Texto por João Pinheiro e Olena Arruda
Fotos por Rafael Passos
Mais um ano, mais um Festival Dosol como celebração da música independente do país. Dessa vez o evento, que já era enorme, ganhou proporções astronômicas. Além da quantidade de bandas, o Festival acontece em 14 cidades da região nordeste: Natal, Recife, Maceió, Salvador, João Pessoa, Campina Grande, Fernando de Noronha, Parnamirim, Pium, Mossoró, Assu, Caicó, Currais Novos e Santa Cruz. Nós do TMDQA! estivemos na edição da capital potiguar que ocorreu no último fim de semana e contamos aqui tudo que vimos de legal.
Apesar do tamanho, há um certo charme do Dosol que você só encontra em shows pequenos. Mesmo sendo muito grande, dá para você conversar com o público e as bandas, comprar o merchandising direto com eles, circular entre os palcos rapidamente e comprar bebida ou comida sem dificuldade e filas. Mesmo quem é de longe, acaba se sentindo em casa.
No primeiro dia de atividades, o Dosol tem mais a cara evento de confraternização entre amigos, a famosa festa da firma. Muitos abraços, sorrisos, conversas entre os shows e cervejas geladas. Tanto a rua quanto o local dos shows estavam completamente lotados. Como nesse dia todas as bandas tocavam no mesmo palco, aconteceram pequenos atrasos entre uma e outra, mas a discotecagem que rolava nesse meio tempo até que ajudou na espera.
Um dos destaques no primeiro dia foi a Aeromoças e Tenistas Russas. Com um nome excêntrico desse já dá para perceber que eles têm bastante estilo (com um teclado distorcido, lembrando o eletrônico dos anos 80). Eles estavam bastante alegres com o show e disseram que o Festival DoSol era sua penúltima parada na sua turnê pelo Nordeste, já tendo passado por diversas cidades.
Até que The Cigarettes entrasse no palco foi uma espera longa, não vamos negar. Mesmo depois da demora para começar, algumas microfonias ocorreram durante a apresentação. Talvez tenha sido por ter muitos integrantes em um palco pequeno. As músicas eram boas e a banda foi até legal agradecendo pela participação e pela primeira vez em Natal.
Fechando a noite, a potiguar Fukai subiu ao palco, atrasando também para montar os instrumentos e passar o som. Mas valeu a pena a espera. Apesar da saída de um dos integrantes, eles já estão começando se enturmar e fizeram o melhor show com a atual formação. Foi a hora das pessoas pegarem seus celulares e fazerem vídeos para o Instagram ou transmitirem ao vivo por áudio.
Você percebe que um festival já é grande o suficiente de acordo com o número de conflitos de horários de shows interessantes. Obviamente com o Dosol não foi diferente nessas “Escolhas de Sofia”. Basicamente foi isso que aconteceu durante o sábado, segundo dia do Festival Dosol.
Os goianos da Carne Doce tocaram para o público já considerável no Festival. Não dá para negar que a vocalista Salma é maior destaque da banda. Que magnetismo! É impossível não prestar atenção nela. Apresentação concisa e uma mistura muito legal de MPB, psicodelia e indie rock.
Aqui no TMDQA! nós já falamos diversas vezes sobre a qualidade da música do norte do país. Ter muita coisa boa sendo produzida nessa região foi o principal motivo que nos fez assistir ao show da Aeroplano, do Pará. A banda lançou em 2014 o ótimo disco Ditadura da Felicidade, no qual o show foi baseado. A apresentação não poderia ter sido melhor. Rapazes simpáticos e felizes por tocar para um nova plateia, músicas pra cima e público interessado. No fim, ainda tivemos a oportunidade de comentar com o grupo o case de sucesso da cena independente paraense.
Já bastante tempo antes de começar o show de Thiago Pethit, o local estava impraticável de tanta gente. Todo mundo queria ver qual era a do artista na turnê de Rock‘n’Roll Sugar Darling, seu disco mais recente que mostra sua vertente rockeira. O músico não decepcionou o público. Cantou hits como a faixa-título do álbum, “Romeo” e até tocou um trechinho de “Anaconda”, da rapper Nicki Minaj. Pose, atitute e até beijo na boca dos fãs completaram a apresentação irretocável.
