O Beach Boys é uma banda como poucas por aí.
Fundada por Al Jardine, Mike Love e os irmãos Carl, Dennis e Brian Wilson, o grupo foi um dos primeiros atos a equilibrar o pop mainstream com técnica e maestria, evoluindo num ritmo assustador em sua época de ouro.
Brian, o grande gênio por trás dos maiores sucessos do grupo, era (e continua sendo) uma força descomunal que rivalizava grandes compositores da época (como Lennon e McCartney), apesar de nunca receber o mesmo nível de fama e apreciação.
O músico liderou a banda nos seus primeiros anos, tomou as rédeas do grupo quando o resto dos membros só pensava em fazer shows e singles e nunca parou de agradar os fãs com boas doses de canções agradáveis — podemos concordar que sua versão solo de Smile, de 2003, é um dos melhores discos das últimas décadas?
Como nem tudo são flores, a banda passou por diversos momentos delicados. A mesma fonte inspiradora por trás da genialidade de Brian Wilson também era seu ponto mais fraco: as drogas. Instabilidade, discussões e várias brigas marcaram a carreira do grupo, o que resultou em saídas de membros e até mesmo cancelamento de discos.
Mas o objetivo desse texto não é falar sobre coisas ruins, muito pelo contrário: um dos melhores álbuns de todos os tempos completa 50 anos hoje, então está finalmente na hora de nos aprofundarmos no brilhantismo de Pet Sounds.
Os anos 60
Até o final dos anos 50, os Estados Unidos eram o berço da grande maioria dos músicos talentosos de Blues e Rock. O tom rebelde de artistas como Chuck Berry e Elvis Presley impactou e muito o modo de como as pessoas ouviam e faziam música na época, principalmente no Reino Unido, onde várias bandas tentaram replicar essa ‘fórmula’ – inicialmente, sem muito sucesso.
Porém, o mundo da música deu uma grande reviravolta quando os britânicos alcançaram o sucesso adaptando esses sons e os levando ainda mais adiante: a famosa “British Invasion” dos anos 60 infestou as rádios americanas com os primeiros hits dos Beatles, abrindo caminho para inúmeros outros grupos se instalarem no país e tomarem o espaço de várias bandas locais.
Tudo isso aconteceu pouco tempo antes dos Beach Boys lançarem o disco All Summer Long (1964), que apesar de ter sido sucesso de vendas e bem recebido pelo público, deixou Brian Wilson apreensivo. O álbum acabou marcando a carreira da banda como o último que apresentaria aquele clássico sentimento californiano, e Brian decidiu que precisava evoluir como músico e compositor.
Isso não iria acontecer de um dia para o outro. Por isso, em 1964, enquanto o resto da banda decidiu continuar em turnês, Wilson — tanto por motivos pessoais como de saúde — preferiu ficar nos estúdios, aperfeiçoando e desenvolvendo novas técnicas e escrevendo canções para os próximos álbuns dos Beach Boys.
Durante uma grande época de problemas e tumulto, o músico viu na maconha um alívio para seu stress. E a capacidade da droga de inspirar criatividade proporcionou Brian a oportunidade de gravar vários álbuns em sucessão mantendo a qualidade do material final.
Mas mesmo após lançar vários discos de qualidade, Brian ainda não estava satisfeito. Ao mesmo tempo em que ele tentava expandir seus horizontes musicais, o músico também acabou partindo para alucinógenos mais pesados em busca de uma maior inspiração para futuros discos.
E entre muitas tentativas, problemas e ajustes surgiu Pet Sounds.
Desentendimentos
A mudança proposta por Wilson não agradou os demais membros do grupo. As músicas apresentavam não somente complexas melodias experimentais, mas também muitas letras pessoais sobre as experiências de Brian.
Após uma breve turnê pelo Japão e Havaí, Wilson mostrou uma boa porção do novo álbum pros seus colegas de trabalho, o que resultou em brigas sobre a nova direção do grupo.
Muitas dúvidas surgiram durante as gravações: a possível dificuldade de apresentar essas músicas em um show, a mensagem que as canções poderiam passar para os ouvintes e até mesmo a incerteza de que essas músicas poderiam fazer o mesmo nível de sucesso que os trabalhos anteriores dos Beach Boys.
O problema principal vinha do fato de que todo o projeto parecia ser mais um álbum solo de Brian Wilson do que um esforço em conjunto pela banda. O medo de que o músico pudesse deixar o grupo pairava pelos membros e, ao mesmo tempo, pouca confiança era colocada no álbum.
No final, Brian venceu pelo cansaço e os seus colegas o deixaram liderar o projeto do jeito que achasse melhor. O que, convenhamos, foi uma decisão acertada.
Inspirações e influências
O lirismo de Pet Sounds foi um esforço conjunto de Brian com Tony Asher, parceria originada em 1965, quando Wilson estava procurando alguém para ajudá-lo a compor para novos álbuns. Do ponto de vista de Tony, os dois músicos se completavam: Brian geralmente tinha alguma ideia para uma letra e ele o ajudava a colocar no papel.
