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Resenha: The 1975 - I like it when you sleep, for you are so beautiful yet so unaware of it

Com 17 músicas completamente diferentes entre si e letras que vão de sexo oral a problemas familiares, o segundo álbum do The 1975 é ambicioso, megalomaníaco, incoeso e, por vezes, genial.

Antes de mergulharmos de cabeça na experiência mirabolante que é o segundo disco de estúdio do The 1975, vamos a alguns dados técnicos: 17 músicas, mais de uma dúzia de instrumentos diferentes, dez meses de gravação, mais de uma dúzia de vocalistas de apoio, 74 minutos, mais de uma dúzia de palavras no título do álbum. “Ambição” nem começa a descrever o que devia se passar na cabeça de Matthew Healy, Adam Hann, Ross MacDonald e George Daniel quando compuseram I like it when you sleep, for you are so beautiful yet so unaware of it.

O sucessor do disco de estreia homônimo do grupo chegou carregando um caminhão de expectativas nas costas, boa parte delas criadas pelos próprios membros, responsáveis por declarações como “o mundo precisa deste álbum”. Deixando as afirmações hiperbólicas de lado, o que se ouve em I like it when you sleep é uma coleção quase esquizofrênica de músicas que abordam os mais variados temas e transitam incessantemente entre gêneros como o pop oitentista, o house e o R&B.

Ao atirar pela janela qualquer pretensão de ser uma obra uniforme, o álbum encontra seu propósito quando dividimos as canções em quatro categorias:

  • Hinos pop que mesclam guitarras e sintetizadores, como o funk dançante “UGH!” e o house epifânico de “The Sound”;
  • Números acústicos onde Healy deixa expostas suas cicatrizes emocionais – mais especificamente “Nana”, sobre sua falecida avó, e “She Lays Down”, sobre sua mãe depressiva e suicida;
  • Composições experimentais que flertam com a ambivalência, a exemplo de “The 1975”, a faixa de abertura que utiliza um coro de igreja para narrar um ato de sexo oral, e “If I Believe You”, cujo jazz suave distrai o ouvinte de seu lirismo pseudorreligioso e a torna um encaixe perfeito em playlists românticas;
  • Intervalos instrumentais, como a faixa-título, que de alguma forma inexplicável soa exatamente como se alguém estivesse dormindo de forma serena e bela, quase poética.

Ressalta-se, mais uma vez, a completa falta de coesão da obra, oriunda da inexistência de um elemento norteador que estabeleça uma ligação entre o começo, o meio e o fim. São 17 canções que pouco têm a ver umas com outras, semelhante ao ato de inserir faixas aleatórias em um CD ou pen drive. A diferença é que muitas dessas 17 faixas são simplesmente fantásticas, repletas de nuances e ganchos musicais inesquecíveis levando os vocais boyband-ísticos de Healy.

Além das eventuais canções com temas específicos como “Nana” e “If I Believe You”, muito do conteúdo lírico aborda o tormento trazido pela fama e a invasão de privacidade que é lugar-comum para as pessoas públicas. O single “Love Me”, que se vê à sombra de tantas outras faixas musicalmente mais atraentes, cutuca os tabloides e vê a banda tentando aceitar a atenção com o máximo de bom humor possível (“você esteve lendo sobre si mesmo / em um avião, fama pra variar / enrolado com a moda / um saco de pancadas para os apaixonados / você tem um rosto lindo mas nada a dizer”). O monstro em forma de holofote é tratado diferentemente pela esquizofrenia introspectiva de “The Ballad of Me And My Brain”, utilizando uma narrativa autista para sinalizar os efeitos reais de ser um rockstar, culminando no verso-citação “você daria um autógrafo para a minha filha Laura? / porque ela te adora / mas eu te acho um merda”. É o momento de maior fragilidade e exposição dos britânicos – sintomas de uma carreira de ascensão meteórica.

Ao final dos mais intrigantes 1h14 de música pop do ano até aqui, fica a sensação de que são necessárias várias e várias audições para explorar e absorver completamente as texturas e complexidades que fazem cada canção ser seu próprio mundo. Se todos os outros álbuns desconexos também contarem com inúmeros pequenos momentos memoráveis, como o faz I like it when you sleep, quem sabe possamos começar a analisar essas “coletâneas” sem a necessidade latente de traçar paralelos entre elas e obras com temas centrais mais bem definidos. Enquanto isso não acontece, testemunhemos os hits bombásticos do The 1975 dominarem o mundo. Coesão pra quê?