Texto e fotos por Rakky Curvelo
Não é qualquer festival nacional que consegue chegar à sua 18ª edição recebendo 20 mil fãs, com sucesso de crítica, grandes headliners e um público cativo, que faz questão de voltar, só para viver de novo aqueles bons momentos na frente da grade com a sua banda favorita mandando um som.
O Porão do Rock, festival brasiliense que chegou à sua 18ª edição voltando às origens, dá esse exemplo. Assim como em 1998, no começo de sua história, a edição de 2015 recebeu uma grande maioria de bandas de Brasília e que surgiram na cidade e foi realizada em apenas um dia (diferentemente dos dois ou três dias de festival dos anos anteriores). O TMDQA! esteve em Brasília, à convite da produção do festival, para acompanhar de perto os 23 shows que dividiram as atenções do público no último sábado, 5 de dezembro. Acompanhe abaixo alguns dos momentos da festa.
Os Shows
A primeira banda a subir ao palco principal, o UniCEUB, foi o Dependência Pulmonar. Como grande parte das novas bandas de punk rock de Brasília, o Dependência declara grande influência do Ratos de Porão e foi uma das classificadas da seleção deste ano para marcar presença no festival.
Com letras que falam sobre política, corrupção e caos, a banda animou o público que começava a chegar ao festival. Da mesma forma agiu a galera do Alarmes, outra das classificadas, que tocou logo depois do Dependência, mas dessa vez no Palco Vivo. O trio apresentou seu indie rock despretensioso e com pouco repertório, explorando as músicas do primeiro EP Catupa e o performático baixista Lucas Reis, que mostrou boa presença de palco e encarando a galera como quem sabe que está fazendo o seu trabalho direitinho.
Na sequência, o Nenhuma Ilha, terceira classificada das Seleções na festa até então, subiu ao palco para homenagear a Planaltina que a galera só conhece por causa de Renato Russo e representar o indie e o garage rock locais. A voz rasgada e cheia de sentimento e as guitarras ferozes de Lucas Lima garantiram a atenção do público e comentários positivos nos bastidores. O primeiro EP do grupo foi explorado durante o show, com o registro de fãs cantando junto a faixa “Dias de Setembro”, talvez uma das mais bonitas do evento até aquela hora. É uma boa ideia prestar atenção nesses meninos.
Recebendo o rock brasiliense de mais peso, como o próprio nome diz, o Palco Pesado trouxe atrações de todos os cantos da capital e do Distrito Federal e fechou com o show dos paulistanos do Angra, que recebe um guitarrista brasiliense para o lugar de Kiko Loureiro (até aqui tem Brasília!). Abrindo os trabalhos, o irreverente Leonardo Guerreiro e seu cabelo azul davam a entender que aquele show de começo de noite seria mais reggae do que punk rock. Enganou bem! O Kankra abriu o palco com “Vivendo da Esbórnia” e seus primeiros acordes já davam noção de que não tinha brincadeira por ali. A banda foi uma das ganhadoras da Seleção 2015 do Porão do Rock e até convidou os poucos fãs e o público que se aproximava do palco para repetir o “passinho da fuleragem”. Animação não faltou mesmo!
O #Kankra agita a turma com muito bate cabeça no Palco Pesado. #PorãoDoRock #Tmdqa #tmdqanoporão Um vídeo publicado por Tenho Mais Discos Que Amigos! (@tmdqa) em
No Palco Vivo, era a hora e a vez do Almirante Shiva. Uma das boas surpresas do festival entre as bandas selecionadas pela produção, o power trio mostrou a densidade de seu indie-rock carregado de lirismo e psicodelia. Com poucas canções próprias, vindas do EP lançado neste ano, a banda mostrou que tem força para chegar em nomes como o Boogarins, trilhando o mesmo caminho já explorado pelo também power trio O Terno. A gente aposta que ainda vamos ouvir falar muito deles.
