Em 22 de março de 2009, há exatos sete anos, o Radiohead fazia o segundo e até agora último show da banda no Brasil. Depois de uma elogiada data na Praça da Apoteose, no Rio, dia 20, o grupo mais influente dos últimos vinte anos – com obra reverberante do metal progressivo à IDM, passando pelo rock alternativo e pelo jazz – enfim chegava a São Paulo.
Parte do line-up do extinto festival Just a Fest, o quinteto veio acompanhado pelo Kraftwerk (“heresia o Kraftwerk ser banda de abertura!”, exclamavam alguns, ainda no falecido Orkut) e pelo Los Hermanos, que fazia a primeira de uma série de reuniões pós-término que rendem novos encontros até hoje, mesmo sem disco novo no horizonte.
Na cola de In Rainbows (2007), aquela turnê não podia ser mais impactante. In Rainbows não apenas reassegurou a posição do Radiohead na linha de frente da vanguarda artística no novo século; In Rainbows questionou o modus operandi do mainstream ao ser lançado em mp3 no esquema pague-o-quanto-queira-mesmo-que-seja-zero, em um blog especial lançado pela banda, com anúncio prévio de apenas alguns dias. Em tempos onde as maiores estrelas do pop soltam álbuns inteiros sem aviso, isso pode parecer corriqueiro. Não é. Não foi.
Aos 12 anos, baixei meu primeiro mp3 no Napster: uma cópia tosca de “Welcome to the Jungle”, do Guns n’ Roses, na versão lançada no Live Era: ’87 – ’93 (1999). Dali, encantado pelas possibilidades infinitas das trocas de arquivos digitais, virei um rato-mestre do download ilegal. Do Napster para o Audio Galaxy, KaZaA, eMule, Oink, Soulseek e infinitos canais do mIRC – ativos até hoje, a propósito – discografias, raridades e arquivos falsos foram despejados nos meus HDs ao longo da adolescência. Gravava CD-Rs, a mixtape da minha geração, e exibia com orgulho iPods lotados de arquivos que nunca tive tempo para ouvir. E tudo isso sempre fora da lei, convivendo com o sentimento de culpa de roubar de artistas que admirava, até ver os preços de CDs importados, comparar com as minhas economias e chegar à conclusão, deturpada, que eu roubava por necessidade.
Quando baixei o arquivo .zip com as dez faixas de In Rainbows em mp3 de decepcionantes 160kbps (nerd alert!), foi diferente. Eu havia baixado álbuns lançados gratuitamente antes, mas nunca de uma banda do porte do Radiohead, com números suficientes para fechar contrato com qualquer gravadora. Minhas referências eram artistas que condenavam o download, que entenderam errado a obsessão dos fãs pelas obras deles. Mas ali, no meu desktop verde-escuro, o ícone colorido de In Rainbows abria novas possibilidades, um novo futuro, novas formas de comercializar e distribuir música.
Bastava isso para In Rainbows tornar-se um símbolo, definir uma era. Mas musicalmente o disco também é um primor. Após as sombras de Hail to the Thief (2003), o grupo não só fazia as pazes com Ok Computer (1997), como usava os experimentos de Kid A (2000) e Amnesiac (2001) para desenvolver uma nova linguagem, um disco simultaneamente aveludado e angustiante. Melancólico, claro, mas colorido como nunca, da capa às conversas entre as guitarras de Jonny Greenwood e Ed O’Brien, ao baixo sempre perfeitamente colocado de Colin Greenwood, das levadas pós-eletrônica de Philip Selway, dos falsetes Buckleyanos de Thom Yorke.
Naquele 22 de março, eu e milhares de outros pudemos presenciar a excelência do disco em primeira mão. As luzes, projetadas em tubos de acrílico suspensos sobre o palco, eram um show à parte, perfeitamente sincronizadas à identidade, à mensagem da banda. O show começou como o disco, com “15 Step”, e abriu uma sequência de maravilhas até hoje acachapantes: “There, There”, “The National Anthem” (com a transmissão da Rádio Band News FM invadindo o P.A. durante a intervenção radiofônica de Jonny), “Weird Fishes/Arpeggi”, “Talk Show Host” (obrigado!), “Idioteque”, “Climbing Up The Walls” (o Rio teve “No Surprises”), “Exit Music (For a Film)”, e tantas outras. O bis com “Paranoid Android”, “Lucky” e “Reckoner”. Outro bis, com “House Of Cards”. E um terceiro, derradeiro, com os tubos de acrílico a ponto de nos cegar no refrão estrondoso de “Creep”.
Lembro da volta da Chácara do Jockey ser uma pequena-porém-prolongada sessão de tortura, mas a leveza após presenciar uma das maiores bandas do mundo era esmagadoramente superior a qualquer sentimento negativo. Aquele show ainda reverbera em mim, do pôster azul que enfeita a minha cozinha às memórias que, ao contrário de outras, muitas outras, resistem ao passar eterno do tempo. Felizmente, a internet é muito mais capaz que meu humilde cérebro, e hoje, 22 de março de 2016, podemos reviver com plenitude aquele 22 de março de 2009.
Parte da performance foi transmitida ao vivo pelo Multishow, mas um projeto organizado por fãs, o Rain Down, conseguiu reunir a íntegra da apresentação com uma edição de dezenas de filmagens amadoras que conseguem reproduzir até melhor que câmeras profissionais o sentimento de estar ali, entre adoradores veteranos e novatos curiosos, frente à frente com uma das bandas mais imponentes da nossa história recente. Feliz aniversário, 22 de março, e que o Radiohead não demore a dar as caras por aqui de novo.