Música

#AgoraÉQueSãoElas: em defesa dos direitos da mulher

Ícones da música brasileira aderem à campanha #AgoraÉQueSãoElas, que dá voz à mulher na luta em defesa da igualdade de gênero.

#AgoraÉQueSãoElas: em defesa dos direitos da mulher

O TMDQA! nunca foi e nunca será um espaço machista. Desde sua criação e durante os nossos quase sete anos de história, o portal defendeu as pautas do dia a dia das mulheres em seu conteúdo e divulgou com o mesmo grau de incentivo bandas e projetos musicais de homens e mulheres do Brasil e do mundo, além de receber sempre a colaboração de diversas garotas que mostram diariamente que o rock´n´roll, a música e a paixão por tudo isso é universal.

Infelizmente, as oportunidades e os direitos das mulheres não são garantidos em todos os lugares. Estamos vivendo um momento em que mulheres estão sendo atacadas e perdendo direitos que foram conquistados com muita luta. E é por este motivo que nós resolvemos apoiar a causa #AgoraÉQueSãoElas: para mostrar quantas e quão incríveis nós somos e que lutar pelos nossos direitos e exigir respeito, apesar de ser ultrajante (que ano é esse? 2015 não?), é certo e necessário.

Sabemos que a semana oficial da ação passou, mas a coleta de tantos depoimentos interessantes levou tempo e jamais deixaríamos de publicá-los por aqui. Por isso damos sequência a ele nesta Segunda-feira com uma série de textos incríveis.

Com a palavra, algumas mulheres que nós admiramos e respeitamos muito! #AgoraÉQueSãoElas.

 

Esse post será atualizado com mais depoimentos. Fique ligado.

 

Fabiane Pereira (apresentadora do Faro MPB na MPB FM e diretora da Valentina Comunicação)

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Não se fala em outra coisa. Pelo menos, pra mim, não há pauta mais importante do que a ‘primavera das mulheres’ se espalhando pelas ruas do Brasil e do mundo. Motivos para o presidente da Câmara dos Deputados cair não faltam mas duvido que Eduardo Cunha previa a ebulição e o alastramento de tantas manifestações contra seu Projeto de Lei 5069/13 e contra seus posicionamentos contra os direitos já conquistados pelas mulheres brasileiras. No Brasil, a cada DEZ MINUTOS uma pessoa é vítima de ESTUPRO – provavelmente este número é maior mas milhares se calam. O tal PL dificulta o atendimento básico de uma mulher que sofre violência sexual porque supõe que muitas inventam estupros para se ‘beneficiarem’ da lei que permite que elas abortem via SUS. Insanidade. É a única palavra que me vem a cabeça. Como muito bem disse a poeta Alice Sant’anna, “a palavra da mulher, que já não valia grande coisa, passa a não valer coisa nenhuma”.
Há 75 anos, qualquer mulher vítima de estupro pode abortar, se quiser, no Brasil. Num momento onde deveríamos estar discutindo a legalização total do aborto uma vez que o corpo é da mulher e ninguém em sã consciência utilizaria o método como contraceptivo, estamos indo pras ruas para evitar o retrocesso. Retroceder é a palavra de ordem da câmara mais retrógrada de todos os tempos. Retroceder é o que querem os ‘homens de bem que se preocupam com a nobre família brasileira’. Mas eles esquecem que retroceder não faz parte do nosso vocabulário nem aqui nem em várias partes do mundo. AVANÇAR sempre: pelo não retrocesso e, principalmente, pela igualdade de direitos. Como disse a Jout Jout, “vamos fazer um escândalo” e ele está só começando.

 

Salma (Carne Doce)

SalmaAcho que a mulher não tem nenhum papel especial na música. Nossa única responsabilidade, assim como os homens, é tentar fazer música boa, ou ao menos deveria ser assim. Em alguns aspectos a arte permite extrapolar os limites do corpo e superar preconceitos. Aí você pode ser reconhecida mais pelo seu talento e pela sua criatividade que por seus privilégios. Aí você pode ser diva mesmo estando fora dos padrões estéticos. Aí é mais fácil suplantar a necessidade de ser bela e feminina.

