Os anos 90 foram marcados pela explosão do chamado grunge, adaptação do punk na região de Seattle, nos Estados Unidos, que carregou traços bem próprios tanto na sonoridade baseada em guitarras e muita distorção, quanto na aparência dos integrantes das bandas e fãs do gênero.
Todo mundo queria ouvir as novas bandas do grunge, as gravadoras queriam saber quem era o próximo grande nome para vender milhões de discos e uma trupe de nomes que entraram para a história do rock and roll tomaram o mundo de assalto.
Naturalmente um estilo que se populariza tem diversas consequências, tanto para seu bem quanto para um processo inevitável de saturação de bandas, canções e formatos, e com o grunge não é diferente.
Boa parte das bandas que se formaram depois da grande safra do grunge nos anos 90 costuma emprestar as características do gênero e utilizá-las de forma exagerada e muitas vezes caricata, com guitarras altas simplesmente pelo fato delas serem altas e vocais a la Eddie Vedder sem conteúdo, e isso se aplica aos grupos brasileiros com essas influências.
Eu escrevi essa introdução para ressaltar como é bom ser surpreendido por material que sabe aprender com as influências e não copiá-las, como é o caso da banda sobre a qual falaremos aqui hoje.
Badhoneys é um trio gaúcho formado por Giana Cognato (voz/guitarra), Rodrigo Souto (baixo) e Diego Maraschin (bateria/voz) que no finalzinho de 2015 lançou seu primeiro disco cheio na forma de Ghost, com suas 10 faixas e quase 40 minutos de duração.
O disco é um belo exemplo de como você pode captar e entender as influências de nomes como Nirvana, Mudhoney, Babes In Toyland, Hole, Dinosaur Jr., Melvins e mais e transformá-las em bons sons próprios.
As três primeiras faixas do álbum, com “Faraway Ghost”, “Kill Me Now” e “Sheep Skinned Wolf”, são um baita cartão de visitas para a sujeira na medida certa de um caldeirão de riffs, batidas e baixos que servem como pano de fundo para a voz de Giana.
Lembrando nomes como Kat Bjelland, Courtney Love e Brody Dalle na fase Coral Fang, Giana passa muito bem pelas canções de sua banda enquanto toca guitarra. Sua voz é rasgada o suficiente para se encaixar no grunge da banda mas também sabe ser melódica para que nada se perca pela máquina bem ajustada que é o Badhoneys. Um dos diferenciais do grupo, inclusive é mesclar a barulheira com os belos vocais, que em alguns momentos são alternados com o baterista Diego Maraschin.
“Remember Why” segue nessa linha, com a repetição de palavras e a voz utilizada como mais um instrumento, enquanto “Doesn’t Matter” é uma espécie de balada grunge que mostra outro ponto alto do Badhoneys: o Inglês.
Bandas brasileiras (e do mundo todo) têm gosto de fazer rock and roll em Inglês, e isso é completamente compreensível, já que a língua anda lado a lado com o gênero. O problema é que por aqui há muitos nomes que escorregam na pronúncia e o resultado são letras que nem a gente nem os nativos entendem.
Com o Badhoneys isso não acontece. O Inglês é redondinho e ajuda na proposta de fazer os vocais funcionarem como mais um instrumento do power trio.
“Morning Comes” aumenta o ritmo do álbum e “Media Said” tem a cara de singles que tocariam nas rádios de rock alternativo de algumas décadas atrás. Alternando guitarras limpas com distorções e vocais suaves com berros, o som é um dos destaques da banda que mais se aproximam do que poderia ser chamado de single no álbum. Além disso, a faixa traz trechos em Português em uma passagem muito bem feita, que desperta curiosidade para que futuros lançamentos da banda sejam em nossa língua. E isso seria ótimo.
A poderosa “Infection” começa a encerrar o disco e alterna entre ambientes diferentes para chegar ao seu fim, passando por vocais pra cantar alto, ritmos quebrados, pontes e a sensação de que você está ouvindo um lado B do último disco do The Distillers.
As duas últimas faixas, “Never Knew” e “You And I (Never Again)” consolidam um grande trabalho que, como tantos discos de grunge conhecidos, termina com o som de guitarras, ruído, feedback e a vontade de ouvir o álbum de novo.
Se peca em algum momento, Ghost o faz por não carregar mais músicas que se consagrariam como singles e chamariam a atenção para o trabalho por completo, mas aí estamos falando do lado comercial e isso é outra história.
O primeiro disco de estúdio do Badhoneys é um grande trabalho e mostra que não apenas é possível fazer bons álbuns com elementos batidos e utilizados à exaustão, como há espaço para que o resultado final impressione e prenda os ouvintes por sua qualidade de composição.
Há um trio fazendo grunge da melhor qualidade no Brasil, e esse trio é o Badhoneys. Ghost saiu em Dezembro de 2015 pela Transfusão Noise Records.