TMDQA! entrevista: Flávio Renegado

"A hora e a vez é todo dia, sempre." Rapper lançou EP com participações de Samuel Rosa, Chico Amaral e Alexandre Carlo. Leia nossa conversa com o cara.

Flávio Renegado - entrevista

O rapper mineiro Flávio Renegado lançou em Setembro o seu EP Relatos de Um Conflito Particular, em que ele transita pelo universo dos sete pecados capitais, ora para contrariá-los, ora para absolvê-los.

Nas 7 faixas que compõem o trabalho, Renegado reflete a respeito da vida, e se questiona: “O dia a dia é feito de más condutas ou permeado pelo instinto humano?”. Para filosofar sobre esta e muitas outras questões, o TMDQA! bateu um papo por telefone com o músico, que você confere abaixo:

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TMDQA: Você acabou de lançar o seu EP Relatos de Um Conflito Particular. Como foi produzir esse trabalho por conta própria? 
Flávio Renegado: Na verdade, tudo nasceu como um desafio. A minha empresária me instigou a inventar o “oitavo pecado capital” e eu fiquei com esse pensamento na cabeça. Aí, desse desafio até agora, com 4 anos de estudo, piração, ideias, me veio essa reflexão de que realmente não precisa inventar um oitavo pecado, o mundo já tá doido demais… Quando a ideia nasceu, eu fui pra dentro do meu estúdio e pirei, comecei a fazer as letras, as melodias, convidar parceiros pra compor junto, escolher a banda pra tocar… Isso tudo começou a ser arquitetado nesse processo. A decisão de eu produzir veio assim, porque eu já estava muito envolvido com tudo, estava com uma carga emocional muito grande.  Eu consegui chegar exatamente ao resultado que eu queria com esse disco mesmo. Mas produzir é uma outra experiência, foi um desafio grande.

“… nós viramos amigos, fizemos churrascos, fomos a festas juntos, fomos construindo uma amizade antes de chegar no processo de fazer música. Todas as minhas músicas são assim. Tem que ter uma amizade construída.”

TMDQA: Nesse trabalho, você se envolve com grandes músicos mineiros que não necessariamente fazem Rap, como é o caso da composição de “Particulares” com o Chico Amaral e a participação especial do Samuel Rosa, em “Rotina”. Como foi a seleção das participações especiais do EP?
Renegado: Na parte das composições eu caminhei por um trânsito de co-parceiro, com amigo, que tinha algo a ver com o pecado com o qual eu queria me relacionar para aquela música. O Makely Ka (parceiro em “Só Mais Um Dia”) eu chamei porque tem essa carga de raiva na caneta, que eu admiro muito, foi por isso que eu o chamei pra fazer essa música. No caso do Chico, ah… o Chiquinho é muito doido porque quando eu chamei ele para fazer “Particulares”, foi justamente porque ele sempre foi um cara muito bom, muito generoso. Para mim ele é o contraponto total da avareza. Foi muito maneiro, ele realmente conseguiu extrair a essência que a música tinha. Já o Samuel é um amigo que há muito tempo fala comigo de produzir uma “parada” junto e agora, com esse trabalho, finalmente saiu.

Eu acho que essa coisa quando é construída com o tempo é muito mais legal, porque vira afinidade, que vira música no final. Não é só um negócio que sai do nada, você chama um cara lá, escreve um negócio e pronto. Foi a mesma coisa com o Alexandre (Carlo, vocalista do Natiruts), nós viramos amigos, fizemos churrascos, fomos a festas juntos, fomos construindo uma amizade antes de chegar no processo de fazer música. Todas as minhas músicas são assim. Tem que ter uma amizade construída.