Mas, claro: não chega a ser um território livre do machismo. No palco é onde me sinto mais poderosa, livre e à vontade com o que sou, mas até chegar ali, e mesmo ali, é preciso enfrentar o fato de que sou e estou num mundo machista em desconstrução. É ter de falar várias vezes a mesma coisa para ser ouvida entre os meus colegas (o que mais me irrita), é me angustiar em explorar minha beleza e feminilidade pra ganhar pontos com o público (e curadores), é o olhar pra outras artistas como se fossem concorrentes sexuais. É toda a ignorância que já conhecemos.

Mas, assim como os outros ofícios, ser artista é uma possibilidade cada vez mais real no horizonte das mulheres. E essa representação crescente tem proporcionado eventos especiais como o No Ar Coquetel Molotov deste ano que, dirigido por uma mulher, teve uma programação tão bem preenchida pelo nosso gênero que as artistas femininas pareceram protagonizar o festival.

 

Larissa (Ventre)

Larissa

Ser mulher no meio da música é ter que ouvir que eu toco como um homem, como se fosse um elogio.

É comum me perguntarem se eu canto ou toco teclado, e questionarem se eu tenho força para tocar meu instrumento, e eu preciso estar sempre disposta a discutir e bater o pé pra ser ouvida, seja no estúdio gravando, na passagem de som ou numa mesa de bar. A Bjork deu uma entrevista maravilhosa pra Pitchfork no início do ano dizendo que ser mulher na indústria fonográfica é ter que falar 10 vezes o que um cara falaria uma única vez e seria ouvido. Mas quando a gente bate o pé, tem sempre um que retruca com “você está exagerando”, “está sensível demais” ou o clássico “que mulher louca” – pra quem não sabe, isso é uma prática de violência emocional muito comum chamada gaslighting.

Ser mulher também é ficar constrangida ouvindo um cara explicando algo óbvio, que você já sabe, como se estivesse te ensinando o bê-a-bá. “Você deve segurar a caixa por aqui, ó” – #manexplaining

E quando se trata de ser mulher, baterista e canhota (nem estou entrando no ponto do vegetarianismo!), é como se eu não tivesse o direito. Eu comecei tocando como destra e depois percebi que a única vantagem nisso era eu não dar trabalho pros outros. Hoje eu mesma inverto e “desinverto” a bateria nos shows, e às vezes fico pronta antes dos meninos, mas muitas vezes tenho que escutar de um roadie/técnico que mal conhece o meu trabalho, que eu deveria tocar como destra. “É mais fácil, sabia?” Mais fácil pra você ou pra mim?

É muito difícil conquistar credibilidade. Falar de igual pra igual. Muitas vezes tenho que engolir seco uma grosseria ou piada pra não criar um clima chato. E cansa.

Já tiveram técnicos que me pediram desculpas por terem me destratado, porque acharam “que eu tocava mal”. Que dizer que mulher que toca mal não merece respeito?

Eu já me masculinizei por achar que seria melhor aceita, já tive vergonha de dizer que estava com cólica e até de me maquiar antes do show, porque me sentia acuada. A “mulherzinha”, fresca.

Ser mulher é maravilhoso. Somos capazes de tantas coisas que nem imaginamos. Devemos combater nossos monstros todos os dias, e nos amar acima de tudo, porque esse é o nosso maior bem que está ameaçado: a confiança e amor em nós mesmas. Nós somos mais GRRLS!

E a música, amigxs. Ela é um bem universal e está acima de sexismo, raça, credo e qualquer diferença que possa ser usada para discriminação. Sou muito grata de ter, apesar de tudo, companheiros de banda que hoje me apoiam e compreendem como ser humano. Sou grata de poder compartilhar isso com vocês.

A música salva!

 

Adriana Marroni – DJ, produtora musical e sócia da escola Beatmasters – Música é Arte!

Adriana Marroni

A música que nos une, pode em muitas ocasiões nos separar devido aos inúmeros preconceitos contra nós, mulheres. Infelizmente, mesmo quando o assunto é música (uma das formas de expressão mais antigas da humanidade), enfrentamos imensuráveis barreiras para conseguir um lugar ao sol.

