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Vento Festival é consagrado como evento da diversidade

Pluralidade musical, de gênero e protestos marcam a festa que chega a sua segunda edição mais potente e com line-up inclusivo

Vento Festival é consagrado como evento da diversidade

Fotos: Luiz Felipe Moura

Diversidade musical, respeito às diferenças e protestos contra o governo interino de Michel Temer marcaram a segunda edição do Vento Festival, que aconteceu de 9 a 12 de Junho, na praia do Perequê, em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. O evento reuniu artistas de uma notável safra de música brasileira que levanta bandeiras e não tem medo de ousar na mistura sonora e multicultural do país. (veja como foram os dois primeiros dias aqui)

Vencedor do Prêmio de Música Brasileira 2015 como melhor cantor, Johnny Hooker ficou responsável por encerrar a terceira noite do Vento, no sábado, 11. Com espetáculo baseado no elogiado disco Eu Vou Fazer Uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito!, lançado em 2015, e figurino andrógino cheio de transparências, Hooker foi do glam rock até o brega como prova de amor à música em suas diversas nuances.

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Em um misto teatral entre o dramático e o carnavalesco, a faixa-título do disco abriu a apresentação bastante lotada em clima de festa e a galera já com o repertório na ponta da língua. “Alma Sebosa”, que fez parte da trilha sonora da novela Geração Brasil, veio com a entrega de quem deu a volta por cima após uma decepção amorosa. “Primeiramente, Fora Temer”, disse Hooker em seu primeiro contato com a plateia, assim como a maioria dos artistas que passaram pelo Vento, que engrossou o coro com protestos pelo “Fora Temer”.

“Um ministério sem mulheres, isso não existe”, manifestou-se Johnny antes de dedicar a canção “Segunda Chance” às moças da plateia. O cenário obscuro com luzes focando o cantor no centro do palco deu um tom de cabaré à apresentação, que teve ainda um momento com a participação de Filipe Catto em uma versão do maior clássico brega desse país, “Garçom”, de Reginaldo Rossi. A dupla parceira deu selinho e trocou abraços de agradecimento ao momento.

Sensualizando com os demais músicos, interpretando suas canções sentado ou de pé numa cadeira, deu ao público o que pôde.  O artista apostou em um cover de “Back To Black” da Amy Winehouse, das coisas mais belas e sinceras que passaram pelo palco do Vento. O bis poderoso veio com “Volta” e “Desbunde Geral” trazendo o contraponto das canções, que foi da sofrência poética à animação do frevo.

No início da noite, o cantor, compositor, pianista e violinista Filipe Catto abriu a programação com show baseado em seu segundo álbum de estúdio, Tomada, lançado em Setembro do ano passado. Afinado e com seu tom de voz peculiar, Catto é bastante comparado ao ícone Ney Matogrosso quanto ao timbre efeminado, doce e que salta aos ouvidos.

A noite de shows começou com uma hora de atraso devido à ressaca do mar, que invadiu a areia da praia e comprometeu o começo das apresentações. Catto subiu no palco por volta das 20h e, sem rodeios, apresentou seu repertório mesclado de rock e MPB numa vibe bem “Lost Boys” como indicava a frase nas costas de sua jaqueta. A cantora baiana Karina Buhr entrou na sequência com um show visceral, rock and roll, regional, duro, sem meios termos quanto à atitude.

A artista está com a turnê de seu terceiro disco, Selvática, de 2015, e mesmo doente, deu aos ventaneiros um show cheio de alma. Karina protestou pelo Fora Temer e engrossou o tom contra a polícia militar, principalmente do estado de São Paulo, que tem reprimido os estudantes secundaristas em ocupações de escolas pela educação. “Dilma, quando voltar, por favor, desmilitarize essa polícia”.

Das grandes descobertas da noite, a banda paulistana Aláfia, formada por doze músicos, com três vocalistas, Xênia França, Jairo Pereira e Eduardo Brechó, deu ao público o show mais politizado de todo o evento. O grupo fez duras críticas a Michel Temer, falou de racismo, resistência, lgbtfobia, e de um projeto de lei que determina o ensino da história afro-brasileira e indígena nas escolas.