Voltando ao Palco UniCEUB, o Autoramas exibiu a nova formação para o seu provável público mais exigente. A banda, originalmente formada em no Rio de Janeiro mas desde sempre com fortes ligações com a cena musical brasiliense, mostrou serviço como quarteto, com Fred na bateria, Melvin no baixo, Érika Martins nos vocais, guitarra, teclados e efeitos e Gabriel Thomaz com os vocais e guitarra. Tocando sucessos de toda a carreira e as músicas mais recentes, do disco Música Crocante, o Autoramas disparou uma chuva de hits e até incluiu “1, 2, 3, 4” do Little Quail and the Mad Birds, primeira banda de Gabriel, no repertório.
Ficou faltando alguma inédita, mas o disco novo da banda, já batizado de O Futuro dos Autoramas, está chegando e é provável que teremos novidades. Enquanto isso, a simpatia de Érika com os fãs foi o tipo de presente que a galera gosta de receber no Porão do Rock.
As atrações seguintes, DFC seguido do Galinha Preta, no Palco Pesado, receberam fãs que mostravam a importância do palco no evento. O DFC, com as músicas do disco mais recente Sequência Animalesca de Bicudas e Giratórias (aliás, belo nome!) mostrou seu peso a um público já cativo, conquistado em diversas edições do Porão das quais a banda participou, foi a responsável pelo maior setlist do evento, com batidas ferozes, muitos xingamentos e grandes participações do público. O Galinha Preta e seu queridíssimo vocalista, Frango, subiu ao palco logo depois para continuar o estrago deixado pelo show anterior: muita gritaria, confusão, uma série de canções de ninar não recomendáveis para menores de 18 anos e uma das bandas mais amadas do underground brasiliense, para delírio da pequena multidão que se aglomerou no entorno para ver tudo aquilo de pertinho. O último disco, Expresso Planalto, também de 2014, marcou presença na sequência quase ininterrupta de músicas, e a despedida de Frango, uma personalidade mais que querida, foi recebida também com bastante gritaria: “Vamo acabar logo isso aqui que eu tenho que ir lá no outro palco ajudar a montar o Paralamas. Valeu todo mundo que veio, que curtiu, que não curtiu também, isso aqui é Galinha Preta!”.
Enquanto isso o #GalinhaPreta encerra sua apresentação no Palco Pesado #porão2015 #porãodorock #TMDQAnoPorão Uma foto publicada por Tenho Mais Discos Que Amigos! (@tmdqa) em
Voltando ao Palco Vivo, uma das maiores surpresas da noite: um show do Capital Inicial com público se estapenado na grade tanto da pista comum como da área VIP, tentando chegar perto, gritando todas as músicas (inclusive as mais recentes) e clamando por um tchauzinho de Dinho Ouro Preto como se aquela banda, com mais que 30 anos de história, fosse mais um grupo de adolescentes, sucesso recém lançado, música tema de novela. Músicas antigas como “Independência” e “Olhos Vermelhos” ganharam o público na mesma proporção que as mais recentes “Depois da Meia Noite” e “Melhor do Que Ontem”.
Dinho, ciente de que em casa ele é o tipo de santo que “faz milagre”, deixou suas pérolas rolarem soltas entre os intervalos das canções. Falando do Senado Federal e da importância de estar em Brasília, cantando tantas músicas que fizeram história com bandas com o Aborto Elétrico, Dinho comparou Eduardo Cunha a um vilão de desenho animado. Nas palavras do músico:
A próxima música que nós vamos tocar é aquela que você pode dedicar àquele político que você mais adora odiar. De Renan Calheiros a Fernando Collor, a Paulo Maluf, cara… ao INSUPERÁVEL, ao INSUPERÁVEL Eduardo Cunha. Na boa, pra mim esse cara parece uma espécie de vilão de desenho animado, tá ligado, cara? Ele parece uma espécie de Darth Vader, sacou? Mas na realidade cara, quando você vê o que está acontecendo em São Paulo, o que está acontecendo no Brasil, meu ceticismo é generalizado, falou? Vale para todos os partidos políticos, pra todo mundo, ninguém ali naquela casa (e aponta para o prédio do Congresso) me representa. Fodam-se todos esses, essa música é pra eles, se chama “Que País é Esse” e vai assim, ó!