Ainda hoje há uma pequena representação feminina no universo DJ, que é predominantemente masculino. Aos poucos as mulheres estão conseguindo espaço e mostrando que podem sim dominar as técnicas de discotecagem. Ao contrário do que muitos pensam, ser DJ não é uma tarefa simples: exige muita dedicação, pesquisa musical, prática e principalmente feeling. Para nós mulheres, o trabalho é ainda mais árduo, porque assim como em outras áreas profissionais, precisamos provar em dobro o nosso valor.

Somos fortes, inteligentes e capazes, mas ainda persistimos na busca de reconhecimento, respeito e direitos.

 

Juliana Strassacapa (Francisco, El Hombre)

Juliana Strassacapa

Quando comecei minha trajetória musical, sentia que só de estar ocupando o espaço que queria, sendo vocalista de uma banda, compondo, era uma quantia razoável de empoderamento (porque empoderamento e visibilidade nos custa diariamente). Mas tem me atingido cada vez mais um incômodo no útero. O incômodo de ser inofensiva, de produzir uma arte, sobre qualquer plataforma, que não comunique, que não discuta, que não incomode e que não proponha mudanças.

Acho que o papel da mulher na sociedade, assim como nas artes ou qualquer área que venhamos a ocupar, é o de empoderar a si e a outras, cada vez mais. Gosto de me inspirar na dedicação da Nina Simone, que assim que percebeu seu papel de porta-voz do movimento negro, abriu espaço e atingiu a todxs com sua mensagem. Ou seja, para mim, o posicionamento de qualquer mulher frente à sociedade deveria ser feminista. Se nós não pegarmos no volante, os rumos serão definidos por quem nos oprime!

Quem será que foi o primeiro a dizer que a mulher deveria ser submissa? Se fosse num desenho ou série, talvez ao final da temporada entendêssemos a complexidade desse ser humano, e nos abrandássemos, devido à difícil história de vida do dito cujo. Afinal, todxs somos frutos de traumas, não? Talvez tudo se ajeitasse sozinho, com uma coleção de abusos e traumas, talvez invisíveis, cometidos por uns, consequência para outros. Mas ainda bem que, por mais que a sociedade patriarcal se esforce em nos dizer tudo o que temos que ser e o que não podemos ser, e nos prive de guiar nossas próprias vidas, nós não seremos detidas!

 

Camilla Ferreira (Cherry Devil)

Cherry Devil

O rock sempre pareceu, unanimemente, masculino. Mesmo existindo bandas compostas apenas por mulheres, mulheres que fazem rock são vistas com um certo fetiche. Particularmente nunca senti preconceito descarado por ser mulher e fazer Rock, no entanto algumas situações são bem pertinentes. Primeiro, é bem comum chegar pra tocar e ser confundida como “a namorada do cara da banda” ou “a amiga que esta carregando os equipamentos”. Ter que explicar que faço parte da banda sempre é aquela situação um tanto chata.

A outra situação, onde ser a mulher da banda causou desconforto foi quando fiquei grávida. Os primeiros a estranhar foram alguns integrantes da minha banda, que pensaram em me tirar dela durante a gestação e diziam q eu não ia conseguir ter banda e ser mãe, e eu não quis de jeito nenhum! Me despedi do palco quando estava grávida de 9 meses, no Festival Bananada, e voltei quando meu filho tinha quatro meses, no Canto da Primavera. Trabalhei todos os meses de gravidez numa casa de Rock, o que foi um choque pra maioria, me ver com aquele barrigão, mas também recebi apoio de muitas pessoas por acharem que aquilo era muito foda.

Acredito ser importante mulheres terem voz no rock, temos muito pra falar, muito pra produzir e muito talento pra mostrar. E esse espaço podemos conquistar mostrando que o rock pra mulher é mais que calças de couro coladas e botas de salto alto. Acreditem, vamos fazer muito rock, querendo ou não, dando espaço ou não, vamos quebrar esse limite no grito.

 

Sofia Vaz (Baleia)

Sofia Vaz

Eu não existo

Quem criou a minha realidade de mulher não fui eu, foram homens. Por isso, vivo numa sombra de autoridade, vivo com medo. Ando na rua de cabeça baixa. Quem diz o que eu posso ou não posso fazer na rua, em casa, no trabalho, com meu corpo, também não sou eu, são homens. Quem criou as regras também. Se eu as quebro, a culpa é minha – e me sinto errada, suja, culpada, ridícula. Quem perpetua na cultura, na mídia, na política e em todos os espaços de discurso como eu devo ser, continua não sendo eu.