Não podemos negar que desde que saiu a escalação completa do Festival Dosol o que mais nos chamou a atenção e até deixou nervosos foi a presença de Rico Dalasam. Para quem ainda não conhece, o artista é representante do movimento queer rap (rap gay) e lançou neste ano o EP Modo Diverso, que fala sobre temas como amor e preconceito. Tocando no maior palco do evento, o rapper paulista lotou o lugar com um público curioso e atento. Já na primeira faixa, o fervo, como Dalasam fala, começou. Bom, começou e seguiu até o fim. Mesmo que as pessoas ali estivessem mais interessadas em dançar, essa “ferveção” não deixa de ser um ato político. É a audácia de existir, de não se esconder, de ocupar os espaços. Obrigado, Dalasam.
O show do Móveis Coloniais de Acaju já começou com a bela notícia de que eles iam fazer um show extra na cidade durante a semana somente com canções do Idem. As apresentações da mobília são daquele tipo que você sabe como vai ser, mas que é tão bom que você não se importa de ser mais do mesmo. Arriscaram até um ótimo cover de “A Menina Dança”, dos Novos Baianos.
A partir desse momento começou aquela parte em que as pessoas não passariam no bafômetro (e nem tentariam dirigir, não é? Faça-me o favor). Depois de um atraso colossal, veio o Dusouto. A banda, que é queridinha na cidade e costuma tocar bastante lá, já é veterana tanto em tempo de estrada quanto em participações no Festival Dosol. No entanto, é sempre jogo ganho. Casa lotada, mistura de funk com dub, reggae, samba e drum bass e o público todo dançando. E tragando.
Para finalizar a noite, ninguém menos que Figueiroas, o atual príncipe da lambada. Apesar da horário avançadíssimo, os fãs não arredaram o pé do local e mantiveram a animação até quase 5 da manhã (!!!!!). Foi lindo ver o recinto todo dançando e cantando sucessos como “Fofinha”, “Melô do Jonas” e “Bangladesh” já com o dia claro. Para ser perfeito, só faltou um cover de “Lambadão do Tibúrcio”, uma música famosa no Rio Grande do Norte por ter sido usada como jingle por diversos políticos do estado.
O domingo começa lento para quem já está na maratona desde a sexta-feira, mas é o dia das vertentes mais pesadas do rock, então, o público fidelíssimo está presente desde cedo.
Depois de uma apresentação excelente da Water Rats, foi a vez de conferir a Dot Legacy, da França. A banda já chama a atenção por causa do baixista e tecladista Arnaud Merckling que tem uma cabeleira ruiva homérica que não passa despercebida e grita e pula bastante (Sério. Mesmo.). Som até o talo e os integrantes gritando tanto que diversas vezes cantavam com o microfone desligado e todo mundo ouvia perfeitamente. O público parecia surpreso e encantado com a banda que só tem um disco, mas desenvoltura de veteranos. Ficam os parabéns para a curadoria do festival pela escolha tão acertada.
Aliás, esse é um ponto que precisa ser ressaltado: a escolha das bandas. Há uma diversidade tão grande no Festival Dosol que todo mundo acaba contemplado. Quem gosta de coisas mais pop, sai feliz. E os fãs de rockão sujo? Também. E os metaleiros? Opa! Talvez esse seja o segredo do sucesso e vida longa do evento: lá tem pra todo mundo.
E por confiar nessa curadoria é que você pode andar pelo festival sem destino certo, ouvir um som ao longe e ir lá ver qual é. Foi assim que nos deparamos com a Magüerbes, de São Paulo. O vocalista Haroldo Paranhos possivelmente é a pessoa mais insana que já vimos no palco. Ou fora dele, já que o cantor resolveu fazer boa parte do show no meio do público, gritando na cara de todo mundo. Mas o mais estranho é que ele gritava enquanto sorria. E o público sorria junto. Nós sorrimos.
Nunca vai deixar de ter algo mágico e enfeitiçante em um homem crescido gritando em público seus medos, anseios, neuroses e tudo mais. Apesar do vigor aplicado na tarefa, há uma fragilidade assumida na ação. É uma desconstrução que deveríamos observar mais e tentar adotar.
Por fim, tivemos o Dead Fish. Os rapazes são veteranos e não decepcionam nunca. O tempo todo era roda punk entre o público e uns 30 moshs por minuto em novas faixas e clássicos como “Zero e Um”, “Você” e “Bem Vindo do Clube”. Inclusive, o Arnauld da Dot Legacy também esteve lá no palco dando o seu discreto mosh. Gente como a gente.
E assim acabou a primeira etapa do Festival Dosol 2015. Fica aquele lamento por não ter conseguido ver todas as bandas (o que é humanamente impossível). No entanto esse é só o início. O evento segue agora com side shows em Natal/RN e mais edições em outras cidades do Nordeste. Dá para acompanhar tudo em seu site oficial. Valeu, Dosol. Vida longa e até breve!