O Mundo Livre S/A é uma das bandas fundadoras do manguebeat, gênero que mistura o rock e o eletrônico com influências da música nordestina e que se popularizou nos anos 90. Ao lado de Chico Science e a Nação Zumbi, a Mundo Livre mostrou ao país a realidade desigual de grande parte da população, excluída do devaneio da prosperidade sócio-econômica, privilégio restrito a uma elite seleta.
Liderada por Fred Zero Quatro, a Mundo Livre S/A está em seu 32º ano oficial de carreira. Tendo lançado sete discos de estúdio e consolidado-se como um dos grupos mais importantes da história da música nacional, a banda acaba de lançar seu primeiro DVD. Intitulado Mangue Bit, o trabalho recebeu seu incentivo inicial através do financiamento coletivo – o crowdfunding – de cerca de 300 fãs.
Conversamos com o líder da Mundo Livre sobre o lançamento do DVD, a longa carreira da banda, a visão que o público tem do manguebeat, e muito mais. Leia abaixo!
TMDQA!: Antes de tudo: parabéns pelo lançamento do Mangue Bit! É o primeiro DVD da carreira da banda e foi financiado em parte pela ajuda dos fãs, através de um site de crowdfunding. Como surgiu a ideia de pedir a força da galera pra marcar essa celebração dos 30 anos de carreira?
Fred: Em 2014 a gente queria ter lançado algo celebrando o primeiro disco [Samba Esquema Noise, de 1994], com show em Recife, mas não fomos contemplados pelo edital da Fundação Municipal de Cultura (Funcultura), que tinha um orçamento bem legal. O Areia (baixista) já tinha utilizado a ferramenta de crowdfunding e, depois de pesquisarmos a respeito, conversamos com o Catarse. A campanha de divulgação durou 2 meses e nós redimensionamos o projeto para uma coisa mais entre amigos, pra ficar mais viável, já que o dinheiro que levantamos era só uma parte do total necessário.
A parte da produção do show firmamos com o SESC de São Paulo, que já é parceiro antigo nosso. A unidade Belenzinho fez a melhor proposta, e fizemos três shows lá: um com equipe de gravação e público, outro só com equipe de gravação, e outro só com público. Investimos tudo o que captamos com show e crowdfunding, não ficou um centavo pra banda, e ainda vamos pagar o que ficou no vermelho com a turnê do DVD.
TMDQA!: No crowdfunding foram mais de 40 mil reais levantados por quase 300 pessoas. Vocês esperavam essa resposta tão positiva? Em algum momento tiveram receio de não alcançarem a meta e o DVD não sair?
Fred: O pessoal do Catarse explicou que escolhemos uma época meio cruel pra fazer essa campanha, que é final do ano, periodo que a galera tá meio dura. Então eles falaram pra botar mais a cara, divulgar mais. E nós somos uma banda do século XX, caímos meio de paraquedas nesse conceito do financiamento coletivo, então tivemos que nos atualizar pra fazer isso dar certo. Acho que o maior desafio pra essa configuração atual da cadeia produtiva virtual, não só na música como em qualquer linguagem da arte, é fidelizar o público. Hoje você tem que tirar a bunda do sofá e mostrar que valoriza essa atenção, e essa é uma mensagem essencial pra uma banda com décadas de estrada como nós.
TMDQA!: Quem ouve o som de vocês sabe que é uma coisa totalmente acessível, com um pé no pop, outro pé na dança, um vínculo muito forte com o povo, mas mesmo assim parece que existe uma espécie de receio com qualquer coisa que fuja do padrão sertanejo/funk. Você acredita que existe hoje uma caracterização meio errada do que é o manguebeat? Acha que o gênero ficou muito atrelado à ideologia de contracultura dos anos 90?
Fred: Isso existe sim, mas é engraçado, porque é muito relativo. O Lenine, um dos caras que mais tem música em trilha de novela, começou no circuito universitário de Pernambuco nos anos 80. Quando eu entrei na faculdade ele tava num lance bem alternativo, um trabalho maduro, mas não conseguiu espaço. Ele foi despontar como compositor dentro do manguebeat. Aí não dá pra dizer que o Lenine é underground, né? Ele faz musica pra tudo, acho que vai fazer até pras Olimpíadas!
Acho que o fato da Nação Zumbi exaltar Zapata, os Panteras Negras, o fato da Mundo Livre ter uma vinculação à esquerda política, tudo isso contribui um pouco. Além disso a gente diz que a abertura política do país trouxe o fim da censura, mas existem outros tipos subentendidos de censura, como os grandes editais culturais que só favorecem o mercado. O nosso disco Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa (2011) foi sabotado completamente pela imprensa paulista, mesmo ganhando o Prêmio da Música Brasileira. Saiu matéria n’O Globo super elogiando o disco, e mesmo assim foi completamente sabotado em SP por jornalistas que só enrolaram e não lançaram matéria nenhuma.
TMDQA!: Pra esse DVD, vocês tiveram que compactar a carreira inteira da banda em 17 músicas. Não dava pra faltar sucessos como “Mexe Mexe, “Meu Esquema”, e ainda deu pra incluir música inédita. Como rolou essa seleção do que entraria e do que teria que ficar de fora?
Fred: Foi estressante! A gente lamenta não ter sido contemplado no edital da Funcultura porque, com o nosso orçamento, não tivemos como fazer material extra. Queríamos pegar depoimento de um monte de gente bacana, de nego que viaja o país todo pra nos acompanhar. Seria um esquema que significaria um atraso maior no lançamento, além do orçamento limitado.
A inclusão da faixa inédita foi ideia da produtora – foi a primeira faixa que lançamos ao vivo, e colocar ela complicou ainda mais a questão do repertório. Eu nunca vou superar o trauma de não ter incluído “Nega Ivete”, por exemplo. Me amarro demais nessa musica e na época dela, de quando lançamos um selo próprio. A gente tinha ensaiado 25, 26 músicas, e na reta final tivemos que ir cortando uma, duas, três… e já que tinha que cortar, queríamos pelo menos fazer o set mais diverso possível, então se tal música era boa mas um pouco parecida com outra, priorizamos a que é mais diferente.
TMDQA!: Agora que o DVD foi lançado, já dá pra pensar em mais um álbum de estúdio? Vão viajar pelo país mais um pouco? O que o futuro reserva pra Mundo Livre S/A?
Fred: A gente vem rabiscando algumas bases sempre que vamos ensaiar. Trago coisas de casa, a inédita do DVD é uma entre três ideias para as quais já temos bases. Fora essas três, temos muita letra, muitos ritmos novos. Dá pra dizer que já temos um EP novo de material, mas a ideia é que estejamos prontos pra próxima fase lá pelo final de 2017, depois de finalizar esse ciclo do DVD.
Agora, é foda essa efemeridade da música. Você tem que se reinventar com tanta frequência que ninguém sabe se daqui um ano ou dois ainda vai ser viável lançar álbum ou single. Me convidaram agora pra lançar um compacto de 2 músicas de um projeto meu, só violão e voz, e eu já tinha material pra lançar um álbum solo, então a gente vai estudar um pouco. Mas por enquanto é curtir essa fase de celebração.
TMDQA!: Você tem mais discos que amigos?
Fred: Tenho muito mais discos, só tenho mais amigo se contar os do Facebook. Até fui convidado pra discotecar depois de um show em Salvador, e disse que comigo é só vinil. Esse negócio de tocar música escolhendo em tela é furada!
Você pode adquirir o DVD ‘Mangue Bit’ aqui.