Eu, eu não preciso de um manual ou de aulas pra saber como me portar. Eu vejo nos filmes, leio nos livros, aprendo em casa nos jantares de família: tenho milhares e milhares de exemplos. Aprendi que não sou protagonista, mas coadjuvante desde cedo. De todas as narrativas, inclusive da minha própria. Aprendi a ficar quieta. A não atrapalhar. Eu poderia falar dos meus episódios de assédio, mas eu posso também falar de como é crescer condicionada a duvidar de si mesma desde sempre.

Ao meu ver, a melhor contribuição dessa movimentação que acontece agora é o fato de que os assédios que nunca, jamais, são abordados numa conversa – nem mesmo entre amigas – passam a ser um assunto inescapável nos últimos dias. O caminho é claro: se não se fala a respeito, o problema é invisível. É assim com tudo. Pois, nunca foi uma opção conversar sobre isso. Havia, assim, um sentimento de solidão difícil de diagnosticar que nos rondava e passávamos adiante na vida, próximo capítulo. Cada mulher na sua. Dessa forma, quase não era real. Eis que, não por acaso, calha a servir de legitimação à estigmatização da mulher na nossa cultura. Afinal, mulher exagera. Mulher é histérica. Mulher é meio maluca. Mulher é muito emocional, não pensa com clareza. Mulher é dependente, mulher é carente. Mulher é instável. Mulher não é objetiva. Mulher fala sem pensar. Melhor seria calá-las mesmo.

Isso nos é dito como verdade sobre nós mesmas, desde a infância.

Daqui, posso te dizer o que passa na nossa cabeça: Será que eu tô inventando isso? Será que isso não é coisa da minha cabeça? Ele queria dizer outra coisa, com certeza. Deve ter sido um elogio isso. Devo estar enganada. Isso não é nada. Besteira. Deveria me sentir bem por isso. Depois vão rir. Vão dizer que é piada. Vão dizer que sou chata. Se eu reclamar, depois não vão querer ouvir o que que tenho pra dizer na reunião. Melhor focar no que importa. Vou propor a minha ideia de outro jeito. Vou só, indiretamente, sugerir. Vou ver com fulano se ele não topa de propor comigo, eu sozinha nunca dá certo. Melhor ficar na minha do que comprar briga. Eles são maioria aqui.

A gente aprende a ceder o espaço de sujeito principal da nossa narrativa desde cedo. Ou sutilmente passamos a praticar nossas ações de forma quase indireta, de modo a ir levando. Somos recriminadas de sermos pouco objetivas e diretas – uma forma de descreditar nossa fala e nossa ações. Por outro lado, quando agimos de forma direta e objetiva, somos imediatamente rechaçadas, quando não excluídas de qualquer situação. E seguimos tangenciando nós mesmas e nossas próprias vidas.

Fato é que mulheres são faladas a respeito, mas nunca falam. Quando falamos, só nos deixam falar sobre certos assuntos. Impreterivelmente colocadas abaixo, num segundo lugar de importância, em relação aos homens. Somos uma parcela gigantesca da sociedade e nosso discurso não é ouvido: a experiência empírica, ainda assim, vale menos que a percepção de um homem sobre nós. Nem literatura, nem música, nem filmes, nem política, nenhum discurso feminino é consumido na larga escala em que o discurso masculino é. A partir disso se forma um monstro da irrealidade: não há como saber o que é uma mulher, muito menos o que ela pensa. Você não me conhece. Não protagonizamos o nosso próprio discurso. E é isso o que acontece com qualquer minoria: crise de representatividade e uma estranha, reprimida crise de identidade inevitável. Besteira, isso é histeria feminina: manicômio.

A problemática se acomoda num sistema que se encadeia: se não sou eu quem cria a minha própria realidade, a qual eu protagonizaria, ela simplesmente não vai existir. Quem existe é uma mulher que atua como coadjuvante, como apoio da narrativa masculina: assim, ela não é dona da voz, nem do corpo dela. A atual forma de mulher idealizada:manic pixie dream girl. Se eu não me reconheço nela, quem eu sou? Se a minha realidade não é representada, ela não existe. Se ela não existe, eu não existo. Somos invisíveis,donas de uma realidade menor, coadjuvante, que não é disposta em lugar algum. Não temos como nos guiar por exemplos culturais e sociais. A mulher que eu conheço é um espectro virtual criado por um grupo de homens ao longo dos tempos. E eu vou desaparecendo ao longo dos anos em que não me vejo. Assim, eu mesma vivo na suspeita de mim. Daqui a pouco não enxergo mais mulher alguma.

