha pelo álbum inteiro. O grupo jamais tenderá a utilizar uma produção pop refinada, mas a “sujeira” em No Closer to Heaven não trabalha a favor do produto, como fez nos discos anteriores.
Por vezes, os vocais de Soupy ficam enterrados sob uma parede de som – o fato de as três guitarras tocarem praticamente a mesma nota por boa parte das músicas piora esse problema – e a bateria soa eletrônica em alguns momentos e quase como um brinquedo em outros. O produtor é o mesmo, Steve Evetts; mas ouvir uma canção deste álbum seguida de uma música do muito melhor produzido Suburbia escancara a bagunça sonora do novo disco.
“The Bluest Things On Earth” perde um pouco a passada lírica mas se segura musicalmente, com um dos maiores refrães da banda até aqui. “Stained Glass Ceilings” conta com a participação de Jason Butler, da banda letlive., entregando um verso cheio de rancor e inconformismo que dividirá opiniões; a canção é outra que se destaca em um quesito e peca em outro, com uma interessante letra anti-corporativista, mas confusa e irregular nos vocais e música.
O disco termina com uma cativante canção romântica (“You In January”), um encerramento pouco memorável (“Palm Reader”) e um epílogo acústico (“No Closer to Heaven”) que funciona melhor em teoria, falhando gravemente na missão de desafiar as excelentes músicas finais dos três álbuns anteriores. Ao tentar formar uma opinião sobre o álbum o ouvinte perceberá muitas nuances a serem pescadas, o que contribui para a longevidade da obra, mas no final será difícil escapar da sensação de incompletude.
O versilibrismo de Soupy ainda instiga imagens vivas e cenários quase palpáveis; os músicos atrás dele continuam dando ritmo e cor a suas expressões; No Closer to Heaven não deixa de ser um disco com atmosfera e princípios bem definidos. A essência continua aqui – a execução é que parece cansada e desmotivada, como se estivesse diante de um muro alto e sólido, sem ter como seguir em frente.
O The Wonder Years ainda é uma banda mais capaz do que a grande maioria dos grupos alternativos que povoam a Warped Tour – a dúvida é se o sexteto se contentará em reinar sobre um nicho cada vez mais padronizado ou se conseguirão realizar o salto definitivo do pop-punk para uma identidade e um gênero próprios, alçando voos mais altos no processo. O quinto disco satisfará os fãs de longa data, mas não trará muitos novos ouvintes. Para isso, são necessários talento e ambição diferenciados. O primeiro está aí; resta saber se o segundo também.