TMDQA: Você tem um envolvimento muito forte com a cultura de periferia de BH, inclusive com o grupo Meninas de Sinhá. Gostaria que você falasse um pouco mais do projeto pra tuma do TMDQA!
Renegado: Minha relação com as Meninas de Sinhá tem mais de 10 anos, elas são meu xodó. Conheci a Dona Valdete com 11 anos de idade e a minha relação com elas nasceu aí. Elas são uma joia da minha comunidade, que eu tenho muito sentimento envolvido. Sempre que elas precisarem de mim, eu estou à disposição e elas também, eu sei. É isso, a gente tem que mostrar que a música não tem idade, não tem fronteira. Eu acho q a nossa identidade é construída pelas referências que a gente tem perto e as Meninas de Sinhá são uma das minhas referências.

“O pessoal tem que parar de achar que tem a solução pro problema do outro… a gente tem que ter voz, tem que ter espaço, tem que ter acesso. É isso o que falta!”

TMDQA: Como você avalia a cultura na periferia de BH e os investimentos nessa área por parte do governo? 
Renegado: Acho que a produção de cultura que se tem nesses lugares é muito rica, mas tem que se dar visibilidade, aí que está o grande calcanhar de Aquiles.  Tem uma turma produzindo, fazendo coisa boa, mas é escasso o espaço de produção e de divulgação. As comunidades precisam ter voz, tem que se mostrar.  Outro ponto também é que a galera tem a mania de mandar de fora pra dentro, achar que as pessoas tem que receber um acesso, tem que receber a coisa pronta. O pessoal tem que parar de achar que tem a solução pro problema do outro, a gente tem que ter voz, tem que ter espaço, tem que ter acesso. É isso o que falta!

TMDQA: Criolo e Emicida conseguiram fazer o rap e o hip hop se popularizarem na música brasileira, fazendo o estilo deixar de ser periférico e invadir as baladas e festivais dos mais diferentes estilos, com admiradores de diversos públicos, que não necessariamente acompanham o movimento do rap. Como você vê essa emancipação do som da periferia?
Renegado: Eu acho que o caminho adotado é muito legal, porque você para de falar pra dentro, e começa a falar pra fora, com as comunidades com as pessoas. Quando você começa a popularizar, você difunde o discurso e faz esse cross over de não ter pessoas só do movimento, faz com que as pessoas escutem a música. Isso é muito bacana!

“…o momento, a vez, é todo dia, é todo o momento. A construção é diária”

TMDQA: Minas Gerais já foi palco do rock e da psicodelia com o Clube da Esquina, já viveu a energia do Pop Rock com o Pato Fu, o Tianastácia e o Skank. Você acha que agora é a hora e a vez do Rap mineiro? Consegue indicar pra gente alguns artistas que como você, estão fazendo a diferença na região?
Renegado: A hora e a vez é todo dia, sempre, tá ligado? Eu não acredito nessa coisa de ter um momento não. É lógico, como você mesma falou, o rap tá vivendo uma nova fase, acredito também que o meu trabalho vira um referencial dentro dessa loucura toda, mas acho que o momento, a vez, é todo dia, é todo o momento. A construção é diária. A grande diferença é que o rap está alçando voos maiores, sem perder a característica dele, de ser politizado, de ser uma música que as pessoas precisam ouvir. Lá fora, a popularização fez com que houvesse essa concessão de perder a característica de ser uma música de crítica pra alcançar esses novos espaços e aqui não, o rap tá sendo mais propositivo.

A gente conseguiu alcançar um novo espaço e eu acho que isso é ótimo. Das coisas daqui, eu indico o Das Quebradaum moleque muito bom, o Mc Monge, que faz parte da família da rua, o Julgamento, um grupo muito maneiro, o Roger Deff e o Douglas Din… ah, e claro, representando as meninas, tem a Zaika. Esse é todo um povo que eu recomendo prestar muita atenção.

TMDQA: Para finalizar, você tem mais discos que amigos? 
Renegado: Com certeza (risos!). Só que o mais legal é isso, poder ouvir os discos com os amigos também, poder trocar um som, poder trocar ideia.

 

https://www.youtube.com/watch?v=5ElvOf7uZ4I

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