Temos, nós mesmas, dificuldade de entender que temos o direito e podemos protagonizar uma narrativa nossa, da qual somos o sujeito principal das ações. Parece que não é permitido. E não é. Insiste uma sensação de estar sempre perpassando a nossa narrativa pelas marginais. Ensinando desde criança, o resultado é para que cada uma de nós vá se aquietando, de forma que nem mesmo uma teia de discurso entre nós aconteça. Nem mesmo de forma que a gente atue como coadjuvante da narrativa de uma outra mulher. Nosso silêncio nos leva a crer que a realidade é essa, que esse embaçado incômodo é um desconforto que nos persegue sozinhas. Vamos sendo isoladas umas das outras como ferramenta de manutenção dessa cultura. Para que a nossa crise de representatividade, que é coletiva, passe a ser “só” minha, individual, de identidade. Nos questionamos, nos suspeitamos, nos condenamos.

Fazermos as pazes conosco, nós mesmas, já é um peso que cada uma carrega sozinha. Eu sigo perdendo a liberdade por tudo isso: abro mão de ideias, abro mão de ir e vir, abro mão de falar, abro mão de ser simpática, abro mão de fazer e dizer o que eu quero, na hora em que quero.  Por isso, peço aos homens: ouçam. Ouçam o que temos a dizer. Não se protejam, não se excluam, não digam que é uma generalização superficial, que é um exagero, que é invenção, não digam que não é preciso ter raiva. Não peçam calma às mulheres. Nesse momento, a forma como o homem (sempre protagonista da sua realidade) se coloca é delicada: a questão toda perpassa por uma fragilidade da possibilidade de protagonismo da mulher sobre ela mesma e sua vida. É importante que haja um deslocamento de suas posições, numa ação coadjuvante nesse movimento. Homens atuando entre homens, principalmente. Numa tomada de olhar pra si, numa análise de comportamentos rotineiros. Em críticas aos atos machistas do seu amigo. E é paralelamente necessário que mulheres ocupem os espaços, para desvelar o que é isso de ser mulher e não se pertencer. Para ser revelado o que somos, para que sejamos vistas, inclusive por nós mesmas. Para criarmos nossa própria narrativa, onde quem decide sobre nós, somos nós.

 

Débora Ventura (Dolores 602)

Debora Ventura

Faço parte de uma banda formada por mulheres. Mero acaso: eu já tocava com a guitarrista, a baixista já tinha um projeto com a baterista, fomos apresentadas por uma amiga em comum e a coisa fluiu. Durante algum tempo evitamos um pouco esse foco “banda formada somente por mulheres.” Queríamos que a música chegasse ao público antes da nossa imagem, antes de qualquer pré-julgamento, porque sabíamos que ele existia/existe. A mulher no papel de instrumentista / compositora / produtora / crítica musical ainda causa estranhamento e desconfiança dentro desse cenário ainda tão convencionado aos homens. Já ouvi e vivi alguns casos e quero destacar dois deles que me surpreenderam.

Ano passado fui conhecer um estúdio em BH e levei o EP que tínhamos acabado de lançar. Mostrei para o músico (dono do estúdio), ele viu o encarte, viu que se tratava de uma banda e me fez uma pergunta: “mas quem tocou os instrumentos durante a gravação?”. Isso mesmo! Ouvindo o disco ele não conseguia assimilar que foi produzido, arranjado e tocado por nós sem uma ajudinha de outro músico ou produtor.

Recentemente ouvi outro relato intrigante de uma colega guitarrista. Ela tinha uma banda, era a única mulher do grupo e eles foram fazer um show. Um jornalista escreveu uma resenha da noite e destacou suas habilidades como guitarra base. Até então, nada errado. Entretanto, ela não fez uma base sequer, fez guitarra solo o tempo inteiro! O que pensar sobre o olhar desse jornalista? Foi dada a mesma atenção e importância ao papel dela dentro do grupo?