A sonoridade carrega influências diversas e permite o encontro de rap, música de terreiro, MPB e funk em uma lírica questionadora bastante sofisticada. O Aláfia fez seu show baseado no disco Corpura, disponibilizado na internet para audição e download em 2015.

Na Oca, uma tenda montada em uma outra parte da praia do Perequê, a rapper feminista LAY apresentou os sons do seu EP de estreia 129 129, lançado recentemente e que, segundo a própria é “uma saudação a todas as bucetas”. O repertório da artista traz uma série de questionamentos acerca de classismo, machismo e do patriarcado em uma linguagem aberta, sem medo de exageros.

Com um tom de voz que cabe perfeitamente no rap feito por mulheres, os grandes destaques foram as músicas “Ressalva”“Fal$os”, “Mar Vermelho” e “Busca” como as mais expressivas. A discotecagem final ficou por conta do projeto cultural Free Beats, que tem assinatura de Mauro Farina. A proposta parte de oferecer shows gratuitos, acesso a cultura e ocupação de espaços públicos. O projeto dissemina o estilo livre de composição do DJ.

GÊNERO

No sábado, 11 de Junho, das 15h às 18h, aconteceu uma sequência de “Conversas na Oca” sobre gênero e música, política e economia. Com um público diverso, cheio de pessoas não binárias, montadas, maquiadas, com belos vestidos e cabelos, a primeira roda de conversas teve a participação da organizadora do evento Anna Penteado, da cantora Liniker, Mc Linn da Quebrada e Jaloo.

O papo transitou pela experiência de cada um com as questões de gênero e os caminhos que percorreram na música. “Os países mais héteros, ricos e brancos do mundo já criaram um pronome intersexo”, disse Jaloo. “Tomem como exemplo vocês mesmo como pessoas brancas, ricas e civilizadas, inteligentes e racionais, porque esse discurso conservador se baseia em mitologias e coisas que são discutíveis”. O artista se apresentou na segunda noite do Vento Festival, com show baseado em seu álbum de estreia #1. “Nós temos hoje um celular que quase ultrapassa nosso corpo, então é mais isso, olhar pra dentro e, por favor, se for possível, olhar pra fora também”.

Roda de “Conversa na Oca” com Jaloo, Liniker, Mc Linn da Quebrada e Anna Penteado / Foto: William Galvão

Liniker elogiou e incentivou a realização de rodas sobre o tema. “Eu, pelo menos, sempre procurei representatividade, hoje ver tanta gente com pensamentos diferentes e querendo propor coisas novas e juntas é muito bonito”, acrescentou. “Se todas as crianças virem isso elas vão crescer sem precisar ser oprimidas e podendo fazer o que elas quiserem”.

Em sua primeira participação em festivais, Mc Linn diz ter percebido a importância desse tipo de encontro “pra gente se fortalecer e formar essas conexões”. A funkeira aproveitou para criticar a mídia tradicional: “Eu fui percebendo quanta gente tá fazendo coisa e a gente não sabe porque existe um recorte midiático do que a lente pode captar, é importante que a gente perceba esse processo”. As quase 100 pessoas na Oca encerraram a roda com a “Oração do Lacre”. A rapper Mc Linn e Liniker se apresentaram no dia 10.

ENCERRAMENTO

O último dia do festival contou com menos público, mas agradou quem esteve presente. Os shows aconteceram entre a tarde e o início da noite e acabou mais cedo que nos outros dias, como já estava programado. A banda Dom Pescoço abriu a tarde com um show cheio de influências da tropicália e do rock psicodélico dos anos 1960 e 70. O grupo da zona rural de São José dos Campos apresentou as músicas do show que eles intitularam por Tropsicodélico.

O octeto do Grande Grupo Viajante mostrou o repertório do disco O Caminho é o Mar. Protestos e baião aqueceram a tarde fria em canções como “Ganeshaipim” e “Revolução dos Anonimos”. O encerramento da edição ficou nas mãos de Bruno Morais e seu som meio soul, bossa nova e alternativo. O músico faz parte de uma geração de música brasileira que surgiu nos idos dos anos 2000 e que não brinca em serviço. A apresentação foi uma verdadeira celebração ao amor com direito até a “beijaço”.

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