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Resenha: David Bowie - Blackstar

Em seu novo disco de estúdio, David Bowie conversa com o ouvinte de perto, experimenta com novos gêneros musicais e cria novo ponto histórico da carreira.

David Bowie - Blackstar

Falar sobre a obra de um artista como David Bowie não é das tarefas mais fáceis, já que o músico é cercado por uma merecida aura de reconhecimento que praticamente transforma tudo que ele fez em mais de 50 anos de carreira em elogios e, às vezes, umas belas puxadas de saco.

Acontece que em seu novo disco de estúdio, Blackstar, lançado no dia de seu aniversário, David Bowie quebra o gelo e o paradigma ao ser, ele mesmo, completamente honesto e sincero quanto aos sons e temas que estão no álbum.

Muito se falou e ainda se fala sobre como Bowie resolveu experimentar com o jazz, e isso é só um dos tantos detalhes que tornam Blackstar de fato um grande álbum. O renascimento de Bowie musicalmente e, por que não, esteticamente, passa tanto pela inspiração revelada pelo próprio em nomes como Kendrick Lamar e Death Grips quanto pelas letras que falam sobre a dificuldade, a morte e o lado pesado da vida sem entrar em muitos detalhes. Mas tudo isso é coroado, principalmente, pela honestidade com que Bowie canta e muitas vezes usa praticamente da palavra falada para conversar com o ouvinte em seu novo trabalho.

Em Blackstar, o músico que poderia muito bem fazer uso de sua reputação para se distanciar cada vez mais, vai no caminho inverso: ele se aproxima da gente com aflições, pausas, peso e sete das faixas mais honestas de sua carreira entoadas como se fôssemos seu confidente.

Na faixa título, que abre os trabalhos, ao mesmo tempo que a voz de David Bowie assusta com seus efeitos e timbres, também dá o tom do que vem por aí. Ganhou, inclusive, um dos clipes sensacionais desse disco que o acompanham. São 10 minutos de novos ambientes e uma viagem pelo que se passa na cabeça de um artista, logo de cara.

“‘Tis A Pity She Was a Whore” volta a mostrar características do jazz usada em experimentações e misturas como no melhor disco de 2015, To Pimp A Butterfly, do já citado Kendrick Lamar, e os vocais característicos do britânico. Ao mesmo tempo em que alcança suas notas, Bowie também interpreta, no melhor sentido artístico da palavra, a canção repleta de palavrões. Musicalmente, os instrumentos de sopro são os destaques da faixa.

Outra que ganhou um vídeo que beira o cinematográfico e o perturbador é “Lazarus”, sombria, biográfica (“Olhe aqui em cima / Estou no céu / Tenho cicatrizes que não podem ser vistas”) e mais uma confissão e um pedido de ajuda honesto de David Bowie. No disco todo, talvez seja a canção mais próxima do que o ícone já fez em toda sua carreira ao lado de “Dollar Days”.

Em “Sue (Or In A Season of Crime)” a guitarra distorcida aparece com uma batida de bateria que juntos dão velocidade e um senso diferenciado ao andamento do álbum, que até então se baseava no sombrio e passa a andar lado a lado com o mistério. Como em uma perseguição, Bowie canta suas palavras e vai contando a história do personagem que entrega sua vida a Sue e retrata um relacionamento com banalidades do dia a dia como um novo emprego e os resultados de um exame, antes do fim chegar com a descoberta de que a amada fugiu com outro homem.

“Girls Love Me” começa com Bowie em um “quase rap” que tem nada mais, nada menos, do que referências ao clássico Laranja Mecânica e a língua falada pelos personagens do livro/filme. Aqui, gírias britânicas são misturadas com o Nadsat e o resultado é uma faixa que aposta na letra e no vocal como complementos ao instrumental.

“Dollar Days” é uma balada com violão, piano e mais uma vez, os belos vocais de David Bowie. Antes de encerrar o álbum com “I Can’t Give Everything Away”, Bowie passeia por suas habilidades sem experimentar tanto como nas faixas anteriores. Os instrumentos de sopro aparecem, mas em arranjos mais convencionais e estruturas que não fogem do padrão praticamente em nenhum momento.

A nova fase do músico chega ao fim com a faixa citada acima e Blackstar se encerra como começou. Se desde o começo o ouvinte pode entender que Bowie está se abrindo como poucas vezes o fez, no fim do disco ele repete inúmeras vezes que “não pode entregar tudo de graça”. A cada repetição da frase, com honestidade e uma voz reconhecível instantaneamente, David Bowie conversa com a gente como se estivéssemos ao seu lado, sentindo sua dor.

Blackstar é, definitivamente, um novo ponto marcante na carreira de Bowie. Ao mesmo tempo em que ele resolveu experimentar com novos gêneros musicais, também foi humilde o suficiente para se inspirar em quem trabalha com eles e o faz com qualidade. Além disso, não se importou em abrir o coração para se relacionar com os fãs, e se está aposentado dos palcos, chegou pertinho da gente através dessas sete faixas.