Depois dessas e outras experiências percebemos que, por mais que a gente queira tratar de forma natural, quatro mulheres em cima de um palco ainda é algo exótico. Em toda parte nos deparamos com olhares e dúvidas alheias se sabemos de fato o que estamos fazendo como musicistas. Hoje apostamos na reflexão e encorajamento para que cada vez mais mulheres ocupem esse espaço e tenham as mesmas oportunidades e incentivo desde a infância, como os meninos. É preciso discutir e apressar o passo para que a diversidade e igualdade de gênero na música, nas artes e na vida não sejam mais uma barreira.

 

Lei Di Dai (cantora, compositora e produtora musical)

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As mulheres estão dominando tudo e fico muito feliz de ver isso acontecer, temos excelentes produtoras musicais, cantoras, DJs e as minas que comandam os bastidores, estamos empoderando todas as áreas não só na música.
Nunca sofri preconceito por ser mulher fazendo música, pelo contrário. Organizei o movimento Dancehall/Ragga, gerando festaa e rendimentos a todos, e acho que vai muito da postura que você tem perante a cena musical. Sempre fui fora dos padrões pré estabelecidos, porém nunca sofri julgamentos, porque o mais importante é ter a competência musical e conquistar o espaço no talento e jogando sempre limpo. Tenho meu próprio selo musical, faço meu sound system, escrevo e canto sem ter pudores, pois acredito na expressão jamaicana “Rasta no fear” e sem medo sigo, tacando fogo na babilônia, pow pow pow!!!! Positive vibration!!!

 

Julia Branco (Todos os Caetanos do Mundo)

Julia Branco

Depois da campanha do #primeiroassédio no Facebook, pensei bastante e não consegui lembrar da primeira vez em que fui assediada. Que coisa. Sei que isso revela como o machismo pode acontecer de forma velada, a ponto de não ser fácil apontar aonde ele começa. Mesmo assim, tenho violentamente na minha memória todas as vezes em que andei pela rua e me senti constrangida por estar vestindo short, todas as vezes em que, no trânsito, um motorista homem fechou meu carro e me chamou de “Dona maria”, todas as vezes em que escutei algum amigo dizer algo como “Essa é pra casar” ou “Isso é assunto de homem”, todas as vezes em que um professor me desafiou e fez alguma piada machista.

Estamos em 2015 e somos assediadas todos os dias, inúmeras vezes. Existem Cunhas, Felicianos, Bolsonaros. O aborto ainda não legalizado no Brasil. A mulher ainda não tem autonomia do próprio corpo. Os homens ainda são mais bem pagos em seus trabalhos. Há preconceito, há preconceito, há preconceito. Há um machismo que acontece na nossa cara e também nas sutilezas.

Vivemos um momento de caos-horror, mas acredito que existe um respiro na contramão disso tudo. Está acontecendo agora um movimento muito importante. Olhos e ouvidos atentos.
Força.
Coragem.

 

Thais Pimenta – Assessora de Imprensa na Press Pass

Thais Pimenta

Sou a única menina de quatro filhos. Desde pequena convivi com o universo masculino através dos meus irmãos e de meu pai. Quando criança era a protegida, uma vez que era do “sexo frágil”. Observava a relação dos meus pais e me incomodava perceber a submissão de minha mãe. Sempre me irritava com piadinhas sobre mulheres, que nós somos um perigo ao volante, que somos limitadas para exercer funções consideradas para homens, dentre outras enfadonhas e preconceituosas. Com o passar do tempo, fui criando as minhas armaduras e me permitindo arriscar nesta sociedade machista. Eu não sou frágil. Como toda pessoa, independente de ser homem ou mulher, eu tenho minhas limitações e meus talentos. E me certifico sempre quais são eles para trilhar o meu caminho. Assim me permaneço ciente e segura. Se acerto sempre?! Nem sempre. Mas tento.

Nunca sonhei com vestidos de noiva, nunca gostei de rosa, sempre fui mulher macho. A maioria dos meus amigos são homens, mas não me equiparo e nem compito com eles, convivo.
Desde os 18 anos eu trabalho, aos 22 já não dependia mais dos meus pais. Sempre acreditei na independência, ser independente me conforta. Não preciso me casar pra ser feliz, como muitas mulheres que conheço. Não dependo de ninguém, apenas de mim.