Uma das grandes inspirações para o início das gravações do álbum foi Rubber Soul, disco lançado pelos Beatles em 1965. Após ouvir o trabalho, Brian disse que foi correndo falar para sua mulher “Marilyn, eu vou fazer o melhor álbum! O maior álbum de rock já feito!”. Sobre o Rubber Soul, o músico afirmou:
“Eu gostei do modo de como tudo era um conjunto, o modo como [o disco] era uma coisa só. Era um desafio para mim… Eu não queria copiar eles, mas ser tão bom quanto. Eu não queria fazer o mesmo tipo de músicas, mas no mesmo nível. Os Beatles me inspiraram, mas não me influenciaram.”
A real influência por trás de Pet Sounds veio das músicas de Phil Spector, famoso produtor conhecido pelo seu método “Wall of Sound” de compor melodias, onde várias camadas de sons são combinadas para criar uma grande ‘parede’ com belos arranjos e timbres.
https://www.youtube.com/watch?v=EkPy18xW1j8
Os ‘Sons Animais’
O álbum é marcado pelas composições pessoais. Amor frágil, decepções românticas e limitações pessoais são temas recorrentes em Pet Sounds, dando um ar quase perverso e melancólico que age em perfeito contraste com os trabalhos anteriores do grupo. Em suma, o disco trata da perda da inocência e a realização de que, independente de fama ou dinheiro, a vida sempre conta com desilusões.
É difícil até destacar os pontos altos do trabalho pois não existem pontos baixos: cada canção tem o seu propósito, uma mensagem. Mas alguns clássicos como “I’m Waiting For The Day”, “That’s Not Me” e o carro-chefe “God Only Knows” demonstram os sentimentos extremamente pessoais e quase doentios por parte do compositor. Cada verso faz você reagir, seja pena, raiva ou até empatia, muitas vezes fazendo o ouvinte se relacionar com alguma situação específica ou um pensamento.
Já o instrumental é todo um caso a parte — aqui você assiste de perto à magnificência do trabalho como obra de arte. Em uma sacada genial, as melodias dos instrumentos populares combinados com os sons de “instrumentos” não convencionais dão uma vida extra às faixas, alcançando o objetivo de Brian de ter a sua própria parede sonora.
Dentre os sons reproduzidos no álbum estão latidos de cachorros, barulhos de trens, sinos de bicicletas, garrafas de Coca-Cola (!), Electro-Theremin, Xilofones e por aí vai. Esse tipo de instrumentação é destacado na faixa-título do álbum e em “Let’s Go Away For Awhile”.
Enquanto que, em algumas músicas, os temas melancólicos das letras podem se contrapor com melodias mais felizes (como é o caso de “Sloop John B” e “I Know There’s An Answer”), os Beach Boys também têm sucesso em criar arranjos que possam transmitir com honestidade as mensagens mais tristes.
Isso é especialmente notado nas incríveis “Caroline, No”, “You Still Believe In Me” e “Don’t Talk (Put Your Head On My Shoulder)”. Pet Sounds é simplesmente impressionante porque a banda fez tudo se encaixar e combinar com excelência, tomando riscos quando podiam mas, ao mesmo tempo, sendo tradicional quando necessário.
Legado
O álbum é considerado não só um marco na carreira dos Beach Boys, mas também um dos melhores discos na história da música. Ele é um dos precursores do Rock Psicodélico, sendo que vários elementos do disco foram incorporados por bandas que ajudaram a criar e moldar o gênero.
Além disso, diversos jornalistas e escritores consideram Pet Sounds como o primeiro grande álbum conceitual do rock, destacando o fato do trabalho ser tratado não apenas como um conjunto de singles, mas sim como uma obra de arte, onde cada música complementa a mensagem dos compositores e um tema recorrente é utilizado em todas as faixas.
O trabalho também contribuiu e muito no campo de produção musical por causa da sua introdução de harmonias e timbres fora dos padrões, utilizando elementos de pop, jazz, música clássica e até avant-garde.
Várias bandas e músicos já falaram sobre a influência do trabalho. Thom Yorke, líder do Radiohead, uma vez declarou que trechos de Ok Computer (1997) foram baseados na atmosfera de Pet Sounds. Já Roger Waters, em entrevista para a Rolling Stone, afirmou que o disco mudou toda sua visão sobre álbuns de estúdio. E para finalizar, Paul McCartney disse que “God Only Knows” é sua música favorita e confessou que o disco inspirou o Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, clássico dos Beatles lançado em 1967. E essa é só uma pequena parcela dos elogios dados ao trabalho.
Dentre os prêmios, Pet Sounds é considerado o melhor disco de todos os tempos pela NME, The Times, MOJO e a Uncut, e a revista Rolling Stone considera o álbum o segundo melhor da história da música (atrás somente de Sgt. Peppers, dos Beatles).
Quando se trata de boa música, por mais que o catálogo dos Beach Boys seja rico, esse disco sempre será visto como um destaque, um ponto de inflexão no cenário musical por inúmeros fatores. Brian Wilson nos mostrou a importância de um álbum polido e bem tratado, e o resultado é uma verdadeira obra de arte. Pet Sounds pode estar completando 50 anos, mas seus treze hits com certeza são atemporais.