A Redação do TMDQA! lamenta a comparação com Darth Vader e declara: alguns vilões se redimem no final. Outros, não têm jeito mesmo. Pobre Darth! Pobre Darth!
Já se aproximando do final da festa, Os Paralamas do Sucesso subiram ao palco UniCEUB para espalhar 30 anos de história e de hits para uma plateia que também cantava todas, como se as músicas estivessem armazenadas num chip da memória, e fossem se incluindo no coro sem esforço algum. Com o ska/reggae dos 80, a cadência pop dos 90 e as grandes baladas dos 2000, Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone ganharam a festa antes mesmo de terminar a primeira música. Sem grandes paradas para conversar com o público ou comentar o evento, o trio repetia a turnê de 30 anos e ganhava a noite com as certeiras “Seguindo Estrelas”, “Meu Erro”, “Lourinha Bombril” e “Vital e Sua Moto”, esta última que ganhou a adaptação de última hora “Os Paralamas do Sucesso vão tentar tocar na Capital – estamos tocando – na Capitaaall”. Para finalizar, “Que País É Esse” tocada pela segunda vez no evento renovou as forças da galera, que ainda esperava muitos shows pela frente.
#Scalene ontem no #porão2015 #porãodorock #tmdqa #TMDQAnoPorão Uma foto publicada por Tenho Mais Discos Que Amigos! (@tmdqa) em
Mais perto do horário do próximo show que do seu próprio, o Scanele subiu ao Palco Vivo às 0h45, para dividir com o público que os viu junto com as bandas independentes da edição de 2014 (relembre aqui), no meio das grandes estrelas do festival. Tocando as já decoradas canções do Éter e as consagradas faixas de Real / Surreal, que lançaram a banda às atenções do público e da mídia, os irmãos Bertoni, Lukão e Philipe “Makako” não ficaram acomodados com o show em casa e mandarem ver, mesmo com público cativo. As performances de “Sublimação”, que abriu o show botando todo mundo pra cantar junto e “Danse Macabre”, já mais para o final da apresentação, mostram que ambos os trabalhos do grupo estão na cabeça dos fãs e que ainda há muito para esperar do quarteto brasiliense, dentro e fora de casa.
A última banda do Palco Vivo foi a Plebe Rude. O pós punk do quarteto, outra atração muito esperada do festival, também trouxe novidades. É o disco Nação Daltônica, também de 2014, que teve 3 de suas 10 faixas incluídas no repertório. Os outros discos da Plebe se misturavam no set, com músicas como “Luzes”, de 2000, cantada por grande parte do público, como “Johnny Vai à Guerra”, sua posição de um dos grandes clássicos do rock brasileiro nunca questionada. Antes do encerramento, com a já esperada “Até Quando Esperar”, Philipe comemorou a inclusão de “Proteção” no set com uma mensagem de esperança. “Faz tanto tempo que a gente toca essa música, mas agora tem empresário preso, tem banqueiro preso, tem até senador preso. A gente ainda tem jeito!”. Se uma das primeiras bandas da capital federal ainda acredita que o Brasil tem jeito, quem somos nós para pensar diferente?
E quem fechou o #porãodorock com chave de ouro foi o #Raimundos ! #porão2015 #TMDQAnoPorão #pdr #rock Uma foto publicada por Tenho Mais Discos Que Amigos! (@tmdqa) em
O fim da festa ficou com a mesma banda que encerrou os trabalhos no ano passado: Raimundos, com o já trabalhado no mesmo palco Cantigas de Roda e a irreverência de Digão, Canisso, Marquim e Caio, que amadurecem a cada show enquanto conjunto e enquanto renovação do Raimundos de outrora. Depois da explosão de “Puteiro em João Pessoa” organizar rodinhas de pogo em frente ao palco, Digão celebra a participação no Porão 2015 e comemora: “Já são quase 4 horas da manhã, mas amanhã é domingo então foda-se!”.