Meu pai sempre se demonstrou preocupado com meu futuro, preocupado em como eu iria me manter, afinal, eu sou uma mulher… Aquela lá do tal “sexo frágil”. Isso que me impulsionou a correr atrás e arregaçar as mangas. Eu sou mulher sim, mas não preciso do vestido cor de rosa pra convencer ninguém. Sou mulher e como toda pessoa, independente de gênero, mereço respeito.

 

Rakky Curvelo  (Jornalista e colaboradora do TMDQA!)

Rakky Curvelo

Não à toa, ouço amigos comentarem “Como é bom ter nascido homem” quando em algum grupo as meninas reclamam de cólicas, da exigência de ter uma roupa X para o evento Y ou do desconforto de usar salto na festa tal. Bom mesmo seria se os nossos percalços do dia a dia enquanto mulheres se limitassem a essas coisinhas triviais…

Nós sofremos com o assédio, rotina desde o momento em que nascemos e que vai muito além do sexual, com a insistência de que somos menores, menos capazes, menos competentes, menos profissionais. Não podemos exercer determinadas funções porque elas são “trabalho de homem”, não podemos vestir determinada roupa porque “estamos provocando”, não podemos vestir algo mais recatado porque estamos “afastando os homens da gente”, não podemos escolher a nossa opção sexual porque “mulher é pra casar e ter filhos” ou porque algum engraçadinho vai “pedir para fazer parte”, não podemos fazer nossas vontades sem questionamento da nossa honra, moral ou às vezes até da nossa própria existência.

No ambiente de trabalho, seria cômico se não fosse trágico. Há mulheres recebendo menos por seu trabalho do que homens, há preconceito nas assessorias de imprensa e nas redações em que pautas são direcionadas puramente pela seleção “do sexo dominante”, em grandes empresas, em que ser mulher exige o dobro de esforço para a conquista do mesmo ou até de menor reconhecimento, na realização de entrevistas e às vezes até no contato com colegas de profissão.

Quem foi que disse que a gente quer provocar? Quem foi que disse que a gente depende de homem pra alguma coisa? Quem foi que disse que a gente quer casar, quer ter filhos, quer ter essa vida aí que pregam que é boa? Quem foi que disse esse monte de coisas sobre o que nós somos ou não capazes de fazer?

Tem que lutar sim. Tem que brigar sim. Tem que fazer um alvoroço. A gente tá dando o recado!

 

Marcella Micelli (Colaboradora do TMDQA!)

marcella micelli

Ser apaixonado por música é algo que, na maioria dos casos, evolui junto com seu desenvolvimento pessoal. É bem verdade que quase todos os amantes que conheço tiveram um primeiro contato ainda crianças e foram moldando suas predileções através de vivências particulares, mescladas, é claro, às influências absorvidas pelo núcleo familiar. Comigo não foi muito diferente. Cresci num lar extremamente sonoro e desde muito nova peguei gosto pela arte que me acompanharia em todos os momentos seguintes, embalando experiências e me proporcionando descobertas dos mais variados tipos.

Quando a gente é adolescente, qualquer sentimento é muito mais intenso que o habitual e encontrar um porto seguro em meio ao caos se faz bastante necessário. Com uns, sei lá, 10 anos, eu conheci o Garbage, o No Doubt e o Veruca Salt. Eu já escutava Alanis e minha infância inteira foi baseada nas Spice Girls. Depois veio o Heart, o Bikini Kill, a PJ Harvey, a Tori Amos, a Fiona Apple. Algo nessas mulheres (e outras tantas) sempre me despertou muito interesse, beirando o fascínio. Ao ouvi-las, eu me sentia muito mais forte e capaz de conquistar exatamente o que eu queria (e merecia). A identificação foi imediata: elas falavam por mim, para mim. Elas me representavam.

Em 2015, com 23 anos, eu vejo a importância das vozes femininas por aí, dialogando com todas as jovens garotas. Em 2015, mais do que nunca, eu percebo que devemos desconstruir o quanto antes a ideia de que existem profissões, atitudes e vontades que “não são coisa de menina”.

Você não é “louca e histérica” por querer ser levada à sério e ter uma opinião diferente da maioria. Aquele seu desejo sexual não precisa ser reprimido porque você “deve se dar o respeito”. A sua saia não tá muito curta e “pode dar problema na rua”. Você não “tava pedindo” pra ser assediada quando usou decote. Ser feminista é acreditar na igualdade dos gêneros acima de tudo e, além disso, lutar umas pelas outras, libertando-nos sempre das amarras sociais do patriarcado e praticando a sororidade.

Se ele pode, eu também posso. E devo. E farei.

 

Nathalia Pandeló Corrêa (Build Up Media)

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Sobreviver em qualquer mercado de trabalho é um desafio por si só. Mas ganhar destaque em uma indústria não sendo homem branco, cristão e heterossexual é, sem dúvida, ainda mais difícil.

Sinto isso na pele todos os dias, mesmo me encaixando no perfil de branca e heterossexual, apenas por ser mulher. Desde sempre, vivi em uma sociedade que não me preparou para a liderança e a ambição e que, ao invés disso, me dava vassourinhas e panelinhas para brincar. Por isso, não me impressiona a visível disparidade entre mulheres e homens em posições de chefia no mercado em que atuo.

Embora alguns dos principais nomes no jornalismo brasileiro sejam de mulheres, ainda é clara a contratação e demissão dessas profissionais com base na quantidade de rugas que elas conseguirão esconder na era das transmissões em HD. Em pleno 2015, meninas ainda precisam provar seu valor para entrar nos clubinhos mais restritos, seja como especialistas em economia ou em histórias em quadrinhos.

Certamente não dá para sentir que somos levadas a sério quando uma crítica ao seu trabalho como jornalista, comentarista ou analista de qualquer assunto toma a forma de um insulto à inteligência e à aparência física da mulher… apenas por ser mulher, ou quando um posicionamento mais firme da nossa parte suscita perguntas sobre o nosso ciclo menstrual ou a ausência de sexo na nossa vida.

Ao mesmo tempo em que sinto que hoje discutimos questões inimagináveis para dois ou três anos atrás, percebo também o quanto ainda precisamos avançar em termos de respeito ao próximo, igualdade de direitos, aceitação das diferenças, embasamento do debate. Por isso, enquanto comunicadora, sinto que é minha e de todos os jornalistas com poder de alcance de um público (por menor que seja), a responsabilidade de não só pautar algumas discussões na sociedade, mas também de apurar com a maior clareza dados e informações que ajudem a derrubar preconceitos milenares, sejam eles de raça, gênero, orientação sexual ou de cunho político, social ou econômico.

É nosso dever não esconder ou subestimar as transformações por que os brasileiros clamam constantemente, para mostrar que uma mudança de paradigmas está em curso e que nós não seremos caladas. Porque, ao contrário do que a sociedade insiste em afirmar, de frágeis, não temos nada.

 

Fernanda Meireles (Colaboradora do TMDQA!)

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O mundo É machista. Há quem não perceba, de tão “comum” que já se tornou, mas a mulher ainda é muito pouco valorizada na maioria das áreas e no convívio social em geral.

Já passei (e passo até hoje) por situações ruins pelo simples fato de ser mulher. Isso porque (acham que) somos mais frágeis e não vamos nos defender de qualquer ofensa. (Acham) que não temos a capacidade de desenvolver uma tarefa que um homem também desenvolveria. (Acham) que temos menos potencial ou mesmo menos mérito por fazer tarefas que antes eram feitas prioritariamente por homens. (Acham) que não conseguimos, ou não queremos, enfrentar as coisas de maneira firme e sem temer as opiniões alheias.

O que falta não é uma lavagem cerebral que mude a visão de todo mundo. Basta respeito e noção, basta saber que somos sim todos iguais. Temos que tomar o controle SIM! Temos que tomar nossas próprias decisões SIM! Temos que nos empoderar e mostrar que a capacidade, talento e mérito que temos por nossas escolhas são iguais às de qualquer outro ser humano. Homem, mulher, transsexual, negro, branco, hétero, homossexual… somos todos pessoas, todos iguais, somos todos capazes. É necessário dar voz às mulheres, que têm muito o que mostrar e muito o que ensinar a todos que forem capazes de ouvir.