Parecendo crianças brincando no palco, os Raimundos aproveitaram a boa fase e misturaram clássicos como “Nega Jurema” e “O Pão da Minha Prima” com a nova “Gordelícia”, todas recebidas pelo público com a mesma empolgação, como que parte de uma mesma época. As inserções não programadas, uma homenagem a Scott Weiland com “Plush”, clássico do Stone Temple Pilots e a inserção ensaiadinha de “Californication” na intro de “A Mais Pedida” e o encerramento do show com o baterista da formação clássica Fred (atualmente tocando com os Autoramas) entrando no palco para encerrar o show com “Eu Quero Ver o Oco”, foram os toques que faltavam (será?) para premiar a banda como uma das mais queridas da festa.
Infraestrutura
O Estacionamento do Estádio Mané Garrincha, praticamente a casa do Porão desde sua terceira edição, é um local perfeito para abrigar um grande festival. Com boa acústica para levar o som dos 3 palcos mais longe e de fácil acesso tanto para quem já é da cidade como para quem vem de fora, o espaço foi organizado de acordo com as necessidades do evento, mas pecou em alguns pontos.
O Palco Made In Brazil, reservado de última hora para 4 bandas que ficaram nas finais da seleção para anunciar bandas independentes durante o festival foi um golaço, oferecendo mais uma opção aos quase 20 mil presentes com a proximidade da praça de Esportes Radicais e do bicicletário, a farta oferta de banheiros não formou grandes filas e a coleta seletiva de lixo também foi um ponto legal de se ver. Mas os food-trucks falharam, tanto em quantidade (havia poucas opções próximo ao Palco Pesado e em regiões estratégicas perto da área do camarote) quanto em abastecimento. A praça de alimentação principal teve alguns carrinhos fechados pouco depois da meia-noite e a justificativa dos proprietários era que a comida havia acabado. Ao final do show da Plebe Rude no Palco Vivo ainda era possível ver filas gigantes de fãs tentando comer alguma coisa antes do último show da noite, dos Raimundos. Fica a dica para 2016: fã de rock é comilão!
Atrasos
Depois do terceiro show do Porão, era nítido perceber que fora o Palco Pesado, nenhum outro estava atrasando menos do que 40 minutos. A proximidade dos Palcos UniCEUB e Vivo, que favorecia a galera na hora de acompanhar um e outro shows, não pareceu ser suficiente para diminuir os atrasos. Ao final da festa, por mais que tudo já estivesse pronto do final de uma apresentação para o começo de outra, muitos fãs desistiram de esperar os shows da Plebe e dos Raimundos pela hora já avançada.
Programação
Trazer quase que 100% de bandas de Brasília para tocar num festival tradicional de Brasília foi uma grande sacada. A dinâmica das atrações, fazendo referência às histórias que começaram nos arredores do show, as novas bandas da seletiva e as grandes boas lembranças valeram a pena dentro de uma programação que trouxe sentido no retorno às origens, com um dia de rock, com 23 bandas tocando, assim como no já longínquo 1998 (quando bem menos bandas se apresentaram). Mas a curadoria precisa se renovar: por mais legal que um show do Raimundos seja, encerrar duas edições seguidas com a mesma atração não soa bem. Essa e outras repetições, em anos tão próximos, podem desacreditar o festival em anos posteriores, ainda que a intenção tenha sido das melhores. Para 2016, o Porão do Rock precisa se renovar.
Porão Sustentável / Ações Sociais
Outro golaço do festival foi a oferta de desconto no ingresso para os fãs que chegassem de bike ao festival, um espaço legal para estacionar a magrela e o apoio a entidades com a campanha Rock contra a Fome. A divulgação da Revista Traços, que gera renda para moradores de rua que comercializam o produto, feita por quase todas as bandas do festival em algum momento de seus shows, contou na conscientização do público, que aparecia correndo pelo estacionamento com revistas na mão entre um show e outro. Esse tipo de consciência faz falta em festivais de rock e mostra que o público é um bom alvo para se engajar nessas iniciativas. Nota 10!
A Redação do TMDQA! viajou a convite do evento.